Entre Muros e Segredos Cap 21
Parecer homem e ser homem, são coisas bem diferentes. Medo de ser quem é, uma hora ou outras todos os meninos lgbts já tiveram.
Entre muros e Segredos cap 21
Na manhã seguinte, Pedro acordou primeiro e sentiu muito calor. A porta da varanda não estava aberta, mas a cortina não conseguia bloquear com eficiência os feixes de luz que aqueciam o quarto. Ele se levantou da cama e se deitou na sua novamente, decidindo esperar até que Igor despertasse.
Em sua cabeça, formulou frases a serem ditas, buscando uma forma de descomplicar a situação que se instalara entre eles. Queria convencê-lo de que, embora já se sentisse como um homem gay e conseguisse admitir que estava apaixonado, não poderia revelar isso para o resto do mundo. Torcia para que Igor, devido à sua experiência pessoal, entendesse.
Quando Igor finalmente acordou, Pedro se adiantou. Ergueu o corpo e se sentou na beira da cama, dirigindo um olhar atento para o ex-garoto. Esperou que ele despertasse completamente. Quando Igor percebeu que estava sendo observado, retribuiu o olhar e se espreguiçou.
— Oi.
— Oi.
Igor ergueu o tronco e se encostou na cabeceira da cama. Ainda estava imerso nos próprios pensamentos, pois acabara de acordar.
— Podemos conversar?
— Sim.
— Igor, eu não sei se quero ficar com mulheres. Na verdade, acho que não quero, mas também não sei se devo parar de ficar com elas.
— Eu não estou pedindo que você se assuma por minha causa. Quero apenas saber se você quer ser meu namorado.
— E você quer um namorado que fica com outras pessoas?
— Não sei, Pedro. Mas me diga... Nós continuaremos morando aqui, juntos, por muito tempo. Agora que não temos mais o que esconder um do outro, você acha que vamos ficar juntos muitas vezes?
— Bem, eu espero que sim.
— Eu também espero que sim. E acho que vou continuar gostando de você por muito tempo.
— Eu também.
— Então, por que não podemos namorar?
— Isso depende de você. Se achar que não vai se importar se eu ficar ou até mesmo namorar com mulheres, então eu namoro sim.
Igor entendia, mas não conseguia aceitar. Era estranho, pois, embora compreendesse a situação de Pedro, não queria ter que vê-lo com outra pessoa ou sequer saber que aquele corpo abraçava alguém além dele. Pedro percebeu pelo olhar de Igor que a ideia não o agradava.
— Vamos fazer o seguinte, então: seguimos em frente e vemos no que dá. Certo?
— Igor, me desculpa!
— Não precisa me pedir desculpas. Como você mesmo disse, eu entendo.
— Não queria que fosse assim.
— Tudo bem, não vamos mais falar nisso.
— Eu sei que é um passo para frente e outro para trás...
— Pedro, sério, não fale mais nisso. Está bom, já chegamos a um consenso.
Se dependesse dele, Pedro passaria o dia pedindo desculpas, mas sabia que, se continuasse, o efeito seria exatamente o oposto. Então, fizeram o que já haviam se acostumado a fazer. Pedro seguiu para a academia logo cedo, enquanto Igor foi para a cozinha adiantar o almoço, pois logo os pedreiros chegariam e a casa se transformaria em um caos novamente.
Na volta, Pedro tomava um banho demorado e descansava na varanda, pois não tinha mais paciência para acompanhar a obra, enquanto Igor esperava o cozimento da comida sentado na pia. Depois da refeição da tarde, ambos se arrumavam e partiam para a faculdade.
— Vamos juntos hoje? — perguntou Pedro, observando Igor se arrumar no quarto. Ele abotoava a camisa e ajeitava o penteado no espelho.
— Não, a mãe do Rafa vai passar aqui.
— Sempre o Rafa.
— Sim, sempre ele. A mãe dele sempre passa aqui para me buscar.
— É, eu sei.
— E então?
— Então, eu não gosto.
— Não sei por quê.
— Sabe sim.
— Não, não sei. Rafael é meu amigo, e você já o conhece.
— Conheço. Vocês já até se beijaram.
— Sim, assim como você beijou e beijará dezenas de outras garotas.
Igor não falava com agressividade, tampouco com chateação. Aliás, achava até um pouco ridículo que Pedro sentisse ciúmes de Rafael.
— Eu sabia que você teria raiva de mim.
— Não tenho. Mas eu não disse que aceitaria de bom grado você com outra pessoa. Só disse que a gente vai se virar... Só isso. E, além disso, é ridículo você ter ciúmes do Rafa, porque não o vejo como nada além de um amigo.
— Mesmo assim... Não vou te pedir que me entenda. Você mesmo disse que não quer que eu peça isso. Mas também não trate isso como se eu quisesse ficar com elas, pois não faço isso pelo meu prazer, mas pela minha segurança.
— Eu sei. E eu beijei o Rafael para que você finalmente caísse na real sobre quem você é. Então, não o culpe, porque, se não fosse por ele, você ainda estaria dizendo para si mesmo que é hétero.
Não adiantava. Pedro estava errado por ainda se negar um pouco para si mesmo, por não retribuir a entrega de Igor da mesma forma e, agora, por cobrar mais do que oferecia. Mas eles não estavam brigados — apenas havia muitas questões pendentes entre eles.
No meio da tarde, enquanto assistiam às aulas, Alessandra, mãe de Igor, ligou para o filho pedindo ajuda para buscar seus objetos pessoais na casa que agora pertencia apenas a Breno. O ex-companheiro não a deixara levar suas coisas, na esperança ingênua de ainda reconstruir o casamento.
— Pedro, está em aula?
— Estou, mas pode falar.
— Você pode faltar a essa aula agora?
— Mais ou menos... Ela é importante, mas o que foi?
— Preciso de carona e de ajuda.
— Como assim?
— Meu pai não deixou minha mãe levar as coisas dela para a casa da minha avó, e ela me ligou pedindo que eu fosse buscar. Eu não posso ir sozinho.
— Me espere em frente ao seu bloco, já estou passando por aí.
Pedro não pensou duas vezes e partiu em busca de Igor. Este, por sua vez, estava sentado em um banco, debaixo de uma amendoeira, esperando pela carona. Quando a van chegou, seguiram em direção ao centro da cidade, pois a universidade ficava em uma das áreas mais periféricas de Maceió. Provavelmente demorariam cerca de cinquenta minutos para voltar.
Quando Igor entrou no veículo, nada foi dito. Ele parecia triste e um pouco nervoso, e Pedro preferiu não incomodá-lo. Alguns minutos depois, o silêncio começou a ficar constrangedor — pelo menos para Pedro —, que decidiu perguntar o que estava acontecendo.
— Você não vai me dizer nada?
— Sobre...?
— Sobre isso.
— Meu pai não quer deixar minha mãe levar as coisas dela para a casa da minha avó.
— Eu não sabia que seus pais estavam se separando.
— Estão. E que bom que estão. Minha mãe não merece o marido que tem.
— Isso faz tempo?
— Não muito.
— Você está com medo do seu pai?
— Sim e não. Tenho medo de que ele não colabore e nos impeça de levar as coisas. E ele pode fazer isso facilmente. Ele é mais forte que eu, pode fazer o que quiser comigo. Mas... eu não tenho mais medo de encará-lo.
— Nunca imaginei você assim tão forte.
— Coisas da vida. Quando batem muito em você, uma hora você cresce. Ou, no mínimo, aprende a apanhar sem chorar.
Sem motivo aparente, Pedro interpretou aquilo como uma indireta também para ele. No entanto, se esse fosse o objetivo de Igor, ele não seria tão metafórico. Pedro sabia que Igor falaria de maneira clara se quisesse atingi-lo. A questão era que Pedro ainda se culpava muito por suas atitudes do passado e por sua postura em relação ao namoro. De fato, sem razão, acabou assumindo para si aquela fala.
— Você não vai parar de me acusar, não é?
— O quê?
— Você.
— Eu, o quê?
— O que você acabou de dizer.
— O que é que tem?
— Igor, eu já te disse que me arrependi de tudo o que te fiz.
— E o que isso tem a ver agora?
— Você está aí dizendo...
— Dizendo o quê?
— Que quando batem muito em você, aprende a apanhar.
— E daí?
— Você acha que eu não percebi que isso foi para mim também?
Igor apenas riu diante do discurso incoerente de Pedro.
— Você pirou, né? Se eu quisesse dizer algo sobre você, eu diria. Não ficaria fazendo joguinho.
— Você sempre faz joguinho.
— Se você estiver falando do que aconteceu essa semana... Olha, me poupe, viu? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Estou falando do meu pai mesmo. Fui metafórico porque ele já era o assunto. Não precisava explicar quem era o sujeito da minha fala.
Pedro se calou e manteve os olhos atentos aos semáforos.
— Tudo bem? — perguntou Igor.
— Tudo.
— Não vai me pedir desculpas?
— Vou.
— Quando?
— Igor... Eu estou dirigindo agora.
O rosto de Pedro começou a corar, e a situação ficou cômica. Igor, que usava o bom humor como um escape para todas as angústias que sentia, não deixaria aquele momento passar sem uma brincadeira.
— Você está todo vermelhinho agora.
— Não estou nada.
— Está sim! Olha no retrovisor, olha!
— Para, Igor.
— Está todo envergonhadinho.
— Não estou. Quer parar? Estou dirigindo.
Quando o semáforo indicou a hora de parar, Igor continuou provocando Pedro.
— Você ficou vermelho igual ao sinal.
— Que exagero!
— Ficou sim.
— Fiquei nada.
Igor então se inclinou em direção ao rosto de Pedro e lhe deu um beijo rápido na bochecha.
— Ficou sim... Tão fofinho!
— Pirou?
— O quê?
— A gente está na rua!
— E daí?
— Como assim "e daí"? E se alguém te vê me beijando assim, como se a gente fosse viado?
Igor se encostou na cadeira, virou o rosto para a janela e se acomodou da mesma forma que fazia durante as viagens para outras cidades. Com a voz abafada e um tom de decepção, concluiu:
— É, você tem razão. Ninguém pode desconfiar que somos viados. Mesmo que a gente seja realmente viado.
O silêncio se instalou no automóvel, e nada mais foi dito. Pedro sabia que tinha sido injusto, mas não se arrependia de ter alertado Igor sobre sua atitude. Temia, porém, que ele talvez não fosse mais tão receptivo às suas investidas. Mas agora não havia como voltar atrás.
Quando chegaram ao destino, Igor pediu que Pedro estacionasse na esquina, para que seu pai não os visse, já que a pousada ficava na mesma rua de sua antiga casa.
Eles entraram e seguiram para o quarto que um dia fora de um casal. Igor ia na frente e, com a familiaridade que tinha com o ambiente, abriu gavetas e portas do guarda-roupa, retirando algumas peças de roupa da mãe. Pegou uma mala de tamanho médio e, com pressa, jogou dentro dela as roupas de Alessandra. "O que mais ela vai precisar?", pensou. Seguiu para o banheiro e procurou cosméticos, produtos de higiene pessoal e medicamentos.
Nesse momento, porém, Breno chegou em casa e seguiu diretamente para o quarto. Pedro permaneceu em silêncio desde o momento em que chegaram até a aparição de Breno. Eles não tiveram tempo de interagir, pois, assim que se viram, Igor surgiu no quarto carregando os pertences da mãe e tomou um leve susto.
— Igor, o que você está fazendo? — perguntou Breno em voz alta.
— Pai?
— Sua mãe mandou você vir aqui?
Igor continuou caminhando até a cama, onde estava a mala. Guardou os objetos que carregava e fechou o zíper.
— Hein, Igor? — repetiu Breno, agora em um tom mais agressivo.
— Sim, ela me pediu, já que o senhor não deixou que ela levasse.
— Eu? — Breno se envergonhou e olhou para Pedro. — Claro que não. Você está se precipitando.
— Pode ser. Mas agora eu vou levar essas coisas para o carro...
— Que coisas você está levando, Igor?
— As coisas dela. As que ela precisa.
Breno olhou novamente para Pedro e fez um pedido:
— Pedro, você poderia nos deixar a sós? Quero conversar com o Igor.
Igor, disfarçadamente, balançou a cabeça em negação para Pedro. Seus olhos deixavam claro que ele tinha medo de ficar sozinho com o pai. Mas Pedro tinha ainda mais medo. Não soube como negar o pedido de Breno, e Igor percebeu.
— Ele vai me ajudar a colocar a mala no carro.
— Depois eu ajudo você com a mala. Agora nós vamos conversar.
— Eu levo a mala primeiro e depois conversamos.
— Não, Igor. Estou mandando você deixar essa mala aqui...
— Por que eu não levo a mala e vocês conversam enquanto isso?
Igor e Breno olharam para Pedro com raiva, cada um por um motivo diferente. Breno, pela intromissão e pelo constrangimento de ter um espectador em um momento íntimo e embaraçoso; e Igor, pela sugestão absurda, pois, mesmo conseguindo levar a mala, Pedro acabaria o deixando sozinho com o pai. Pedro não soube o que fazer.
— Não, Pedro. Deixe a mala aí, eu a levo depois.
— Não, Pedro. A gente leva junto e depois eu volto para conversar com meu pai.
— Igor, me obedeça!
— Eu vou obedecer, mas não do jeito que o senhor quer.
— E isso é obedecer?
— Pai, eu vou levar a mala e ponto final.
— Você não tem mais nenhum respeito por mim, não é, Igor? Até na frente do Pedro você me desafia!
— Na frente do Pedro, o senhor já fez coisa pior comigo.
— O que eu fiz? Posso saber?
— O senhor me bateu no rosto, lá no hospital. Lembra? Pois é, o Pedro estava lá bem na hora!
Breno perdeu o ar naquele momento, seus olhos se arregalaram. Nunca imaginou que Igor teria coragem de dizer aquilo. Sentiu vergonha ao perceber que Pedro tinha testemunhado a cena. Naquele instante, ele viu que seu filho já não era o mesmo e que sobre ele não tinha mais poder — exceto um: o medo que ainda causava. Mas, diferentemente do passado, Igor não deixava isso transparecer.
— Eu... Eu não bati em você, Igor!
— Ah, não? Foi sua mão que caiu na minha cara sem querer? Vamos, Pedro, me ajude com a mala.
Igor segurou uma das alças da bolsa com a mão esquerda. Pedro atravessou o quarto, aproximou-se e pegou a outra alça. Breno se calou e apenas observou os dois saindo. Eles atravessaram a rua e seguiram até a van.
— Deixa que eu levo, Igor.
— Pelo menos isso, né? — disse Igor, irritado.
Eles entraram no automóvel, e Pedro rapidamente deu a partida. Já a alguns metros de distância da casa e da pousada, ele decidiu descobrir o motivo da irritação de Igor, embora já tivesse uma suspeita.
— Está com raiva de mim?
— Estava. Já passou.
— Mas o que eu fiz?
— O que você iria fazer se eu não tivesse sido rápido, não é?
— Mas o que você queria que eu fizesse? Seu pai me pediu para sair. Você queria que eu dissesse não?
— E você queria que ele me batesse?
— Claro que não.
— Mas era isso o que ele ia fazer, e você sabia disso.
— Mas... Talvez ele não batesse...
— Talvez? Isso significa que, mesmo havendo chances de ele me bater, você iria me abandonar mesmo assim?
— Igor... Eu fiquei sem graça...
— Ah, ótimo, Pedro, ótimo. Muito bom! E eu ia acabar com dois braços quebrados só porque você ficou envergonhado. Ainda bem que você não é meu namorado. Ainda bem. Porque senão... Que bela merda de namorado eu teria, não é?
— Desculpa... Eu... Eu entendo sua fúria. Você tem razão.
— Do que adianta tanto músculo, tanta pose? Só serve pra enfrentar "bichinhas" como eu? Mas alguém como o meu pai você não enfrenta, não é? Já entendi.
Aquele era o dia do constrangimento. Pedro se encheu de vergonha e culpa e seguiu dirigindo. Em sua cabeça, raciocinava o quanto ele não estava preparado para viver em sua nova condição, mesmo sendo tão orgulhoso de sua independência. Enxergou em Igor a força que nunca teve de fato, pois força, antes, tinha outro significado. O quanto Igor não sofreu e não sofria apenas por ser gay e, mesmo assim, não deixava que sua dignidade fosse perdida? E por que Pedro, que sempre resolveu seus problemas sozinho, não conseguia resolvê-los agora? A questão é que ele agora precisava reaprender quem era e reavaliar seus novos problemas. Pedro não era macho o suficiente para enfrentá-los. Pedro não era macho como Igor!
— Toca para a casa da minha avó. A gente vai ter que dar uma passada no centro, e de lá eu te indico os caminhos.
Ao chegarem, Pedro se apressou em pegar a mala enquanto Igor tocava a campainha. Sua avó apareceu na porta e os recebeu com muita alegria. Ela era uma senhora já de muita idade, mas ainda muito ativa e forte.
— Ah, só assim para você vir me visitar, não é?
— Ai, vó, eu sempre venho te ver. Não faça drama.
— Sei, sei... E esse moço aí é seu namorado?
Igor, o único que ainda não tinha sentido vergonha naquele dia, corou o rosto e perdeu o fôlego com o olhar clínico de sua avó. Por sorte, Pedro ainda estava distante e não ouviu o questionamento da velha sábia.
— Não, vó, não... Que história!
— Pois parece. Ele é bonitão... É o menino com quem você dorme?
— É o menino com quem eu moro. Com quem eu moro!
— Sei, sei...
— Oh, vó, minha mãe já foi fazer fofoca para a senhora?
— Ah, meu filho, você é que se atrasou na fofoca. Ou você acha que sou burra? Sou velha sim, caducando já, mas burra eu ainda não sou. Primeiro, quem abriu os olhos da sua mãe fui eu...
— A senhora é safada!
— Enquanto o cigarro não me levar, continuarei safada!
Pedro se aproximou e pôs a mala no chão. Sem jeito, ele se apresentou.
— Oi.
— Pedro, essa é a Dona Carmem, minha avó.
— Oi, tudo bem com a senhora?
— Tudo, meu filho, tudo ótimo. Pode entrar com a mala, pode pôr em cima do sofá.
— Com licença, então.
— Pode entrar, fique à vontade.
— E a mamãe?
— Dormindo. Mandei ela ir dormir, pois já estava me enchendo o saco com essa conversa sobre o seu pai. Que mulher mole!
— Papai também não foi fácil, não é?
— Que conversinha boba! Ela não casou com ele? É tão dona daquela casa e daquela pousada quanto ele. E mulher não pode deixar homem nenhum mandar nela. Seu avô não mandava em mim.
— É, mas mamãe está debilitada...
— É, essa desculpa eu aceitei. E isso serve para você também, está me ouvindo?
— O que?
— Não deixe nenhum homem dobrar você. Mesmo que ele seja mais forte, metido a machão, não importa. Não decepcione a sua avó.
— Pode deixar, vó. A senhora manda um beijo para minha mãe?
Pedro voltava da sala de estar para a calçada, onde Igor e Dona Carmem se encontravam.
— Você não vai ficar mais um pouco?
— Não posso. Eu tirei o Pedro da aula dele para me ajudar. Ele precisa voltar.
— Eu já perdi a aula, Igor. A gente vai levar mais uma hora para voltar. Não vai valer a pena.
— Pois é, meu filho, eu não sei quem foi o gênio que decidiu construir essa universidade do outro lado da cidade. Ela deveria ser aqui no centro, perto de tudo. Onde já se viu?
— É, mas mesmo assim a gente precisa ir.
— Não mesmo. Vocês vão ficar e comer torta. É de banana com goiabada.
Igor, ainda envergonhado pelo comportamento de sua avó, perguntou se Pedro não se importava em ficar mais um pouco e, então, ficaram. A casa era antiga, mas muito bem conservada. Os eletrodomésticos denunciavam que aquela família não havia parado no tempo, mas os móveis e as cores diziam que ali morava uma família tradicional. Ou, ao menos, tradicionalista. Afinal, eram modernos em seus valores, haja vista Dona Carmem, a matriarca, que aceitava a sexualidade do neto sem mesmo lhe dar uma oportunidade de se apresentar. Ela era mãe de duas mulheres e um homem, que herdou toda a modernidade da velha mãe, pois Alessandra e Amanda, mãe e tia de Igor, eram consideradas conservadoras até demais por Carmem. Via-se claramente que Igor havia aprendido ali os seus valores morais e que a responsável pela sua força e bom humor era a sua avó.
Pedro e Igor sentaram-se à mesa da cozinha e se deliciaram com a torta, que estava morna. A goiabada ainda estava derretida e sujava os lábios de ambos. Como acompanhamento, tomavam uma xícara de café. Aquele era o sabor da infância de Igor e Pedro, curiosamente, se sentia muito à vontade com aquele clima, mesmo que ainda estivesse pisando em ovos.
— Essa torta está uma delícia, Dona Carmem, parabéns!
Igor e sua avó se olharam e riram à beça.
— Disse alguma coisa errada? — perguntou Pedro, preocupado.
— Ai, Pedro... Ai... Minha avó não sabe cozinhar.
— Sei sim, Igor, não seja injusto. Gelo é minha especialidade.
— Como assim não sabe cozinhar?
— Meu falecido era padeiro. Nós temos uma padaria, mas é em Arapiraca. Meu filho, Rivaldo, mora lá ainda e é ele quem cuida dela. Mas enfim, eu nunca aprendi a cozinhar. Foi meu marido que ensinou as minhas filhas a cozinhar, e eu ensinei a soltar pipa, subir em árvore... Você acha que viemos para a capital por quê? No interior, o povo me chamava de tudo quanto é nome. Era vagabunda, rameira, cortesã... Isso porque o povo tinha vergonha de me chamar de puta.
— Vó, a senhora vai assustar o Pedro! — disse Igor, às gargalhadas.
— Que assustar o que? Olhe, meu filho, eu vou ser bem sincera com você. Mulher feliz é aquela que faz o que quer. Mas preste atenção. Eu estou falando de fazer, e não de comprar. Minhas filhas aprenderam, não sei com quem, pois comigo não foi... Elas aprenderam que tinham que casar com homem bom de grana. Mas grana é papel, igualzinho àquele que a gente limpa a bunda. Pois dinheiro nunca me fez falta. Em compensação, eu saía muito, brincava com os meninos na rua, peitava as pessoas e tudo mais. Na minha turma de colégio, fui a única que só casei depois dos vinte anos e casei virgem, viu? Elas emprenhavam logo, tinham um rebanho de meninos, um bando de maridos velhos, uns nojentos... Eu não, meu filho. Eu me casei foi com o menino mais bonito do meu bairro, o filho do padeiro. Eu tive a oportunidade de escolher com quem eu queria me casar e, mesmo depois de casada, não esquentei meu bucho na beira de um fogão, não...
Alessandra acordou e seguiu para a cozinha, de onde os ruídos surgiam.
— Mãe!
— Mas já estão comendo a torta? Deixaram esfriar, pelo menos?
— Mãe, senta aqui. A vovó já está assustando o Pedro.
— Mamãe, já está contando essas histórias de mil novecentos e antigamente?
— Me deixe, me deixe!
— Tudo bem, Alessandra, estou achando tudo engraçado.
— Mãe, eu trouxe suas coisas. Estão na sala.
— Então vamos para lá, eu quero conversar com você.
— Vão, vão, e me deixem em paz aqui conversando com o menino!
Igor se levantou da mesa e seguiu com a mãe até a sala, enquanto Dona Carmem ocupava os ouvidos de Pedro com suas histórias da juventude. Alessandra e Igor se sentaram no sofá, separados apenas pela mala. Alessandra a abriu e conferiu os objetos.
— Você trouxe pouca calcinha.
— É, mas trouxe muita roupa, que é o mais caro de repor. Calcinha é mais barato.
— E seu pai?
— Fez um show, é claro.
— Ele te bateu?
— Não, não. Eu levei o Pedro. Eu sabia que, com alguém presente, ele teria vergonha.
— Não trouxe sapatos...
— Mãe, por que a senhora contou para a vovó que eu sou gay? Não vai demorar muito e ela vai contar para todo mundo, hein?
— Não vai contar, menino. Aliás, eu nem precisei contar. Eu só disse que você tinha me dito uma coisa muito importante, e ela já soltou: "Finalmente esse moleque contou que é viado? Não aguentava mais esse menino preso, me dava aflição de vê-lo aqui todo encolhido. Credo, parecia morto!".
— Só Dona Carmem mesmo...
— Até parece que você não conhece sua avó. Mas não se preocupe, ela não vai contar nada. Até porque, se fosse o caso, você não acha que ela já teria chamado você em um canto e te puxado as orelhas?
— Na certa ela diria: "Menino, deixe de se fazer de macho que eu sei que você não é!".
— Mas você é, você sabe disso, não sabe? — disse Alessandra com um sorriso.
— Mãe, você acredita que a vovó perguntou se o Pedro era meu namorado?
— E não é?
— Mãe! Pedro é hétero!
— É? Às vezes não parece...
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Comentários (1)
PA22: Gostei da avó do igor. kkkk
Responder↴ • uid:2ql4b6xij