#Gay #Grupal #Teen

Pagando a aposta pro meu primo. PARTE 66

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PUTOVR

Fiquei ali um tempo em silêncio, tentando me recompor. Olhava para o teto, para o chão, para qualquer lugar que não fosse dentro de mim. Cada imagem daquela foto rodava na minha cabeça como um filme que eu não queria assistir de novo. Senti um nó no peito, uma mistura de frustração, tristeza e raiva. Queria ligar, confrontar, perguntar como ele pôde… mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria bloquear, desaparecer, ignorar tudo e todos. Era um paradoxo doloroso que me deixava vulnerável como nunca.

Respirei fundo, tentando expulsar o aperto do peito, mas era inútil. Me senti pequeno, impotente, como se minha vida tivesse escapado do meu controle, cada detalhe era intenso demais para ignorar.

No entanto, decidi que aquilo não estragaria meu dia. Minha família estava me esperando, e eu podia escolher seguir com a vida, mesmo com o coração pesado. Levantei, lavei o rosto com água gelada, encarei meu reflexo no espelho e dei um leve tapa, como quem desperta: vamos lá, Renato, encara o mundo de novo.

Desci as escadas devagar. Assim que pisei na sala, percebi os olhares sobre mim. Todos estavam no sofá, e o silêncio se alongou por um instante — aquele momento em que o mundo parece parar e todos tentam ler o que você está sentindo.

— Pensei que você ia virar a noite lá em cima — disse meu irmão, se levantando para me abraçar.

— Pensou errado, querido! — respondi, tentando sorrir, mas era um riso nervoso. — Duvido que eu deixaria de almoçar por conta disso. Eu brigo por comida!

— Então bora comer! Falou meu irmão.

Fomos até a cozinha , puxei a cadeira e tentando soar mais leve do que me sentia:

— É a vida, minha gente. Ele tem todo o direito de arrumar alguém. A gente se ama, mas… amor não segura ninguém.

Todos continuaram me observando, tentando decifrar se era maturidade ou negação. Talvez fosse um pouco dos dois. Mas eu sabia que, por dentro, ainda doía como se fosse a primeira vez que eu tivesse percebido que o mundo não se curva ao meu desejo.

— Agora vamos almoçar, pelo amor de Deus! — completei, batendo palmas. — Estou faminto!

O clima aliviou um pouco, sorrisos tímidos surgiram, e as conversas começaram a se sobrepor.

Mais tarde, Ricardo me chamou discretamente para a varanda. Sua voz era baixa, firme:

— Mano, você pode até não transparecer... mas eu sei que por dentro deve estar mal.

Respiro fundo. A verdade é que estou mesmo. Então resolvo abrir o jogo com ele. Conto sobre as tentativas de Anderson de reatar, sobre os pedidos insistentes, sobre como talvez eu tenha dificultado tudo ao não aceitar voltar — mas explico que não conseguiria manter aquele relacionamento à distância do jeito que estava. O que mais me incomoda agora, confesso, é o fato dele estar com uma mulher. Não é só ciúmes. É outra coisa. Porque se fosse com outro cara, eu ia lidar com a dor de ter sido trocado, sim, mas por alguém do mesmo lugar que eu ocupava. Agora, com uma mulher... me dá essa sensação estranha de que eu não fui o suficiente, de que algo nele eu nunca fui capaz de preencher.

Ricardo coça a barba, pensativo.

— Renato, o Anderson sempre pegou mulher. Pegava as melhores até. Mas... considerando os fatos, ele é daquela parada que fica com homem e mulher.

— Bi... Bissexual — completo, quase como um lembrete a mim mesmo.

— Isso! Anderson é BI.

— Eu sei. Não tenho dúvidas quanto a isso. Mas na nossa última ligação ele me disse que eu sou o único homem que ele amou. Que o Manuel foi só um coadjuvante. E eu acredito. Acredito de verdade. Só que... eu não esperava que ele fosse aparecer do nada com ela.

Ricardo franze a testa e me olha direto nos olhos.

— Me responde com sinceridade: depois que ele ficou contigo... ele se envolveu ou demonstrou interesse por alguma mulher?

— Sim — respondo com firmeza. — Aquela vez, lembra? Em que ele arrumou uma namorada para se livrar da pressão familiar.

Ele então coloca a mão no meu ombro com força e afeto, tentando me passar segurança:

— Renato, o que sei é que ele é afinzão de ti. É estranho ter essa conversa com você, mas Anderson já me falou que você é amor na vida dele. Eu acredito que ele é apaixonado por você. Só alguém que gosta de verdade abriria mão da zona de conforto dele, toparia encarar tudo o que ele encarou por causa de um homem. Isso não se faz por aventura. Isso se faz por amor. Mas agora... não esquece de ser amor na sua vida também, tá?

Eu apenas assinto, engolindo em seco.

Letícia também aparece, fica ali em pé ao meu lado, me acariciando nas costas. Pergunta se estou realmente bem e como estou lidando com tudo aquilo. Explico que, de verdade, eu não esperava por isso. Foi um baque daqueles. Mas, como eu já tinha falado pra Anderson, eu não ia parar a minha vida por causa dele. E também seria injusto ele parar a dele por minha causa.

Letícia sugere:

— O bom é que você nem tá tendo tempo pra nada. O seu trabalho e a faculdade já deixam sua vida corrida. Quase não vai ter nem tempo pra pensar nele. E nos fins de semana inventa moda, sai de casa, vai lá pra casa, combina uma social com seus amigos.

— O clima ainda tá meio chato. Gil não tá cem por cento com o Dinei. Ah, acabei esquecendo de falar: Breno e Dinei romperam — Expliquei.

— O quê? — ela pergunta, surpresa.

— Traição da parte do Dinei. Acredita? — comento.

— Mas eles pareciam gostar tanto um do outro... — ela lamenta.

Digo para Letícia, quase sem pensar:

— Sortudo mesmo é o Gil que segue com o homem dele aos trancos e barrancos.

Ela ri, dando aquele sorriso que sempre tenta aliviar qualquer tensão:

— Ele não é bobo nem nada!

O celular vibra. Uma mensagem de Anderson aparece, pedindo para eu ligar para ele. Por um instante, meu instinto é ignorar. Mas algo dentro de mim me diz que é hora de enfrentar, de ouvir a versão dele. É hora de encarar o que dói, de entender o lado dele, por mais difícil que seja.

Respiro fundo, pedindo licença. Subo as escadas devagar, mantendo o mínimo de alarde. Cada passo parece carregar o peso de tudo que aconteceu entre nós, e a ansiedade bate firme no peito. Chego ao meu quarto e fecho a porta, pronto para ouvir Anderson, pronto para enfrentar a dor que ele me trouxe — e, quem sabe, começar a entender.

O quarto estava silencioso. Sozinho, encarei o teto por alguns segundos, cada detalhe da lâmpada, da parede, parecia gritar dentro de mim. O celular estava ali, vibrando levemente em minhas mãos, e a imagem de Anderson ainda aparecia na minha mente. Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos antes de desbloquear a tela.

Busquei o nome dele nos contatos e liguei. A vídeo chamada tocou apenas duas vezes.

— Renato — atendeu Anderson. A voz era firme, mas havia nela um desgaste, um cansaço que não dava pra disfarçar.

— Diga. Foi você quem pediu pra eu ligar — respondi, tentando parecer direto, mesmo com a tensão tomando conta do meu corpo.

O silêncio dele durou alguns segundos. A lâmpada do meu quarto refletia no rosto dele na tela, um brilho que só realçava o peso daquela conversa.

— Eu queria falar sobre a foto do status — disse, hesitante, mas decidido. — Já que… eu não fiz questão de esconder.

— Então fala, tô ouvindo — engoli em seco, o medo corroendo por dentro. — Pode começar dizendo quem é essa mulher. Não que ela seja importante…

Anderson demorou, como se calculasse cada palavra.

— Por que você quer saber disso?

— Você ligou pra quê? Acabou de dizer que foi pela foto. E só pra constar, na porra da foto tem você beijando uma piranha! — cortei, ríspido, deixando a raiva transbordar.

Ele suspirou fundo antes de soltar a verdade:

— Tá bom, mas calma. Ela é amiga de um cara que trabalhava comigo. Às vezes aparecia no bar.

Meu peito apertou, o estômago embrulhou.

— Continua.

— Eu fiquei com ela só dessa vez. Acabou acontecendo.

Soltei uma risada amarga.

— O irônico é que você pode até não ficar com nenhum cara. Mas foi ficar logo com mulher? Porra!

Ele ergueu o tom, tentando se defender:

— Você tá dizendo que se fosse um homem seria menos pior? Renato, se eu tivesse ficado com qualquer um, você estaria assim também!

— Pelo menos não ia dar essa esperança falsa pros seus pais, pra sua irmã! Você sabe o quanto eles foram contra a gente. Agora devem estar comemorando: "o Anderson tomou juízo, voltou a ficar com mulher".

Ele respirou fundo, quase suplicando:

— Eu sei… Talvez meu erro tenha sido postar a foto. Mas não foi pra te ferir. Eu apaguei por você, porque me coloquei no seu lugar.

— Anderson, não vem com essa…

— Deixa eu terminar — pediu, a voz trêmula, quase quebrando. — Se eu não postasse, você nunca ia saber. Foi só uma ficada, não vou culpar a cerveja… mas a carência pesou mais.

— Carência? — retruquei, com ironia.

— Sim, carência! — ele rebateu, respirando rápido. — Depois que terminei com o Manuel, minha vida virou um vazio. A maioria dos amigos era dele, e se afastaram. Eu fiquei praticamente sozinho. O pouco que sobrou foi o pessoal do serviço, nada além disso.

Engoliu seco, desviando o olhar.

— Eu fiquei carente de verdade, Renato. E tem hora que nem masturbação resolve… eu precisava sentir alguém. Não é desculpa, mas foi isso.— Ele confessou.

O peso da confissão esmagou meu peito. Mas só consegui segurar.

— Rolou sexo? — perguntei, seco, frio.

Ele hesitou, mas respondeu num fio de voz:

— Sim.

Involuntariamente, incline a cabeça. Era o que eu precisava ouvir, mas não trouxe alívio. Só confirmou a sensação de não ter sido suficiente.

— Pelo visto foi intenso, né? Você fala do Manuel, mas não é muito diferente dele.

— Não me compara com aquele desgraçado! — explodiu.

— Quer que eu faça o quê? Te dou os parabéns por ter ficado com uma mulher?— Alterei a voz também.

Ele engoliu as palavras.

— Tá certo, Anderson! Estamos solteiros! — soltei, sem freio. — Você ficou com alguém aí… eu também já fiquei com alguém aqui. A diferença é que eu não precisei esfregar na cara de ninguém! Pelo menos agora tiro um peso das costas!

A expressão dele mudou, dura, cortante:

— Então não pode me cobrar nada. Muito menos me criticar. Eu preocupado com você e você joga na minha cara que já ficou com outro.

O silêncio que veio não era paz. Era sufoco. Um abismo entre nós.

— Quer falar mais alguma coisa? — perguntei, esgotado.

Ele respirou fundo. A voz dele saiu baixa, sincera, como um pedido de rendição:

— Depois dessa… quer que eu fale mais o quê?

A pausa se estendeu, dolorosa.

— Então é isso…Já deu por hoje. Boa noite, Anderson. — encerrei, antes que me afundasse ainda mais.

Desliguei a ligação e deixei o celular cair sobre a cama.
O quarto inteiro parecia girar ao meu redor, e a dor que eu havia contido durante a conversa finalmente transbordou. As lágrimas vieram sem controle, quentes, pesadas, manchando meu rosto enquanto eu me encolhia contra o travesseiro.

Era uma mistura de raiva, decepção e um vazio sufocante que me engolia por dentro. Eu tremia, tentando encontrar ar, mas a dor não dava espaço.

Sem pensar, com os dedos ainda trêmulos e os olhos ardendo de tanto chorar, peguei o celular novamente e disquei o número de Gil. Eu precisava conversar com alguém. Precisava ouvir uma voz amiga, me agarrar a qualquer coisa que me fizesse sentir que eu não estava sozinho naquela noite.

— Oi, Gil… você tá podendo falar agora? — minha voz saiu trêmula, quase engasgada.

— Renato? — ele respondeu imediatamente, mas seu tom mudou quando percebeu algo. — Cara… você tá chorando? Aconteceu alguma coisa?

Sem conseguir segurar, comecei a falar, quase sem pausas, como se precisasse colocar tudo pra fora de uma vez:

— Aconteceu sim! E eu tô péssimo. Acabei de falar com Anderson… ele postou uma foto no status beijando uma mulher e depois apagou… e ainda mandou mensagem pedindo pra eu ligar pra ele. Eu não sei lidar com isso. Parece que… que eu nunca fui suficiente, que sempre faltou algo que eu nunca consegui dar.

Silêncio do outro lado. Ele percebeu a intensidade do meu estado, mas não interrompeu, apenas deixou eu continuar.

— Eu tentei… tentei manter a calma, mas não consegui. Eu só precisava falar com alguém, porque isso me pegou de um jeito, Gil. É como se todo aquele esforço, todo aquele sentimento que a gente tinha, tivesse sido em vão, e eu não sei lidar com essa sensação de perda — minha voz falhava e um soluço escapou.

Depois de disparar tudo, respirei fundo e comecei a explicar com mais calma, conseguindo organizar melhor as ideias:

— Anderson me explicou que estava lutando contra a carência, que tentou de tudo pra voltar pra mim, mas que eu estava irredutível. Ele disse que… que sentiu a solidão lá em Joinville, depois que terminou com Manuel e abandonou as amizades falsas, que o pouco de vida social que tinha era só com o pessoal do trabalho… e que ele não aguentou a pressão da carência. Mas mesmo assim… saber que ele ficou com alguém, mesmo que só pra suprir isso, me atingiu demais.

No outro lado da linha, Gil ficou em silêncio por um instante, absorvendo minhas palavras.

— Renato… — ele finalmente falou, com a voz firme, mas compreensiva — olha, você sabe que eu nunca fui de passar pano pro Anderson. Quem me conhece sabe: eu raramente falo algo que possa soar como defesa pra ele. Mas dessa vez… eu consigo entender o lado dele, afinal temos que admitir que ele tentou voltar pra você.

Suspirei fundo, ainda ofegante pela emoção.

Gil prosseguiu:

— Mas eu também entendo a sua insegurança por ele ter ficado com mulher. Porque, lembra? Eu também vivo isso com o Jefferson. Ele veio da heterossexualidade, já foi casado com mulher antes de eu entrar na vida dele, e no começo eu morria de medo que um dia ele sentisse falta, que quisesse voltar pra esse "outro lado". É uma sombra que fica, a gente sabe… mas depois do término do Dinei com o Breno, eu e Jefferson conversamos muito sobre isso. Ele foi direto: Ele deixou claro que, embora não tenha mais trepado com mulher, ainda curte. Mas reforçou que hoje quem dá conta de tudo sou eu, que eu satisfaço ele de verdade. E se um dia isso mudar, vai ter coragem de chegar em mim e falar sem frescura.

Fiquei em silêncio, digerindo as palavras dele, e ao mesmo tempo buscando forças nelas.

— E aí? — perguntei, meio cético, mas curioso.

Gil não enrolou, foi direto e sincero:

— Aí que não tem muito o que fazer… continuo com minhas inseguranças, meus ciúmes, mas prefiro viver um dia de cada vez. Jefferson é muito pé no chão, confio nele.

Ele fez uma pausa e soltou:

— Agora me responde, Renato… por que caralhos a gente foi se envolver com macho hétero?

Eu não consegui segurar e caí na risada, meio sem jeito.

— Porque são os melhores, admite! — falei, tentando sentir algum alívio no meio do meu caos.

— E como são! — Gil riu também, e por alguns segundos, senti o peso da tristeza afrouxar.

Gil respirou fundo e mudou levemente o tom e o assunto:

— Agora… falando em Dinei e Breno, você acredita que o Dinei tá cada dia mais soltinho? Parece que o término não o abalou em nada. Muito pelo contrário: já tá até gravando vídeos novos com direito a collab como se tivesse renovado a vida. Se tem arrependimento ali, Renato… eu não tô vendo.

— Coitado do Breno! Ele realmente não merecia isso. Se eu, estando separado só de ver uma foto do Anderson beijando uma mulher, já fiquei desestabilizado, imagina a barra que o Breno tá passando. — Acrescentei.

Gil balançou a cabeça e respondeu:
— Ele tá mal. Eu até aconselhei a não assistir nada do Dinei, porque só vai machucar mais. A gente tem que puxar o Breno pro nosso lado. Claro, não vou dizer que devemos cortar o Dinei; ele errou, mas também é nosso amigo. Só que o Breno se mostrou alguém de valor, se tornou parte de nós. Eu me recuso a abrir mão dessa amizade por conta do Dinei.

— Também não — concordei. — A gente vai ter que aprender a administrar o tempo entre eles.

Gil finalizou:

— Mas confesso que, nesse momento, eu quero dar um tempo do Dinei. Ele não foi legal comigo.

A conversa seguiu, e mesmo com o coração apertado, eu me permiti respirar um pouco mais leve, percebendo que nem tudo estava perdido — pelo menos, que ainda havia alguém que conseguia me ouvir e entender o que eu estava sentindo.

— Gil, obrigado por me ouvir! — falei, sentindo um misto de gratidão e alívio. — Vai lá, talvez o Jefferson esteja precisando de ti.

— Que nada! Ele vai precisar de mim mais tarde! A Loka! — brincou ele, rindo de forma contagiante. Em seguida, completou, com a voz mais séria: — Pode me ligar a qualquer hora, Renato. Estarei aqui por você.

A segurança e a amizade dele me deram conforto naquele momento. Apesar de toda a dor e frustração, perceber que havia alguém disposto a me ouvir sem julgamentos me fez respirar mais leve.

Depois da conversa com Gil, me senti mais leve. Era como se tivesse tirado um peso enorme das costas. Aproveitei para curtir um pouco a companhia do meu irmão e da Letícia. Ficamos na sala, conversando, rindo de coisas banais, até o anoitecer. Quando eles partiram, minha mãe apareceu na porta da sala e perguntou se eu queria jantar.

— Não, mãe. Tô sem fome. Se der fome mais tarde, faço um lanche.

Dei boa noite a ela e ao meu pai e subi para o quarto. Foi difícil adormecer. Por mais que eu tentasse distrair a mente, Anderson sempre voltava, como uma sombra insistente. Mas quando o sono finalmente veio, apaguei.

Na manhã seguinte, segui meu ritual: acordei, tomei banho, me arrumei, desci para o café com meus pais e depois segui para o trabalho de carona com meu pai. O silêncio no carro durou alguns minutos, até que ele resolveu quebrar:

— Olha, Renato… você sabe que eu nunca fui de me meter na sua vida. Mas ontem eu percebi o quanto você ficou mal. Fiquei quieto porque te conheço, sei que você não gosta de falar logo de cara. Só que, filho… eu preciso te dizer uma coisa. Vocês dois precisam decidir o que querem pra vocês. Do jeito que está, só estão se ferindo, sem perceber. E eu tenho medo… medo de que isso acabe afastando vocês a ponto de não se suportarem mais. — Ele fez uma pausa, respirou fundo e me encarou com ternura. — Às vezes, meu filho, é melhor ter a coragem de colocar um ponto final e guardar as lembranças boas, do que insistir até ver tudo desmoronar.

Fiquei pensativo, tentando aliviar o peso com uma brincadeira:

— Mas já tá desmoronando, pai.

Ele apenas balançou a cabeça, num gesto de quem enxergava além do que eu queria admitir.

— Não, Renato… o que eu vejo é que vocês estão perdidos. Querem ficar juntos, mas não conseguem se encontrar.

As palavras dele ficaram ecoando em mim até chegarmos à contabilidade. Antes de descer, o abracei forte, agradeci e desejei um bom trabalho.

Mal entrei, encontrei Luana já vindo ao meu encontro.

— Pedro chegou com o monitor novo e tá colocando no lugar. — Apontou discretamente para o canto da recepção, onde vi uma porta embalada em plástico. — E junto veio a porta. Vai ser instalada na hora do almoço.

— Algo mais que eu preciso saber? — perguntei, arqueando a sobrancelha.

— Sim! Minha folga é sábado.

— Eu sei, linda. — Sorri de leve.

Caminhei até a sala de Pedro. Ele estava lá, mexendo no computador, todo orgulhoso do monitor novo. Assim que me viu, abriu um sorriso:

— Renato! Bom te ver por aqui. Olha isso! — girou a tela para mim. — Manuel cumpriu com a palavra.

— Tô vendo… — respondi, rindo de volta.

— Ah! E ele também mandou o dinheiro da porta — completou, como se fosse detalhe importante.

— Isso explica aquela porta embalada na recepção — sorri, balançando a cabeça. — As pessoas mudam…

— Eu tô acreditando muito nessa mudança — disse Pedro, confiante.

— Tomara! — respondi, mas por dentro não conseguia me enganar. Para mim, mudança verdadeira era algo mais profundo, de dentro pra fora. Ser mais responsável, arcando com seus erros, era bom, mas não significava que tudo tinha mudado.

Pedro continuou:

— Renato, aquela conversa que você teve com Manuel aquele dia fez um bem enorme para ele. Falo isso porque, depois daquele dia, ele se aproximou mais. A gente se fala todos os dias, e ele anda mais interessado em saber sobre contabilidade. Isso, para o meu filho, já é um grande começo.

Eu não tinha muito o que dizer, apenas completei:

— Fico feliz por você, em te ver assim.

O dia seguiu naturalmente enquanto eu trabalhava, mas, faltando pouco para eu sair, recebi uma mensagem de Anderson:

— Estou muito mal por tudo, principalmente depois da nossa conversa. Não suporto a ideia de estar te perdendo aos poucos. Você tem o poder de me fazer sentir um turbilhão de sentimentos.

Respondi:

— Anderson, eu também estou mal. Te ver ali com aquela mulher, por mais que ela não significasse nada para você, me despertou coisas que não sei explicar. Fiquei impotente. Segue a tua vida, não fica remoendo as coisas, porque vou tentar fazer o mesmo daqui.

Ele tentou me ligar. Não atendi. Tentou mais uma vez. Então mandei uma mensagem dizendo que estava no trabalho.

Logo depois, outra mensagem:

— Mas, Renato, você acha que eu estou bem, sabendo que a fila andou aí para você? Que ficou com outro?

Decidi não responder. Não que ele não merecesse — merecia. Mas não havia muito o que dizer; seria como jogar mais lenha na fogueira.

Olhei a hora, finalizei as últimas tarefas e passei na sala de Pedro para perguntar se ele precisava de alguma coisa antes de ir para a faculdade.

É impressionante como certas coisas mexem com a gente. Na faculdade, meu jeito mais introspectivo não passou despercebido. Eu estava mais quieto do que o normal, tanto que Drielle e Erick acabaram me abordando na saída, perguntando se estava tudo bem. Expliquei por cima, sem entrar em detalhes, e eles respeitaram meu espaço, sem forçar nada.

Com o passar das semanas, fui me reerguendo aos poucos. Até recebi um presente inesperado de Erick: uma barra de chocolate com um bilhete escrito à mão — “Não deixe a vida te amargar. De amargo só chocolate.” Aquilo me arrancou um sorriso sincero.

Numa sexta-feira, a caminho da faculdade, meu celular tocou. Era Ricardo, animado, como sempre.

— Mano, tive uma ideia! — ele disse, sem rodeios. — Que tal a gente organizar uma bagunça? Uma social, juntar a galera toda.

Ri só de ouvir a empolgação dele. Já fazia tempo que não rolava nada do tipo, e seria ótimo ver os meus amigos se misturando com os dele.

— Curti! — respondi. — Mas só se for lá em casa.

Ele deu uma pausa, pensando e deduziu que talvez enfrentaríamos uma resistência da nossa mãe.

— Relaxa, deixa comigo — garanti. — Só escolhe um dia que eu já começo a avisar o meu pessoal.

Só a ideia daquela social me deu um ânimo novo. Cheguei na faculdade animado, contei a novidade e já fui convidando Driele e Erick, explicando que a data ainda seria confirmada.

No meio da conversa de corredor, Erick solta do nada:

— Eu gosto de te ver assim. Ainda não conheço esse teu primo… mas pelo pouco que já sei, você gosta muito dele. E, olha, quem tá perdendo um bom partido é ele.

Fiquei sem entender.

— Do nada, Erick? Tá maluco? — Falei rindo, para amenizar o clima que ficou.

Ele deu de ombros e falou:

— Porque você passou a semana no piloto automático. Estava disperso, frio… só falava o básico. Deu pra perceber que aquilo te abalou.

Suspirei, sem como negar.

— É… mexeu mesmo. Desculpa se fiquei distante.

Ele abriu um sorriso de canto.

— Tá perdoado. Mas com uma condição.

Arqueei a sobrancelha, desconfiado.

— Ai, tenho até medo de ouvir.

— Relaxa, não é nada demais — ele fez um suspense, antes de soltar: — Só se você for comer algo comigo depois daqui.

Dei risada, aliviado:

— Ah, tá. Isso nem é sacrifício.

Drielle, que ouvia tudo, se intrometeu com aquele jeito dela:

— Esse convite vale pra mim também, né? Ou é encontro a dois?

Erick corou de leve, mas disfarçou com um sorriso:

— Você não precisa nem pedir, Dri. Já é de casa.

Quando chegou a hora de ir embora, ficamos ali fora, conversando. Foi quando notei Cauã fazendo um sinal discreto para Drielle. Ela pediu pra gente esperar e foi até o estacionamento.

Erick estranhou:

— Pra onde essa menina vai?

A resposta veio rápido: vimos Drielle entrar no carro de Cauã.

— Namorar — soltei, rindo. — Pelo menos parece.

Mas Erick não riu.

— Renato, você que é mais próximo dela… podia dar um toque. Cauã é gato, sim, mas nós dois sabemos que ela não entrou naquele carro só pra dar um beijinho. No mínimo vai rolar um boquete. E você sabe como o povo é… além de notar, fala. Ela pode acabar levando fama de mina fácil.

Engoli seco. Ele tinha razão. Drielle nem parecia preocupada com quem observava.

— Pode deixar, eu falo com ela. — desviei o assunto. — Mas o que a gente vai comer hoje?

Erick coçou o queixo, pensativo.

— Tava pensando numa churrascaria. Tô na larica.

Arregalei os olhos.

— A essas horas?

— Ué, é sexta-feira, gatinho! Final de semana. Conheço uma ótima.

— Então bora.

Antes que Drielle voltasse, Erick me perguntou num tom hesitante:

— Renato, não me leve a mal, mas… não tô afim de levar a Driele com a gente. Se eu deixar ela em casa e depois a gente for ao restaurante, não comente com ela que fomos lá, tá?

Estranhei, mas respondi com tranquilidade:

— Tranquilo. Só não entendi o motivo de querer excluí-la de última hora… é por causa dela ter entrado no carro do Cauã?

Ele riu, balançando a cabeça antes de responder:

— Claro que não... quer dizer, até um pouco. Mas eu quero conversar com você sobre a nossa realidade gay — e nisso ela não entende. Não se sentiria à vontade com ela ali.

Enquanto esperávamos, continuamos batendo papo. Minutos depois, Driele voltou do carro com um sorriso que já dizia tudo. Cauã até buzinou duas vezes quando passou por nós.

— Podemos ir? — perguntei, tentando segurar o riso.

— Sim! — ela respondeu, leve, como se tivesse vivido algo bom.

Antes de seguirmos em direção ao carro, Erick se virou para ela e avisou:

— Mudança de planos, mulher! A gente já tá indo embora. Mas, se você quiser ficar, tudo bem.

Claro que ela não ia ficar sozinha ali. Sem pensar duas vezes, aceitou a carona.

Erick, sempre direto, estendeu uma bala:

— Toma, Dri. Pra disfarçar o bafo de pau do Cauã.

Rimos juntos — inclusive ela, que apenas sorriu, sem confirmar nem negar.

Então fomos levá-la para casa. E nem foi preciso eu dizer nada pra Drielle, pois Erick mesmo fez questão de dizer a ela. Ele realmente ficou incomodado.

— Dri, só um toque. Por mais que Cauã seja gostoso, toma cuidado pra não ser mal falada, pra não se arriscar por nada. Afinal, vocês não têm nada certo. Já pensou se você tá sendo só um quebra-galho pra ele? Aí ele te dá um pé na bunda e você fica mal falada.

Ela parecia ter levado um choque de realidade e ele continuou:

— Eu não tô dizendo pra você parar de ficar com ele. Mas acho que há lugares melhores pra isso. Vai pro motel, pro mato que seja, mas seja inteligente.

— Engraçado... — falei sem pensar — semanas atrás você não quis aceitar a carona dele porque ficou com medo do que o povo ia achar, e agora parece que isso nem importa mais.

— Ai, gente! Eu nem penso quando ele me chama! Fico nervosa... mas valeu pelo conselho. — Ela disse.

Drielle estava claramente sem graça com o que Erick tinha dito a ela, porque, durante todo o percurso, ficou em silêncio, apenas dando as coordenadas para chegarmos à sua casa. Quando chegamos, ela agradeceu e saiu. Erick esperou ela entrar, buzinou e partiu.

Comentei que ela devia ter ficado sem graça por ele ter sido tão direto, mas ele respondeu:

— Eu não aguento, Renato. Não consigo ficar quieto. A Drielle é tua amiga, eu gosto dela, mas ela tá sendo burra. O Cauã não fica só com ela. Ela é só uma diversão pra ele. Só não fui mais claro porque não queria que ela saísse magoada.

Erick soltou um sorriso de canto e disse sem rodeios que a nossa primeira parada não seria no restaurante, mas sim em um motel. Só depois, segundo ele, a gente pensaria em jantar.

Me assustei quando ouvi a palavra “motel”, mas, quando percebi que era uma brincadeira, respirei aliviado.

Fomos então a tal churrascaria que ainda estava cheia, o cheiro da carne se misturava ao barulho das mesas lotadas e à música ao vivo que animava o salão. Sentamos e ficamos observando o movimento enquanto decidíamos o que pedir.

Pedido feito e no meio da conversa, Erick se inclinou um pouco na mesa, como se fosse confidenciar algo:

— Sabe, Renato… no começo, quando a gente se conheceu, eu até fiquei afim de você. Achei você bem gostosinho mesmo. Mas logo percebi que não ia rolar nada entre a gente.

Senti meu rosto esquentar na hora. Quase engasguei com a bebida e soltei, sem jeito:

— Que bom que você mudou de ideia, porque eu nunca te vi com outros olhos. Nunca te olhei com desejo.

Ele arregalou os olhos, surpreso:

— Sou tão ruim assim?

— Não foi isso que eu disse! — respondi de imediato, tentando aliviar a tensão.

Erick respirou fundo, deu um leve sorriso e começou a desabafar:

— Eu já estou acostumado a levar fora… não precisa se justificar. Eu acabo confundindo as coisas, fantasiando algo na minha cabeça. Desculpa por ter confundido tudo. Sabe, é muito difícil encontrar alguém do meio… o povo gay é muito seletivo e totalmente descartável, só quer sexo, e fidelidade é algo raro.

Concordei, mas dei meu ponto de vista:

— Realmente é complicado, mas depende muito das pessoas. Por exemplo, conheço um casal que terminou recentemente. Um ficou magoado, o outro seguiu em frente rapidinho… no fim, só mostrou como certas relações podem ser frágeis.

Ele assentiu, pensativo, e completou:
— Eu sei que tem gente bacana, que não dá pra generalizar. Mas parece que os românticos, os que acreditam no amor como eu, já estão todos comprometidos… e sobra pra mim só os da putaria.

— Será? — provoquei. — Lamento te informar, mas esses que você procura estão em extinção.

Ele então foi ainda mais sincero:
— Sabe, Renato, eu sou vaidoso, me cuido, me considero bonito. Moro sozinho, tenho uma vida estabilizada… só falta alguém bacana. Sexualmente sou versátil. Mas quando acho que encontrei, é de duas uma: ou o cara some do nada, ou fica comigo por interesse financeiro. O último ainda queria que eu bancasse até as drogas dele. Sim, eu confesso que me envolvi com um drogado.

— Acho que você tem que parar de tentar caber na vida dos outros. É clichê o que vou falar, mas uma hora aparece alguém bacana. Você só não pode se fechar por causa de gente idiota e escrota. Mas me diz… qual é o tipo de homem que você curte? — perguntei.

Ele riu.
— Não ligo muito pra estética. Não adianta ser lindo e ser fútil. Lógico que também não vou sair com alguém horroroso, né? Mas quero alguém assumido, trabalhador, bem resolvido. Eu não peço muito.

— Só um pouquinho… — retruquei, sorrindo. — Porque alguém bem resolvido nesse meio pode ser de um em um milhão. Mas devo admitir que a gente tem um ponto bem diferente nisso. Eu, na maioria das vezes, me envolvo com caras que não se dizem gays. Já você busca alguém do meio.

Ele ri e automaticamente dispara:

— Sem querer te julgar, mas já julgando... é por isso que você tá nessa fossa.

— Engraçadinho! — falei, rindo de volta.

Enquanto comíamos, Erick me lançou uma pergunta direta:
— Depois que você e seu primo romperam, você não ficou com mais ninguém?

Terminei de mastigar, respirei fundo e respondi sem me alongar:
— Fiquei sim.

Ele não perdeu tempo:
— Então por que você ficou chateado ao vê-lo com outra? Tipo a fila pode andar pra você e ele tem que ficar sozinho?

Expliquei com calma:
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Fiquei, sim… mas só pra te situar, foi ele quem terminou comigo, dizendo que dali em diante me veria apenas como primo. A partir desse dia eu falei pra ele e pra mim mesmo que eu não o esperaria. Quando vi o status dele beijando aquela mulher, eu senti raiva. Porque, no fundo, eu não queria acreditar que o homem que eu amo estava com outra pessoa. Pode parecer egoísmo, mas eu não consigo me desvincular dele. Já fiquei com outros, mas foi só por ficar. Por ele ainda existe sentimento… eu ainda amo.

Erick me olhou sério, balançou a cabeça e rebateu:
— Mas, Renato, a conta não bate. Não faz sentido. Tudo bem que você gosta dele, mas se abalar desse jeito porque ele ficou com alguém me soa incoerente, sendo que você também ficou com outros. Este papel não lhe cabe.

Suspirei e tentei esclarecer:

— Ele chegou a querer voltar, mas eu decidi focar em mim e na faculdade.

Erick não deixou passar:

— E mesmo assim você não se desligou dele. Acho que você precisa rever alguns pontos… principalmente essas coisas mal resolvidas com esse cara.

— Amigo, vamos mudar de assunto. Você não vai me entender — pedi, já um pouco cansado da conversa.

— Vamos sim, mas deixa eu acrescentar só uma coisa… — disse Erick, com aquele tom firme. — Vendo por outra ótica, esse cara gosta de você. Se ele tentou voltar e você não quis, e só apareceu com alguém agora, isso é sinônimo de que ele aguentou até onde pôde. Porque você sabe que ele poderia ter ficado com outro logo depois do término.

Aquela última fala dele me incomodou. Doeu ouvir, mesmo que fizesse algum sentido. A partir dali, desviamos o papo para a galera da faculdade. Sem mais clima para confissões, terminamos a refeição, pedimos a conta e partimos.

No carro, o silêncio tomou conta até que ele quebrou com um pedido:
— Desculpa se falei algo que você não gostou. Às vezes eu sou sem filtro… e sei que tem gente que não vai muito com a minha cara por causa disso.

Olhei pra ele e forcei um sorriso:
— Relaxa, tô de boa.

Ele me deixou em casa. Entrei, subi direto para o quarto e me joguei na cama, com a mente ainda cheia das palavras dele.

O sábado chegou e eu já estava cheio de planos em mente: conversar com meus pais sobre a social e ligar para Anderson, mas primeiro tinha mais um dia de trabalho pela frente.

Durante o café da manhã, aproveitei para lançar a ideia:
— Ricardo sugeriu da gente fazer uma social! Já faz tempo que não reunimos uma galera boa aqui em casa.

Minha mãe logo olhou para o meu pai e perguntou desconfiada:
— Aqui?

— Sim, por que não? — respondi, animado. — Vocês podem chamar os tios, eu chamo meus amigos e o Ricardo os dele.

Meu pai ajeitou os óculos e ponderou:
— Por mim, tudo bem. Mas precisamos ver a quantidade de pessoas que você e seu irmão querem chamar. Dependendo, a gente podia até alugar o sítio.

Sorri e retruquei:
— Ah, pai… eu amo o sítio, uma piscininha não faz mal a ninguém, mas acho um exagero alugar sendo que temos a área de churrasco, a varanda e o nosso quintal, que já dão conta do recado.

Minha mãe concordou de imediato:
— Não há necessidade disso.

Meu pai assentiu, aceitando o argumento, e depois perguntou:
— Renato, quantas pessoas vocês pretendem chamar, afinal?

— Não sei ao certo… acho que umas vinte no total.

— Vê isso com seu irmão e me fala depois. A gente pode até organizar direitinho — concluiu ele, encerrando o assunto por ora.

O dia de trabalho correu tranquilo, até que perto do fim do expediente Pedro chamou todos para a recepção. Com a voz firme, anunciou que na próxima semana Manuel estaria presente na empresa, substituindo-o na quinta, sexta e sábado. Explicou que, a partir de agora, Manuel tiraria três dias por mês para trabalhar com a gente na contabilidade.

Fiquei surpreso. Normalmente Pedro me chamava na sala dele para falar dessas coisas antes de anunciar à equipe.

Quando a reunião acabou, ele pediu que eu e Luana fôssemos até sua sala. Ela me olhou assustada, mas seguimos juntos.

Assim que nos sentamos, Pedro foi direto:
— Alguém de vocês quer falar alguma coisa?

Diante do nosso silêncio, ele insistiu:
— Renato?

Balancei a cabeça, negando.

— Luana?

Ela também negou.

Ele então respirou fundo e completou:
— Vocês são de minha confiança aqui. Quando meu filho estiver presente, eu não estarei. Portanto, quero que vocês sejam meus olhos na minha ausência.

Ele continuou com a voz firme:
— Nada vai mudar. Renato, você vai continuar saindo no horário de sempre para ir pra faculdade. E a Luana vai ajudar o Manuel a fechar.

Por dentro, aquilo já me deixava inquieto. Não me trazia paz, mas eu também não tinha muita opção a não ser concordar com o que me era proposto.

Ainda assim, minha mente fervia. Eu tinha tantas perguntas para fazer a Pedro… queria entender por que não me chamou antes para conversar, como sempre fazia. Queria saber qual seria, de fato, o papel de Manuel ali e até onde isso iria. Mas como questionar algo que Pedro já havia decidido? E, pior, algo que envolvia o próprio filho dele?

Engoli as dúvidas, tentando disfarçar, mas elas ficaram latejando dentro de mim, pedindo respostas que eu não podia buscar naquele momento.

No caminho de casa pedi um carro de aplicativo e, enquanto ele não chegava, resolvi ligar para Ricardo. Ele atendeu rapidamente:
— Fala!

— Tranquilo! Tô ligando pra te falar que já tá tudo quase que encaminhado… — comecei, mas ele logo me interrompeu:
— Renato, tô aqui na casa dos nossos pais, te esperando pra gente bater o papo sobre a social.

— Beleza, tô só esperando o carro chegar. Aproveita e pede pra mãe preparar aquele sanduíche que só ela sabe fazer.

Ele riu:
— Sanduíche? Vai perder o nhoque? Tá uma delícia…

Minha boca chegou a salivar, mas nesse instante o carro encostou.
— Ih, o carro chegou. Ah… deixa nhoque pra mim, hein! — falei, já entrando.

Quando cheguei, nem me dei ao trabalho de tomar banho ou trocar de roupa. Fui direto na cozinha, preparei o meu prato e fui para a varanda, onde todos estavam reunidos, conversando em volta da mesa. Cumprimentei-os, e me sentei. A verdade é que eles praticamente já tinham organizado tudo sobre o churrasco; só queriam confirmar quantas pessoas eu chamaria.

— Por enquanto tenho sete em mente… mas arredonda pra dez, vai que eu esqueço alguém — respondi.

— Tudo isso?! — provocou Ricardo.

— É muito? — perguntei, meio sem graça.
Ele riu e explicou:
— Brincadeira, pô. Eu só chamei o chefe, o Max, o Thiagão e o Naldo. Tava até pensando em chamar o Manuel… mas, em respeito a você, achei melhor não.

Respirei fundo e respondi sem hesitar:
— Pode chamar, Ricardo. Eu já resolvi minhas pendências com ele.

Meu irmão me olhou de lado, como se quisesse confirmar se eu estava falando sério, mas não insistiu. Apenas seguiu explicando sobre a festa:

— Nossos pais ficaram de convidar uns vizinhos, os tios, a Amanda e o namorado dela. O churrasco vai ser no próximo sábado, daqui a uma semana, começando por volta das 17h. Eu pensei em falar com o Jefferson, pra ele fazer um preço camarada nas bebidas. Já a parte do churrasco, cada convidado vai mandar o pix, e a gente compra tudo de uma vez. O único gasto extra que vamos ter é com a comida e o aluguel de mesas e cadeiras.

Para quem, no fundo, só queria uma social simples, parecia que a gente estava armando um evento. E, modéstia à parte, a gente sabia fazer uma. Nossa família adora festa e é super receptiva.

Olhei pro meu irmão e disse que já ia fazer um convite e mandar os convites pros meus amigos, avisando o dia, a hora e o valor que cada um teria que dar pra participar. Me prontifiquei a conversar com o Jefferson sobre fazer um preço bacana, já que eu era mais próximo dele que o meu pai.

Mandei a mesma mensagem pra todos meus amigos e isso incluía: Gil, Jefferson, Breno, Dinei, Felipe, Drielle e Erick.

“Minha família vai fazer um churrasco no próximo sábado, às 17h. Você está convidado! As bebidas são por conta de cada um, e para o churrasco estamos pedindo uma contribuição de R$ 30 por pessoa.”

Quase todos aceitaram na hora. Só o Breno que não deu muita certeza. Mesmo eu argumentando que teria um monte de gente nova pra ele interagir, ele enrolou.

— Ah, não sei… é por causa do Dinei — ele confessou por áudio, a voz carregada de um ressentimento que o tempo ainda não tinha levado. Insisti, tentando fazer ele ver que não seria um problema, mas a resposta foi seca e definitiva:

— Não quero ter a infelicidade de ver a fuça daquele viado.

Confesso que me deu uma ponta de vontade de convidar o Daniel. Mas a presença dele ali, entre a gente, poderia soar como uma afronta direta à minha prima. Além do mais, eu não estava nem um pouco disposto a dar satisfação ou arrumar confusão com ninguém. Fiquei remoendo essa ideia sem nem ao menos saber se ele aceitaria o convite. No fim, a prudência falou mais alto, e nem cheguei a convidá-lo.

A semana foi passando num ritmo ansioso, cada dia me aproximando mais do sábado. A expectativa era tanta que eu mal percebi os dias voarem. E não era só eu: meus amigos também estavam empolgados. O Erick, especialmente, era uma pilha de nervos, mas daquelas boas — ele não via a hora de conhecer o resto da minha turma.

Na quinta-feira, assim que eu e a Luana abrimos a contabilidade e sentamos pra trabalhar, ela me lança a bomba:

— É hoje que o Manuel vem, né?

Eu tinha me esquecido completamente desse detalhe. O ar some dos meus pulmões por um segundo. Virei pra ela com um olhar de "estamos lascados".

— Pois é... — suspirei. — Boa sorte pra gente.

Não demorou nem meia hora para a profecia se cumprir. Ele apareceu na porta todo simpático, deu bom dia para o escritório inteiro, serviu-se de um café com a maior tranquilidade e veio direto na nossa direção.

Perguntou como estávamos e, após nossa resposta positiva e um tanto mecânica, ele segurou o olhar por um segundo a mais do que o confortável.

— Sei que deve parecer meio estranho me ver por aqui de novo — disse, dando um gole lento no café. — Mas quero que saibam que estou aqui para somar. Só isso.

Antes que eu pudesse processar completamente o que aquilo significava, ele acabou o café de um só gole e se dirigiu com passos firmes para o centro da sala, chamando a atenção de todos.

— Pessoal, um minuto de atenção, por favor!

Eu e Luana trocamos um olhar rápido, uma mistura de pânico e incredulidade. O que ele estava prestes a fazer?

Lá, diante de todos, ele começou a explicar. Repetiu o que Pedro já havia dito para nós: que viria trabalhar um final de semana por mês. A equipe ouvia em silêncio. Mas então, ele fez uma pausa dramática, olhando para cada rosto, como se medisse o impacto de suas próximas palavras.

— E quero deixar claro — continuou, a voz ganhando um tom solene — que estou aqui para ajudar de verdade. E... se tudo der certo, se a gente fizer um bom trabalho juntos... isso pode abrir as portas para que eu volte a trabalhar aqui definitivamente.

O ar saiu dos meus pulmões como se eu levasse um soco no estômago. Voltar definitivamente? A frase ecoou na minha mente, distorcendo tudo ao redor. O sangue pareceu correr mais frio nas minhas veias. Como assim, definitivamente? Por que o Pedro não me contou isso? Isso mudava tudo!
Meus olhos se arregalaram, e eu não consegui disfarçar o espanto. Minha mandíbula ficou levemente aberta, e senti um calor subir pelo meu pescoço. Era uma traição? Uma manobra pelas minhas costas?

Instintivamente, meus olhos se viraram para a Luana. Ela parecia ter sido congelada no tempo, com uma expressão que tentava ser neutra, mas seus olhos estavam gritando. Ela piscou rapidamente, uma confirmação silenciosa de que eu não estava louco, de que ela também ouvira aquilo e estava em pânico.

O som da voz do Manuel se tornou um zumbido distante, um murmúrio embaçado contra o redemoinho dos meus pensamentos.

Até que, no meio do turbilhão, uma pergunta cortou o ruído da minha mente, direcionada a mim:

—Posso contar com você,Renato?

Eu pisquei, desorientado, arrancado bruscamente do meu devaneio de pânico.

— Oi? Claro! — a resposta saiu automática, robótica, daquelas que você dá quando não processa nem a pergunta.

Logo após eu responder com aquele "Claro!" rouco e forçado, o olhar penetrante de Manuel se moveu para Luana. A pergunta, agora, soou menos como um convite e mais como uma armadilha.

— E com você, posso contar, Luana?

Ela não disse uma palavra. Apenas balançou a cabeça positivamente, num movimento quase imperceptível, os lábios cerrados e o olhar fixo em uma mancha na mesa, como se evitar seu rosto a salvasse de qualquer maldição. Aquele aceno silencioso falou mais alto que qualquer grito; era a rendição total.

— Então tá combinado, gente! — anunciou Manuel, esfregando as mãos com um falso entusiasmo que ecoou vazio na sala silenciosa. — Pelo menos um final de semana por mês, vocês vão ter a melhor equipe que essa contabilidade já teve. — Ele enfatizou a palavra "melhor" como um lembrete de que ele ainda se considerava acima de todos nós.

Ele fez uma pausa calculada, deixando o peso daquela afirmação pairar no ar. Então, sua expressão mudou, tornando-se grave, teatral.

— E sei que, tempos atrás, eu gritei e fiz feio... — Ele baixou a voz, num tom que pretendia ser confidencial, mas que todos ouviram perfeitamente. — E peço, de coração, para vocês esquecerem isso. Foi uma fase ruim, que deve ficar enterrada no passado.

Seus olhos então voltaram para mim, e um sorriso estreito apareceu em seu rosto.

— Minha relação com o Renato, hoje, é completamente profissional. — Cada sílaba soou como uma ameaça velada. — E não quero que vocês fiquem sussurrando nos corredores sobre isso, criando caso onde não existe. Estão me entendendo?

O silêncio que se seguiu foi absoluto, pesado como um bloco de concreto.

— Alguma dúvida? — Ele finalizou, desafiando alguém a quebrar aquela hierarquia não dita que ele acabara de impor.

Ninguém disse uma palavra sequer.

— Ótimo! — ele estalou os dedos, o som ecoando como um tiro. — Então vamos finalmente fazer aquilo que viemos fazer aqui! Bom trabalho a todos. — Sua voz recuperou uma falsa leveza. — E daqui a pouco, eu vou passar na mesa de cada um para alinhar os resultados que espero de cada um. Obrigado.

A reação não foi imediata. As pessoas pareciam paralisadas, processando a intimidação disfarçada de discurso motivacional. Aos poucos, como sonâmbulos, começaram a se levantar e a se dispersar em silêncio, evitando o contato visual uns com os outros e, principalmente, comigo.

Eu não esperei. Virei-me e dirigi-me à minha sala com passos rápidos sob o olhar que eu sabia que ainda estava sobre mim. Ao entrar na minha sala, eu encostei as costas na cadeira, e soltei um suspiro profundo e trêmulo.

O que diabos tinha acabado de acontecer? Ele não veio para somar. Ele veio para tomar o que é dele aos poucos. E o pior de tudo: Pedro sabia de tudo isso.

Eu sabia que seria um dos primeiros da sua lista de visita. Era uma certeza amarga e pesada no fundo do meu estômago. Para me preparar, organizei mentalmente minhas defesas e preparei fisicamente alguns relatórios-chave, espalhando-os pela mesa como um escudo de papel contra o que estava por vir. Cada gráfico de lucro, cada planilha de crescimento, era uma prova do meu trabalho, da minha sobrevivência ali sem ele.

Mas o tempo foi passando. A ansiedade, em vez de diminuir, foi se tornando uma corda cada vez maor. Ele deliberadamente me deixou para o final, me deixando nervoso na expectativa.

Só na por volta das onze horas, é que a porta se abriu. Ele entrou, e seu olhar varreu a sala até me encontrar. Com um gesto casual e autoritário, pediu a mulher que trabalhava na mesa ao lado dar uma volta. Sem cerimônia, puxou a cadeira da jovem — e arrastou-a para se sentar ao meu lado, invadindo meu espaço com uma familiaridade que era pura demonstração de poder.

— Renato — começou ele, cruzando as pernas com uma calma que me parecia obscena. — Bom, não vou ficar aqui te dizendo o que eu espero de você. Até porque, eu sei que você é bom.

Ele fez uma pausa, deixando o elogio vazio pairar no ar, como uma isca. — Só vou te pedir uma coisa... — ele se inclinou levemente para frente, baixando a voz. —... me surpreenda. Me faça ver que o meu pai realmente tem razão sobre você.

Meu pai. Não "o Pedro". Era uma lembrança sutil, mas cortante, de que o sangue dele era o dono de tudo aquilo. Enquanto ele falava, meus pensamentos disparavam: Era melhor eu jogar no time dele do que afrontá-lo. É pura sobrevivência. Ele não quer meritocracia, ele quer submissão. A estratégia se formou num instante: inflar o ego daquele monstro até ele explodir de vaidade. E nada alimentava mais o ego dele do que números, resultados, a prova concreta de sucesso — especialmente se ele pudesse creditá-lo a si mesmo.

— Manuel — eu disse, forçando um tom de respeito genuíno que doía para sair. — Você sabe que tudo o que eu sei de importante nessa área, eu aprendi com você. E a prova está justamente aqui.

Foi quando mexi meus braços, tomando a liberdade de pegar a pilha de relatórios que havia separado. Empurrei-os para o espaço entre nós na mesa, um movimento calculado para direcionar seu olhar para as conquistas, não para as minhas mentiras.

— Foi por causa dessas bases sólidas que consegui não só continuar, mas fazer a empresa crescer. Aprendi com o melhor, e coloquei em prática. — Minha voz ganhou um fio de confiança real ao me agarrar aos fatos concretos. Abri o primeiro dossiê, apontando para a linha de crescimento. — Olha só. Lucro consistentemente no verde nos últimos oito trimestres. Crescimento médio de 15% ao ano, mesmo na recessão. A carteira de clientes, que você conhece tão bem, se expandiu em 30% desde... bem, desde a última vez.

Folheei outra página, mostrando gráficos de produtividade e satisfação do cliente. Cada número era um tijolo no muro que eu tentava construir entre o passado turbulento e o presente estável que conquistamos.

Ele olhava os papéis, e pela primeira vez desde sua chegada, vi um brilho de satisfação real e profunda em seus olhos. Ele não apenas comprou a ideia, como estava comprando os resultados, apropriando-se deles mentalmente como frutos de seu próprio legado. Acreditou, com todas as forças, que era superior até ao próprio pai. A semente da discórdia que eu plantara era doce e venenosa, e ele a engoliu inteira.

— Bom. Muito bom — disse ele, passando o dedo sobre uma projeção de lucro, sua voz perdendo um centímetro da rigidez anterior. — É isso que eu gosto de ver. Dados. Resultados. Acho que a gente vai se dar muito bem durante o tempo que eu estiver por aqui.

Ele parecia satisfeito, mas seu olhar, que percorria os relatórios, já estava em outro lugar, além daquela estabilidade.

— Tá bom. Mas pode ficar ótimo — ele cortou, fechando a pasta com um gesto brusco que sinalizou que a aula de história havia terminado. — Isso tudo é base sólida, Renato. Agora quero que você use isso. Quero que você traga mais clientes pra cá. Muito mais. — Ele bateu o indicador na capa do relatório, enfatizando cada palavra. — Precisamos inflacionar esses números. Dobrar. Triplicar. Essa vai ser a sua prioridade agora. Tá bom para você?

A pergunta não era uma pergunta. Era uma ordem. E eu estava agora, oficialmente, sob seu jugo outra vez, com meus próprios sucessos sendo usados como a régua para medir minha próxima obrigação.

A reação veio mais por instinto de preservação do que por coragem. —Mas... não deveria ser um trabalho de todos daqui? — perguntei, tentando espalhar um pouco daquela pressão colossal que agora sentia sobre o peito. — Uma força-tarefa, talvez? Com a equipe comercial...

A sugestão morreu no ar, cortada por um gesto de sua mão. —Como você vai fazer isso, fica a seu critério! — ele disse, com a voz agora carregada de uma falsa confiança que soava como uma sentença. — Seja criativo. O importante é crescer mais do que o esperado. Muito mais.

Ele se levantou, endireitando a camisa social. Seus olhos brilhavam com a visão que ele mesmo criara.

— Vou falar com o meu pai — anunciou, as palavras ecoando na sala vazia como um trovão distante. — E dizer que você será o encarregado de fazer essa empresa ganhar um UP. Que podemos contar com você para isso.

Ele saiu da sala deixando um silêncio pesado para trás, e eu fiquei ali, paralisado diante da pilha de relatórios que, minutos antes, eram minha prova de competência e agora pareciam apenas a lista de exigências para minha própria demissão.

E não sei por que, mas uma certeza fria e amarga se instalou dentro de mim: algo me dizia que Pedro ia abraçar a ideia do filho. Ele veria naquilo uma reconciliação, uma chance de o filho pródigo se interessar pelo negócio da família.

Uma das piores sensações com o Manuel de volta era a simples e rotineira ação de ir embora. Com o Pedro, era natural: eu só pegava minhas coisas, dava um "até amanhã" pra Luana e tudo certo. Agora, era uma cerimônia de humilhação diária.

Eu tinha que me engolir, passar na sala dele — e me anunciar como um garoto pedindo permissão para sair da aula.

— Manuel, vou indo, então. Tenho faculdade. Ele sempre largava a caneta e me encarava por cima dos óculos,com aquele ar de quem está fazendo um grande favor em prestar atenção. —Já finalizou todas as suas funções? Todas mesmo? —Sim, finalizei — eu respondia, mantendo a voz neutra, embora meu instinto fosse gritar que minhas funções, na verdade, nunca terminavam. —Então pode ir. E amanhã chegue cedo, temos muito pela frente.

Sair dali era como conseguir uma liberdade condicional.

O alívio só vinha de verdade quando eu entrava na faculdade. Naquele dia, o clima era ainda mais elétrico. Drielle e Erick, radiantes com a expectativa do churrasco, estavam tão animados que esqueceram completamente de ser discretos. Riam alto, cochichavam e fazem planos audíveis para o sábado.

Foi o suficiente. Não demorou cinco minutos para o restante do grupo se aproximar, com aquela carência típica de quem se sente excluído. — Opa, que churrasco é esse? Por que não fomos convidados? — perguntou um Cauã, tentando soar descontraído, mas com um leve tom de queixa.

Meu coração deu um pequeno salto. A última coisa que eu queria era mais drama.

— Calma, pessoal, é bem familiar — expliquei, adotando um tom light. — Dessa vez foi meu irmão quem organizou tudo. Mas em breve a gente faz outro maior e chama geral, prometo!

Era uma mentira piedosa, mas eficaz. Jogar a responsabilidade para o meu irmão foi um instinto de sobrevivência social.

A maioria aceitou com um pouco de lamentação, mas a Drielle, com seu jeito impulsivo e um pouco sem noção, viu uma brecha.

— Já que vai ter outro, por que não chama o Cauã agora? Ele ia adorar!

Antes que eu pudesse formular uma resposta educada que escondesse meu pânico, o Erick interveio. Ele me lançou um olhar de "deixa comigo" e cutucou a Drielle com o cotovelo. —Ei, para com isso, garota! Não inventa moda — disse ele, rindo, mas com uma firmeza por trás da brincadeira. — Não insiste. Quando você fazer o seu churrasco você convida ele.

Drielle fez um biquinho, mas cedeu. Erick tinha uma autoridade natural que até ela respeitava. Eu soltei a respiração que não sabia que estava prendendo. Mais uma crise contornada. Mas ficou claro que o sábado, antes mesmo de começar, já era um campo minado social que eu teria que navegar com cuidado.

A noite havia chegado, e a cozinha estava quentinha, banhada por aquela luz amarela que sempre achei acolhedora. Estava lá, com meu pão com queijo na mão, tentando distrair a mente do peso que Manuel tinha deixado em mim naquele dia, quando o celular vibrou.

O coração deu um salto quando vi o nome: Anderson.

Não era mais aquele frio na barriga de antes, era algo mais agudo — uma faca de saudade misturada com a dor de saber que não dava mais. A gente se machucou demais. Deixei tocar. O celular vibrou sobre o mármore, cada vibração ecoando como um pequeno lamento. Três vezes. Depois, silêncio.

Quase consegui respirar aliviado, mas aí veio a mensagem.

“Minha mãe falou do churrasco aí no sábado. Fiquei tão feliz sabendo que nossas famílias estão se aproximando. Queria tanto estar aí com você. Sinto tanto sua falta.”

Li aquilo com os olhos marejando. Nossas famílias realmente estavam se unindo, e parte de mim queria isso mais que tudo — queria ele ali, do meu lado, rindo da minha mãe, conversando com meu irmão, comendo demais, sendo parte de tudo outra vez.

Mas outra parte lembrava da distância que ele mesmo criou. Das palavras ditas que esfriaram, da falta que doía mais que a presença. Eu ainda o amava, sim. Cada palavra dele mexia comigo, trazia de volta um pedaço do que a gente foi. Mas eu já não esperava mais. Já tinha me preparado para seguir sem.

Respondi com o que consegui:

“Sim, nossas famílias estão cada vez mais próximas. Abraços.”

Parecia pouco, mas doía como se estivesse cortando o último fio que ainda nos ligava. Em outro tempo, eu teria contado tudo — o desespero com a volta do Manuel, o medo, a solidão. Teria aberto meu coração sem medo, porque ele era meu porto.

Só que o porto já não estava mais seguro. E eu, cansado de me afogar, preferi nadar sozinho.

Fiquei ali parado, olhando para as migalhas sobre o balcão, na luz morna da cozinha. A saudade batia forte, mas a certeza machucava mais: eu tinha escolhido não sofrer por ele de novo, só que isso não estava funcionando muito.

Sexta-feira. O dia que eu e a minha família tínhamos para resolver tudo do churrasco. Mas antes, o trabalho fazia parte da minha rotina, e aquele foi um dia como qualquer outro — com um detalhe: de hora em hora, eu respondia mensagens dos meus amigos. Eles confirmavam presença, faziam perguntas e me enchiam o celular com comprovantes de pagamento.

No almoço, liguei para o Jefferson, e ele me garantiu que, ainda de noite, levaria as cervejas lá em casa. Um alívio. Tudo parecia estar se encaminhando perfeitamente para que o churrasco desse certo.

Voltei ao trabalho e me concentrei nas minhas tarefas, tentando ignorar as visitas recorrentes de Manuel, que entrava na sala, olhava em volta e saía sem dizer palavra — só para voltar minutos depois.

Quando finalmente deu meu horário de ir embora, respirei fundo e passei na sala dele para avisar que estava indo para a faculdade. Já estava quase saindo quando a voz dele me segurou:

— Você não tem alguma coisa para me falar não?

Me virei devagar e encarei ele, pensando por um instante.

— Acho que não… Por que eu teria?

Ele deu uma risada seca, como se estivesse brincando, mas o olhar não acompanhava.

— O Naldo me contou que vai ter um churrasco na sua casa…

Sorri amarelo, entendendo perfeitamente a intenção por trás daquela “lembrança”.

— Pois é! Ricardo teve essa ideia e a gente topou. Eu chamei meus amigos, e ele chamou os dele.

Manuel franziu a testa na mesma hora.

— Mas eu não fui convidado. Será que ele se esqueceu? Ou será que acha que tô em Joinville?

Mantive a calma e expliquei, sem rodeios:

— Manuel, como eu disse: meus amigos foram convidados. Nós não somos amigos. Mas você é amigo do Ricardo. Se ele não te convidou, não sei o motivo — e completei, firme: — Ele até me perguntou, e eu dei carta branca para te chamar.

Ele insistiu com um sorriso que não chegava aos olhos.

— Tudo bem! Prioridades, né… Vou ver se dou um jeito de ir com o Naldo.

Dei de ombros, discretamente.

— Beleza. Agora, se me dá licença… — e saí, deixando para trás aquele clima carregado.

Unicamente naquela sexta eu não fui na faculdade, não teria sentido eu ir pra lá e deixar minha família cuidado de tudo.

A gente se organizou direitinho na ida ao mercado. Eu, Ricardo, minha mãe e a Leticia. Confesso que achei uma comitiva e tanto só pra compras de churrasco, mas fazer o quê — família unida é assim mesmo.

O plano era infalível: eu e meu irmão ficaríamos na fila interminável do açougue, escolhendo e pesando as carnes, enquanto minha mãe e minha cunhada se encarregavam de tudo o mais — farofa, vinagrete, arroz, pão de alho… o pacote completo. Meu pai tinha ficado em casa, de prontidão, esperando o Jefferson chegar com as cervejas.

Enquanto esperávamos na fila, eu e Ricardo matávamos o tempo conversando besteira, rindo das palhaçadas um do outro, tentando esquecer o cansaço da semana. Foi nesse clima descontraído que o celular dele tocou.

Ele atendeu, e eu já notei na hora a mudança no tom de voz — ficou mais seco, mais direto.
—Fala, Naldo!… Sim… — fez uma pausa, ouvindo, e então soltou um suspiro curto. — Mas é isso mesmo, só eu que não quis chamar ele… Não, não é nada contra, mano, mas não tem por que chamar ele pra esse rolê, pô. Você pode levar quem quiser, tranquilo. Só não leva ele. Aproveita — e completou, pragmático: — Se for levar alguém, já manda o PIX da pessoa, porque a gente tá aqui no mercado, já gastando.

Desligou e meteu o celular no bolso, abanando a cabeça como se já esperasse por aquilo. Olhou pra mim com aquela cara de “adivinha só”.
—O Manuel encheu o saco do Naldo. Ficou se fazendo de coitado, dizendo que não foi convidado. O Naldo, moleque como sempre, caiu no papo e ligou pra saber se podia trazer o “coitado”.

Eu soltei uma risada seca, mais de incredulidade que de graça.
—Cara, esse Manuel não cansa, né? Inventa drama até onde não tem.

Ricardo concordou, revirando os olhos.
—Pois é. Mas já cortei. Naldo que se vire com os outros amigos, mas aquele lá não vem não.

A fila andou, e a gente se concentrou de novo nas carnes, mas o clima leve do começo tinha ficado pra trás. Era um lembrete de que, mesmo no meio da farra e da família, algumas presenças — ou a falta dela — ainda conseguiam criar uma sombra. Mas pelo menos estávamos juntos nessa. E no sábado, pelo menos, a gente decidiria quem entrava ou não na nossa zona de churrasco.

Sábado chegou, e com ele, um desânimo que parecia ter se instalado na minha alma. Acordei sem a menor vontade de enfrentar o trabalho, sabendo que cada hora naquele escritório, sob o olhar do Manuel, seria um suplício. Conhecia ele o suficiente para saber que a negativa do convite não passaria em branco — e eu estava certo.

Mal pus os pés na contabilidade, ele já estava lá, como um urubu à espera. A primeira pergunta veio disfarçada de casual, mas o tom era afiado: —E aí, lembrou seu irmão de me convidar? —Lembrei, sim — respondi, mantendo a neutralidade. — Mas como até agora você não recebeu um convite, acho que realmente não rolará dessa vez.

Ele pareceu digerir a informação com um aceno contido e saiu. Respirei aliviado, achando, por um instante ingênuo, que aquilo tinha sido tudo.

Mais tarde, ele entrou na minha sala com um sorriso sincero demais para ser verdade. —Você não poderia me incluir na sua lista? — insinuou, com uma voz sutil que me fez revirar os olhos por dentro. — Diz pra ele que foi um esquecimento...

— Minha cota já está toda preenchida, Manuel — menti, evitando o olhar dele. — Não tem mais vaga.

Ele me encarou por alguns segundos que pareceram uma eternidade, como se vasculhasse cada mentira que eu tinha dito. Por fim, saiu resmungando que iria “ver com o Naldo de novo”.

Estava finalizando tudo, fechando pastas e desligando o computador, quando ele apareceu de novo, dessa vez com um ar de falsa decepção. — O Naldo falou que seu irmão não quis me chamar mesmo — disse, balançando a cabeça. — Que sacanagem, né?

Sugeri, então, com uma pitada de ironia: —Por que você não liga diretamente para o Ricardo e pergunta?

Ele hesitou, e naquele silêncio, percebi que faltava coragem.

Quando o horário de fechar a contabilidade se aproximou, o clima no escritório ficou tenso, pois já tinha dado o horário de fechar a contabilidade, mas Manuel segurava a gente lá. Dava para sentir a irritação silenciosa dos funcionários, todos de olho no relógio, claramente incomodados com a demora. Manuel, percebendo o desconforto geral, começou a liberar o pessoal aos poucos, como se estivesse fazendo um grande favor. Luana foi a primeira Os outros foram saindo um a um, cada um com um suspiro de alívio quando era liberado.

Mas comigo, era diferente. Manuel estava testando minha paciência, me segurando ali até quando ele achasse conveniente. Ele tratou de inventar tarefas: revisou planilhas já aprovadas, pediu para reimprimir relatórios que nem seriam usados, questionou números que já haviam sido checados duas vezes. O pior é que não havia mais nada de útil para fazer — tudo já estava finalizado há tempos. Mas como dependia do aval dele para fechar a contabilidade oficialmente, fiquei enrolando, olhando para o relógio a cada cinco minutos, minha paciência se esgotando junto com a luz do dia.

Só consegui respirar de verdade quando finalmente ele liberou o fechamento. Não via a hora de cair fora. E só fui ver meu irmão quando saímos pra fora e trancamos o portão da empresa. Foi um alívio imenso encontrar Ricardo esperando no carro, longe daquele ambiente opressivo.

— Olha só — falei, apontando. — Fala com ele agora, Manuel. Está aí.

Manuel travou, mas eu insisti. Ricardo, percebendo a cena, aproximou o carro e cumprimentou: —E aí, Manuel? Tudo bem?

Manuel, sem perder a pose, respondeu o cumprimento e, com uma cara de pau impressionante, já foi entrando no assunto: —Tô sabendo que vai rolar um churrasco daqui a pouco hein…

Ricardo entendeu na hora o jogo. Respirou fundo e foi direto, sem rodeios: —Manuel, leva a mal não, mas não te convidei justamente porque a gente se afastou, mano. Quando você vem em aqui na cidade, nem me procura. Nem uma mensagem, nem um ligação…

Manuel ficou sem graça, encarando o chão. Ele sabia que era verdade. —Tá bom, então. Entendo.

Sem mais delongas, entrei no carro e fechei a porta. Ricardo deu uma última olhada para Manuel, que permaneceu parado na calçada, e então engrenou, deixando para trás aquele clima pesado.

— Cara, que situação — soltei, aliviado por estar longe dali. — Pois é — Ricardo concordou, com os olhos fixos na rua. — Mas pelo menos ficou claro. Agora é seguir pro verdadeiro rolê.

E dali, íamos direto para o nosso merecido churrasco — sem Manuel, sem indiretas, sem falsidades. Finalmente.

No meio do caminho, meu irmão quebrou o silêncio dentro do carro:

— E aí, como foi o trabalho com o seu novo parceiro? — perguntou, com um tom que deixava claro que já sabia a resposta.

— Péssimo! — soltei, sem conseguir disfarçar a frustração. — O cara me confrontou o dia todo por não ter sido convidado. Inventou trabalho, me segurou lá até depois da hora… Mas uma coisa é fato: segunda-feira eu e o Pedro vamos ter uma conversa séria.

Ricardo manteve os olhos na estrada, mas sua expressão ficou preocupada. —Só não faça nada de cabeça quente, Renato. Pensou no que vai dizer?

— Ainda não, mas não vou ficar quieto. Não dá.

Quando cheguei em casa, depois de um banho quente e demorado que lavou simbolicamente a raiva do dia, desci para ajudar com os preparativos. O ar já estava carregado do cheiro de tempero, e o clima era de uma animação caseira que me acalmou na hora.

Fiquei responsável por picar e preparar o vinagrete. Enquanto eu cortava cebola, tomate e pimentão em cubos, meus pais e meu irmão organizavam mesas, ligavam o som e conferiam a brasa.

Foi nesse clima que meu pai deu uma ideia simples, mas genial: —Olha só — ele disse, segurando uma cerveja já gelada —, como cada um aqui chamou sua galera, que a gente divida a atenção também. Você, Renato, cuida dos seus amigos. Ricardo, fica com a turma dele. Sua mãe e eu vamos receber os nossos. Cada um cuida e da atenção para os seus convidados. Assim ninguém fica largado, e todo mundo se sente em casa.

Achei bacana. Fazia todo o sentido. Afinal, quase todo mundo ali era da família ou conhecido de longa data — exceto meus amigos da faculdade e o pessoal do trabalho do Ricardo, que não tinham o hábito de frequentar nossa casa.

— Boa, pai! — eu disse, misturando o vinagrete com satisfação. — Assim a gente não se perde no meio da multidão.

Ricardo concordou: — Aí sim. Cada um no seu quadrado, e todo mundo feliz.

Era mais que uma divisão de tarefas: era um jeito de garantir que, mesmo na agitação do churrasco, ninguém fosse deixado de lado.

Quando finalizei o vinagrete, subi para me preparar para o churras.
O clima já estava começando a esquentar, e eu queria estar à altura da energia da festa. Para um churrasco, pedia um look despojado, mas que não passasse despercebido — algo que fosse eu.

Escolhi uma bermuda de sarja bege, curta o suficiente para mostrar um pouco da coxa, mas ainda assim discreta. Combinei com uma camiseta branca oversized, um pouco transparente, que caía solta sobre os ombros. Para dar um toque de sensualidade sem exageros, abri um botão a mais no decote e coloquei uma corrente fina de prata, que brincava com a linha do meu pescoço. Nos pés, um par de tênis minimalistas, limpos, e meias tipo sapatilhas . Era confortável, moderno, e tinha aquele algo mais que me fazia sentir bem.

Me banhei no meu perfume favorito — um amadeirado com notas cítricas, que gruda na pele e chama atenção sem gritaria. Por fim, me olhei no espelho de corpo inteiro. O cabelo estava com a textura certa, a roupa caía bem no corpo, e a expressão no meu rosto era de quem estava pronto para se divertir. Sorri para meu reflexo. Gostei do que vi.

Quando desci, já me sentindo bem comigo mesmo e no clima da festa, meus tios já estavam na varanda, instalados com suas cervejas e rindo alto. Minha tia Lúcia me viu chegando e, sem que eu perguntasse nada, comentou logo:

— A Amanda vai chegar mais tarde com o Sidney, o namorado dela.

Sorri sem graça, sem ter muito o que dizer. Por um segundo, um pensamento rápido e ousado cruzou minha mente: Quem eu realmente queria que viesse era o filho dela, não a filha.

Mas claro, guardei isso para mim. Apenas balancei a cabeça, como se estivesse apenas registrando a informação, e disse:

— Tudo bem, tia. Que venham depois! Mais gente para animar.

E rapidamente mudei de assunto, perguntando se precisavam de mais alguma coisa para beber antes de me dirigir para mesa onde estava reservada para meus amigos.

Fiquei pensando na melhor forma de distribuir todo mundo, considerando aquele climinha entre Breno e Dinei. Para evitar estresse, decidi colocar o Dinei mais próximo do Erick, do Felipe e da Drielle. Já o Breno, posicionei ele perto do Gil e do Jefferson.

O primeiro a chegar foi justamente o Erick. Levei ele até a mesa que ficaríamos , perto do cooler de bebidas. —Fica à vontade, já já chega mais gente — disse, e já adiantei, num tom mais baixo:

— Erick, só um favor… Vou colocar um amigo meu, o Dinei perto de você. Me ajuda com ele, por favor? O ex dele também vai estar aqui, e eu quero evitar qualquer atrito ou clima chato.

Erick deu um sorriso de canto, entendendo na hora. —São aqueles que você me falou aquele dia? O da traição? — ele confirmou, com a voz baixa.

— Isso mesmo — suspirei, aliviado por ele lembrar.

— Imaginei. Mas pode ficar tranquilo, deixa comigo — disse Erick, com um aceno confiante. — Nós quebramos esse gelo. Ninguém vai estragar a noite.

Fiquei infinitamente mais aliviado. E dali pra frente, o povo foi chegando.
Aos poucos, o quintal foi tomando vida com a chegada dos convidados. Drielle apareceu deslumbrante num calça tão apertada que desafiava as leis da física. Gil e Jefferson chegaram em seguida, como donos do pedaço, abraçando todos e indo direto para as cervejas.

Dinei me ligou hesitante antes de entrar, preocupado com a possível presença de Breno. Ao garantir que não havia risco, integrei-o ao lado do Erick, que imediatamente o acolheu.

Para minha surpresa, Breno não foi o último a chegar como esperava - apareceu sério, mas permitiu-se ser recebido com abraços e encaminhado para o lado oposto a Dinei, junto de Gil e Jefferson.

Felipe chegou com energia contagiante, apresentando-se espontaneamente a todos com um sorriso largo.

Thiagão surgiu em sua aura de contradição: fisicamente impressionante, mas carregando aquela fama de escroto que me fazia suspirar de frustração. Ele me cumprimentou com um abraço rápido porém apertado e, logo em seguida, trocamos um aperto de mãos.

— Fala, Renatinho! Tá sumido, hein, parceiro! — ele disse com aquela voz rouca que me pegava sempre desprevenido.

Imediatamente, me veio à mente a parceria que havíamos feito na cama de motel e, sem pensar, respondi:
— Você que pensa, tô sempre aqui.

Antes que eu pudesse me corrigir, ele soltou uma risada curta, deu um tapinha no meu ombro e se dirigiu à mesa onde meu irmão e outros o aguardavam. Eu fiquei ali, observando ele ir embora. Thiagão... se não fosse tão escroto, merecia mais um bis.

Cada pessoa que chegava acrescentava uma camada à atmosfera até que, sem percebermos, estávamos todos ali - a
E quando me dei conta, olhei ao redor e vi: geral estava ali. A festa tinha tomado sua forma, barulhenta e cheia de vida, festa finalmente completa, pulsando com risadas, música e o cheiro irresistível da churrasqueira.

Segui para minha mesa, onde meus amigos já riam e compartilhavam histórias, e não pude conter a gratidão que transbordava em mim.

— Preciso dizer o quanto estou feliz em tê-los aqui — comecei, olhando para cada rosto ao redor da mesa. — É a primeira vez que consigo unir meus amigos da faculdade e meus melhores amigos de sempre. Vocês são importantes demais para mim. Afinal, amigos são a família que Deus nos deu a chance de escolher.

Ergui minha cerveja e propus:
— Um brinde à nossa amizade! À vida!

Todos levantaram seus copos e garrafas, rindo, e num coro desencontrado ecoou um “À amizade!”.

No entanto, no meio da euforia, um estalo mental me trouxe a lembrança de Anderson. Faltava ele ali. Meus olhos vaguearam involuntariamente em direção à mesa dos meus tios, e um pensamento incômodo surgiu: se ele estivesse aqui, onde se sentaria? Comigo, entre meus amigos, ou com a família, no lugar que um dia pareceu ser parcialmente dele?

Antes que a reflexão me levasse para longe dali, Felipe tocou levemente no meu braço e fez uma discreta sinalização com a cabeça em direção à entrada.

Ao olhar, vi meu irmão recepcionando Naldo. Ele chegou com aquele jeito marrento de sempre, usando uma camiseta justa que não deixava dúvidas sobre a forma física que mantinha — e, ao lado dele, uma jovem muito mais nova que claramente não era sua esposa.

Olhei rapidamente para Felipe e percebi a decepção estampada em seu rosto, ainda que ele tentasse disfarçar.

— Relaxa — falei baixo, me inclinando em sua direção. — Finja naturalidade.

Naldo passou perto da nossa mesa, cumprimentou com um aceno de cabeça e um “E aí, galera?”. Seus olhos pousaram em Felipe por um instante, e ele disse um seco “Felipe, tudo bem?”, que soou mais como obrigação. Felipe retribuiu com um aceno mudo, bebendo um gole de cerveja para ocupar a boca e evitar qualquer palavra.

Ver Naldo ali, parado no meio do meu quintal com uma mulher que não era a esposa dele, foi de certa forma revoltante. Não pela surpresa — eu já conhecia bem o caráter dele —, mas pela falta total de noção. Aquela cena não era só falta de respeito com a família dele… era falta de respeito com a minha família. Isso era o cúmulo do desrespeito. Algo que até Manuel, com toda a sua arrogância, talvez pensasse duas vezes antes de fazer.

Aquela jovem não era apenas uma acompanhante qualquer — era uma peça de reposição. Uma afronta cuidadosamente escolhida. Ao meu ver, na cabeça doentia do Naldo, era como se ele dissesse: “Já que vocês não quiseram Manuel aqui, trouxe outra companhia”. Era um golpe baixo não só em mim, mas no Ricardo, mesmo que meu irmão, na sua boa fé, ainda não tivesse percebido a maldade por trás daquela atitude. E, como se não bastasse, aquilo também era uma facada direta no Felipe — uma exibição pública de que Naldo seguia em frente, com outra pessoa, como se o que existia entre eles não tivesse significado nada.

Eles entraram de mãos dadas, como se estivessem orgulhosos de estarem ali juntos. Naldo com aquele sorriso marrento de sempre, como se dissesse: “Olhem só pra mim”. E a garota, tentando parecer à vontade, mas com um olhar que denunciava que sabia perfeitamente em que cenário estava se metendo.

Assim que Naldo se afastou um pouco, Drielle não se conteve. Arregalou os olhos e puxou minha manga, exagerando no sussurro:

— Renato, pelo amor de Deus! Que homem é aquele? Negro lindo da porra!

Felipe olhou para ela, já sacando toda a situação — os olhos dele ficaram sérios, a boca um pouco apertada. Foi o Erick quem interveio primeiro, tentando aliviar:

— Meu amor, sossega esse fogo aí — disse ele, rindo, mas com um tom de alerta. — Caso você não esteja vendo, aquele negro gostoso está muito bem acompanhado.

Drielle revirou os olhos, dando uma golada na cerveja. —Olhar não arranca pedaço, Erick. E eu só fiz um comentário, ué.

Foi então que Felipe soltou a bomba, com uma frieza que pegou Drielle e Erick de surpresa:

— Pode não arrancar pedaço, mas incomoda quem pega ele. Tá me entendendo? — Ele fez uma pausa dramática, olhando fixamente para ela. — Sim, aquele negão aí é gostoso. A gente se pega de vez em quando. Mas ele não vale nada. Basta ter um buraco que ele tá entrando.

Drielle ficou com a boca aberta, os olhos arregalados de incredulidade. —MENTIRA que ele é… — ela começou, quase gritando.

Antes que a frase se completasse e virasse um rumor pela festa toda, eu cortei, firme:

— Sim. Ele curte. E fim de papo.

Fechei a expressão, deixando claro que aquele assunto não iria adiante. O clima ficou pesado por alguns segundos, até que Erick quebrou com uma piada seca:

— Bom… então pelo menos ele é gostoso, mesmo que a índole seja questionável.

Todos nós rimos — menos Jefferson, que tinha motivos de sobra pra não achar aquilo engraçado. Ele ficou quieto, olhando pro copo, até que se levantou e disse secamente para Gil:
— Vou dar uma passada na mesa dos pais de Renato. Preciso dar um oi pra eles.

Mal Jefferson saiu de perto, Gil soltou um suspiro e explicou para Erick e Drielle, baixinho:
— Jefferson não curte o Naldo. Naldo é meu ex. Coisa do passado, mas ele não gosta nem que fale o nome de Naldo.

Felipe, então, com um misto de ironia e fascínio, completou:
— Seja sincero, Gil. Aquele homem é de deixar qualquer um sem fôlego, não é?

Todos viraram para Gil, que deu uma olhada rápida pra confirmar que Jefferson estava longe e então admitiu, num tom mais baixo ainda:
— Real. Naldo deixa qualquer um louco na cama. Eu mesmo fiquei louco por um tempo — cego. Até encontrar o Jefferson, que é melhor em todos os quesitos. Na cama… e no caráter.

Erick balançou a cabeça, impressionado:
— Confesso que tô começando a olhar pra esse cara com outros olhos.

Drielle fez uma careta:
— Eu já me desinteressei na hora que soube que ele pegava caras. Nada contra, mas…

Erick deu uma risadinha e cutucou ela:
— Vai saber se o Cauã não é assim também, hein? Eu não colocaria a mão no fogo por ele. Vai que ele também pega no sigilo…

Eu entrei na conversa pra tentar dar um pouco de contexto — ou de fofoca organizada:
— O Naldo, mesmo pegando novinhos, ainda se considera hétero. É casado, e aquela moça que tá com ele hoje não é a esposa. Deve ser uma amante ou um peguete qualquer. Ele age no sigilo, algumas pessoas comentam… e ele tá pouco se importando.

Foi quando Erick virou para Felipe, curioso e já puxando mais cerveja:
— E você… aceita essa parada? Não me leva a mal, é só uma curiosidade mesmo. Até porque, com todo respeito, você é super gatinho.

Felipe corou, dava pra ver que o assunto mexia com ele:
— Entre a gente não há exclusividade não. Na real, eu tô pegando um outro cara — que é aluno dele, inclusive. E por esse eu até tenho sentimentos, mas… zero chance de dar certo. Essa mina aí é novidade pra mim também, mas vou te falar: contando comigo, a esposa e mais uns dois, o Naldo da conta.

Breno soltou uma risada seca e finalizou com a verdade nua e crua:
— Isso é só o que a gente fica sabendo…

— Mas você não tem medo de ficar mal falado? De que justamente os caras que te pegam comecem a te achar um cara fácil… descartável?

A pergunta do Erick ficou no ar, carregada de uma curiosidade que beirava a preocupação.

Breno não perdeu a chance de emendar, com um tom ácido que cortou o clima:

— É o que mais tem por aí! Viado fácil que transa por transar, sem critério. E depois se pergunta por que ninguém leva a sério.

Felipe manteve a calma, mas sua expressão endureceu.

— Mas eu não sou assim.

Foi quando Breno pareceu perceber que tinha ido longe demais. Baixou a voz e se dirigiu apenas a Felipe:

— Eu me expressei mal. Não era sobre você que eu estava falando.

Mas antes que o clima amenizasse, Dinei — que até então estava calado, apenas ouvindo — resolveu se manifestar. Sua voz saiu firme, mas controlada:

— Fica tranquilo, Felipe. Não é nada com você. — Ele virou o olhar em direção a Breno. — É uma indireta pra mim.

Breno não se conteve. Soltou tudo de uma vez, com ódio na voz:

— Não citei nomes, mas te acho isso mesmo. Sujo. Fácil. Asqueroso e fútil. Inclusive, acho que qualquer um que quiser te comer aqui tem livre acesso pra isso. E não me dirija mais a palavra, seu viado.

Um silêncio pesado e constrangedor caiu sobre a mesa. Ninguém esperava por aquilo. Nem eu.

Tentei acalmar os ânimos, erguendo as mãos:
— Gente, pelo amor… não estamos aqui para isso.

Mas Dinei, ainda calmo, pelo menos por fora, olhou para mim e falou em um tom baixo, porém cristalino. As palavras eram pra mim, mas a mensagem era toda para Breno:

— Eu estava quieto aqui. Foi ele quem começou. — Ele fez uma pausa, respirou fundo. — Renato, avisa pro seu amigo que eu já virei a página. Aliás, já estou em outro livro. O que ele acha ou deixa de achar é problema dele, e não meu. Só não vou ficar ouvindo desaforo. Errei? Errei! Me arrependo? Só um pouco. — Ele encarou Breno diretamente agora. — Tem erros que fazem a gente aprender… e tem erros que fazem a gente se deliciar. E esse foi o meu caso.

Breno se levantou de repente, a cadeira rangendo no chão de cimento. —Vou ao banheiro — disse, e saiu caminhando rápido.

Erick se levantou logo atrás, seguindo ele.

Eu fiquei tentando acalmar o Dinei, colocando a mão no seu ombro. — Dinei, calma… para.

Mas ele olhou pra mim, e pela primeira vez notei cansaço no seu olhar, não raiva.

— Eu tô calmo, Renato. Sério. Só não sou otário.

A tensão na mesa era palpável, mas Drielle, sempre em alerta, tentou ajudar acalmando o Dinei.

— Não entra nessas provocações — disse ela, com um tom de voz firme, porém suave. — Não vale a pena.

Dinei suspirou, olhando para o chão antes de responder:

— Até me dá vontade de ir embora, sério. Só não vou porque seria um desrespeito com você e sua família, Renato. Não merecem isso.

Pouco depois, Breno retornou com Erick e Jefferson. Aproveitei a distração para sugerir uma volta pois talvez um pouco de ar fresco acalmasse os ânimos.

— Vamos pegar mais carne, circular um pouco — propus, chamando Drielle e Erick. Dinei, ainda abalado, preferiu não ficar sozinho com Breno na mesa e se juntou a nós.

Enquanto andávamos, notei que Dinei e Drielle começaram a conversar mais — ela havia criado uma ponte entre eles ao tentar acalmá-lo. Foi quando Erick se aproximou de mim e, num tom mais baixo, confessou:

— Eu tô meio interessado no Breno, vou ser sincero. Se ele der mole, eu pego.

— Aí é com você — respondi, cauteloso. — Mas não sei se ele tá aberto pra algo agora. O término com o Dinei foi bem conturbado, como você viu.

Erick sorriu, confiante.
— Quando fomos ao banheiro, eu dei uma cantada nele perto do Gil. Ele sorriu, não falou nada.

— Vá com calma, Erick — aconselhei. — O Breno não é um cara fácil de ler, ainda mais depois de tudo.

Foi então que ouvi Thiagão berrar meu nome desde a mesa dele. Sua voz ecoou acima da música e das conversas. Nos dirigimos até lá, e ele, com aquela cara de pau de sempre, soltou:

— Não vai apresentar essa mina linda pra gente não? — disse, apontando para Drielle.

Ela sorriu, claramente gostando da atenção.

— Claro, Thiagão! — falei, rindo. — Essa “mina linda” é a Drielle. E não só ela, mas todo mundo aqui.

Thiagão se levantou, foi até ela, abraçou-a e deu um beijo no rosto.
— Prazer, princesa. Sou o Thiagão.

— Este é o Erick — continuei, apresentando. — Também cursa comigo. E este é o Dinei, talvez você lembre dele de outra festa.

— Prazer, manos! — disse Thiagão, mas não tirou os olhos de Drielle. — Mas meu interesse maior é essa negra linda aqui.

Ri da insistência dele e prossegui apresentando todos na mesa: meu irmão Ricardo, Letícia, Max, Naldo e a garota que o acompanhava — que Naldo apresentou como Iara.

Fiz questão de olhar para Iara com um ar de curiosidade.

— Iara? — perguntei, fazendo-me de desentendido. — Nos conhecemos de algum lugar? Você não me é estranha.

Nunca a tinha visto antes, mas queria ver qual seria a reação — principalmente a de Naldo.

Antes que ela respondesse, Naldo interveio, rápido:

— Ela mora aqui no bairro. Jogou vôlei no ginásio um tempo atrás.

— Ah, deve ser por isso — respondi, mantendo o tom casual. — lembrei de algo familiar.

Internamente, aquilo só confirmava minhas suspeitas: Naldo ainda usava o ginásio — e provavelmente o cargo que tinha por lá — como vitrine, como isxa para conquistar “presa” novas. Iara era só mais uma na lista.

Iara então emendou, com um sorriso um pouco forçado:
— Na verdade eu fazia vôlei lá, não faço mais. Quem faz hoje é a minha prima. Às vezes eu vou lá vê-la treinar.

Não deixei passar a chance.
— Imagino que foi numa dessas idas que vocês se aproximaram então — comentei, olhando diretamente para Naldo. — Você não perde tempo, não é mesmo, Naldo?

A mesa inteira riu do meu comentário.

Decidi dar uma pausa estratégica.
— Vou ao banheiro, gente! — avisei, e meus amigos voltaram para a mesa enquanto eu me dirigia para dentro de casa.

No banheiro, tirei uma self rápida — sorrindo, aproveitando o clima ainda quente da festa — e postei nas redes sem legenda. Só o momento.

Quando saí, quem estava parado na porta, encostado na parede, era Thiagão.
— Posso falar contigo? — ele disse, com uma expressão séria. — É jogo rápido.

Fiquei alerta. Levei ele até a sala, longe do ouvido alheio.
— Fala. O que foi?

Ele encarou meus olhos sem rodeios:
— Tô afim daquela mina! O Max também tá afim. Mas joga ela na minha mão que eu te dou uma noite gostosa igual àquele dia.

Quase engasguei com a audácia.
— Menos, Thiagão. Bem menos.

Ele não se deu por vencido, avançando com um tom que mesclava confiança e arrogância:
— Vai falar que não gostou de meter comigo?!

Respirei fundo, controlando a irritação.
— Olha, primeiro: você deveria perguntar se eu quero meter contigo novamente. A resposta é não. Não quero. Você até é gostoso, mas o que te estraga é a arrogância. É se achar demais.

Ele ficou confuso, quase indignado:
— Como assim, mano? Lá na hora bem que você gemeu…

— Sim — cortei, firme. — Mas sabe quando o produto não condiz com a propaganda? Foi assim que me senti. Esperava mais.

Ele arregalou os olhos, tentando processar.
— Então você não curtiu? É isso que tá me dizendo?

Não respondi diretamente. Só finalizei:
— Se você quer ficar com a Drielle, chega nela. Agora, dá licença que preciso voltar pra minha mesa.

Virei as costas e deixei ele ali, parado na sala.

Voltei para a mesa rapidamente, sentei e dei um gole forte na cerveja, tentando disfarçar a agitação que ainda sentia. Foi quando percebi que não só o Gil me encarava com um olhar intrigado, mas também o Breno.

— O que foi, gente? — perguntei, tentando soar natural.
— Aconteceu alguma coisa, amigo? Você veio que nem um foguete lá de dentro — observou Gil, franzindo a testa.

— Não, lógico que não! — respondi, mas meus olhos fugiram rapidamente para Thiagão, que voltava para seu lugar com uma expressão fechada.

Foi quando Gil mudou de assunto, apontando discretamente:
— A propósito… viu quem chegou?

— Quem? — perguntei, me virando já procurando alguém novo. Antes que ele dissesse qualquer coisa, avistei Amanda com o namorado na mesa dos meus tios e pais. Nossos olhares se cruzaram. Respirei fundo e acenei para ela — seria falta de educação ignorá-la, ainda mais com todo mundo tentando manter a paz.

Foi então que Dinei se aproximou e me avisou:
— Vou jantar e depois vou embora, Renato.

— Tá cedo ainda! — tentei argumentar, mas ele já estava se levantando.

Enquanto o acompanhava até a mesa de comida, ele confessou baixinho:
— Não tô bem aqui. O Breno me ignora, o Gil mal fala comigo… É foda.

Assim que Dinei encheu o prato, o resto do pessoal da nossa mesa aproveitou e também foi se servir. E depois do jantar, como havia avisado, Dinei realmente foi embora. Despediu de todos — menos do Breno — e ainda me pediu desculpas por qualquer coisa.

Com todo mundo de bucho cheio, Ricardo aumentou o volume do forró e a maioria foi para o “salão” — nosso quintal que virava pista de dança.

Fiquei ali parado, observando todos os casais dançando coladinhos: meus tios, meus pais, Ricardo e Letícia, Naldo e Iara, até Amanda e Sidney que eram evangélicos se embalavam no ritmo da música.

Aproveitando o movimento, Max se aproximou da nossa mesa e chamou a Drielle. Ela se levantou, um pouco tímida, mas sem perder tempo. Ele se inclinou, cochichou algo no ouvido dela que fez um sorriso pequeno e rápido aparecer no canto de sua boca. Os dois se afastaram um pouco, ficando ali perto da cerca, conversando baixo, num mundo particular que de repente os isolou do resto.

Meu olhar vagou naturalmente para Thiagão, que não disfarçava nem um pouco. Estava secando os dois com um olhar azedo e pesado, como se torcesse contra, como se pudesse, por pura força da vontade, fazer o chão engolir o Max ou a cerca cair sobre os dois. Eu quase ria da dramaticidade dele, mas entendia perfeitamente aquele misto de posse ferida e impotência.

Minutos depois Max e Drielle se aproximaram da área de dança. A música era um forró, daqueles que chama todo mundo para o salão. Eles se envolveram no ritmo, dançando juntos, e no meio da dança, ele olhou firme para os lábios dela. Se aproximou devagar, num convite silencioso. Como ela não recuou, o beijo aconteceu. Natural e suave, como se fosse a continuação óbvia daqueles passos. E quando a música acabou, em vez de voltarem para a mesa, os dois saíram para ficar mais à sós lá fora.

Jefferson começou a demonstrar vontade de ir embora, mesmo eu insistindo que ainda era cedo. Ele justificou:

— Tenho que acordar cedo amanhã. Tenho uma pelada com os amigos.

Ele ficou mais um pouco, mas quando se levantou de vez, Breno disse que iria junto. Foi quando Erick ofereceu:

— Se quiser ficar, depois te dou carona.

Breno hesitou, olhou para mim, e eu incentivei:

— Fica, bobo.

No final, só Gil e Jefferson foram embora.

Percebi que, com Breno ficando, ele estava dando uma certa abertura para o Erick. Assim, chamei o Felipe para ir na mesa dos meus pais comigo e deixei os dois sozinhos na mesa.
Cheguei na mesa de meus pais cumprimentando todos.

— Oi, tia! Oi, tio! — cumprimentei, me aproximando com um sorriso. — E aí, estão gostando da festinha?

Minha tia, sempre animada, não perdeu tempo:

— Oi, Renato! Estamos adorando! — disse ela, com os olhos brilhando. — Precisamos fazer isso sempre, viu? Que bom reunir a família toda… a gente precisava mesmo disso.

— Oi, Renato! — Amanda cumprimentou, sorrindo. Fui até perto dela, retribuí o cumprimento e, quase automaticamente, estendi a mão para o Sidney. — Tudo joia?

— Tudo sim! — ele respondeu, firme. — O churrasco tá ótimo, parabéns pela organização.

Sidney então olhou pra mim com um sorriso tranquilo e sugeriu:

— O próximo churrasco podia ser na casa da sua tia, já que você não foi no último que rolou lá. — Ele manteve o tom leve, mas deu a entender que aquilo era mais que um convite casual. — A gente tem muito o que conversar ainda.

Não entendi muito bem a profundidade daquilo, mas acenei com a cabeça, sem me comprometer.

— Vamos ver, vamos ver… — respondi, evasivo.

Filipe disse que iria ao banheiro e enquanto ele ia, sentei ao lado do Mauro, o vizinho que tinha se separado recentemente.

— Ei, Mauro! Tudo bem com o senhor? — cumprimentei, me aproximando com um sorriso. — Quando vi seu nome na lista, nem acreditei que o senhor viria! Mas que bom que veio.

Ele retribuiu o cumprimento com um aceno cansado.
— Pois é, meu filho. Seus pais têm sido muito queridos comigo. Insistiram pra eu vir. E até que tô curtindo de boa a festa.

— Fico feliz que esteja gostando! — respondi, genuinamente. — Aqui você está não só entre vizinhos, mas sobretudo entre amigos.

Mauro era moreno claro, cabelos bem cortados, barba sempre feita e um furinho no queixo que parecia marca de expressão. Devia ter seus 44 anos Seu corpo era comum, nem forte, nem magro — mas chamava atenção pela quantidade de pelos no peitoral, que apareciam mesmo por baixo da camisa de botão. Bonito, sim, mas todo mundo sabia: era safado e machista. Traía a esposa horrores.
Até que ela se cansou. E se vingou.
Um dia, saiu para trabalhar e não voltou mais. Deixou um bilhete dizendo que ia assumir um relacionamento sério com o patrão — que era também seu amante — e que não pretendia voltar. Aquilo jogou Mauro no fundo do poço. Ele entrou em depressão profunda, a ponto de faltar ao trabalho durante dias. A empresa dele precisou dar férias antecipadas para que ele tentasse se reerguer.

O filho dele — que devia ter por volta da idade do Ricardo — passava todas as noites depois do serviço para ver se o pai estava bem. A notícia correu o bairro todo, até chegar aos meus pais. Por pena, e talvez por reconhecer solidão naquele olhar, convidaram Mauro para o churrasco. E ali estava ele, quieto no canto, tentando parecer okay — mas dava pra ver que por trás daquela postura, ainda carregava um vazio que nenhuma cerveja ou comida de churrasco seria capaz de preencher.

A conversa com Mauro rapidamente se tornou um monólogo sobre sua dor. Ele não parava de falar sobre ter sido traído, repetindo que vacilou no passado, mas não merecia o que aconteceu. Depois de ouvir um pouco, com paciência mas também com certo incômodo, me levantei.
— Preciso dar uma circulada, Mauro. Depois a gente conversa mais.

Foi quando vi Felipe se aproximando, segurando o copo vazio. Suspirei baixo de alívio — era minha desculpa perfeita para sair dali.

— Vamos pegar mais cerveja, Renato? — ele perguntou.

— Bora! — eu disse, dando um tchau rápido para a família.

Enquanto caminhávamos em direção ao freezer, a música e as vozes da festa iam ficando para trás. Dava pra sentir que Felipe estava mais solto — talvez até demais.

— Vai com calma, hein — alertei, baixinho.

— Relaxa, não tô bêbado não — ele garantiu, mas logo em seguida soltou: — Só acho o Naldo um otário, mesmo.

— Deixa ele pra lá — tentei acalmá-lo. — Bora curtir a festa.

Chegamos no freezer e estávamos pegando as cervejas quando, o próprio Naldo se aproximou também atrás de uma cerveja, com aquele sorriso maroto que já conhecia bem demais.

Ele já chegou com aquela pose de quem manda:
— E aí, gostaram da Iara?

Olhei rapidamente para Felipe, que estava por perto, e respondi:
— Não sei qual foi a tua intenção de trazê-la pra cá. Se foi pra me afrontar por não ter convidado o Manuel, lamento… não funcionou.

Ele riu, enchendo o copo de cerveja espumante.
— É sério que você pensou isso? Lógico que não faria uma coisa dessas. — Ele então virou para Felipe, provocando: — E você, Felipe, gostou da nova “amiguinha”?

Felipe manteve a neutralidade:
— Nem fede nem cheira. Já tô até acostumado.

Então fui sarcástico:
— Eu é que fico com pena da sua mulher. Leva três chifres e aceita calada.

Naldo não se abalou.
— Mas ela sabe que eu compenso. Não deixo ninguém passar vontade. Tô mentindo, Felipe?

Felipe confirmou, sem entusiasmo:
— Eu não tenho nada do que reclamar.

— Não sei como você dá conta de quatro pessoas — comentei, meio abismado.

— O papai aqui sabe administrar as fodas — respondeu ele, se achando. — Todo mundo sai satisfeito e bem comido. Já a patroa… eu molho a mão dela, e ela fica de boa. — Ele deu uma pausa dramática. — Saindo daqui, a Iara vai levar pica a madrugada inteira. Inclusive, seu ex, o Manuel, tá me esperando amanhã naquela casa onde você morou. Felipe já tem seu dia marcado: quarta-feira, lá no ginásio. — Olhou para Felipe com um sorriso aberto. — Mas, Felipe, se quiser aparecer amanhã, eu te maceto também.

Felipe pareceu desconfortável.
— Naldo, olha o que você tá falando…

Naldo ignorou e se voltou para mim, baixando a voz num tom convidativo:
— Se quiser entrar na jogada, pode ser cinco. Você já provou a rola do negão aqui. Aproveita que tá solteiro e vem.

Ele riu de um jeito sacana. Fiquei sem reação — especialmente porque Felipe não sabia que já tinha rolado algo entre eu e Naldo.

— Acho que a Iara tá te esperando — disse eu, me afastando. — Ela não tira os olhos daqui.

Naldo sacou que eu queria que ele fosse embora. Antes de sair, passou a mão nas minhas costas de um jeito que não era só amigável:

— Se quiser, sabe onde e como me achar. Vai ser um prazer fazer você relaxar.

E saiu rindo, deixando um clima pesado e, ao mesmo tempo, absurdamente constrangedor entre eu e Felipe.

— É verdade o que ele falou? — questionou Felipe, assim que Naldo se afastou, seu tom carregado de uma mistura de curiosidade e desconfiança.

— Não é o que você está pensando — adiantei, tentando abreviar a explicação.

— Então é o que? — insistiu ele, cruzando os braços.

Respirei fundo.
— Felipe, você conhece o Naldo. Sabe que ele faz de tudo para conseguir o que quer. Na época, ele meio que impôs uma condição para ficar com o Gil. E eu… eu era imaturo. Acabei topando, também porque o Gil me pressionava e estava ficando puto comigo. Hoje eu faria diferente. Mas olha… só rolou um boquete, nada mais.

Felipe soltou uma risada sarcástica.
— Mentira que você chupou aquela pica e não quis sentar no negão. Perdeu uma foda boa, hein.

— Tenho um certo ranço dele, sempre tive — expliquei, evitando detalhes. — Vamos voltar?

Quando retornamos à mesa, Breno e Erick estavam conversando bem próximos, rindo baixo. Mal nos sentamos e Erick já veio todo empolgado:

— Galera, bora fechar uma saidinha pra boate? Aquela lá do Centro!

— Hoje? — perguntei, surpreso.

— A gente sai daqui por volta da meia-noite e meia — confirmou Erick. — Dá tempo!

— Ah, sei lá… não tô muito a fim — hesitei.

Foi quando Erick deu a cartada final, baixando a voz:
— O Breno só vai se vocês forem. Falei pra ele que não arranco pedaço, só mordo mediante autorização.

Breno ficou vermelho, desviando o olhar, mas não negou.

Perguntei diretamente a ele:
— Você quer ir mesmo?

— Até quero, mas só vou se você for — ele respondeu, numa voz mais baixa, quase tímida.

Percebi que Breno já estava entrando no jogo do Erick. E, sinceramente, era um bom sinal vê-lo reagindo depois de tudo que aconteceu com o Dinei. Mas, sabendo que poderia acabar de vela, virei para o Felipe:

— Você topa?

— Não vim preparado pra balada, mano — ele respondeu, mostrando a camiseta simples e bermuda.

— Empresto uma roupa minha — ofereci na hora.

Ele pensou uns segundos e então topou:
— Tá bom, então bora.

Drielle e Max voltaram e se sentaram conosco. Max, que até então era o quietão da parada, soltou-se e começou a interagir — rindo das piadas, puxando assunto. Erick os convidou para a boate também, mas os dois agradeceram e recusaram:
— Hoje não, pessoal. A gente já tá de saída mesmo.

Pouco depois, meus tios se levantaram para ir embora e levaram Amanda e Sidney junto. Passaram por mim para se despedir — um abraço rápido, aquele ritual de final de noite. Meus pais os acompanharam até o portão.

Logo em seguida, Naldo e Nara também saíram, sem alarde.

Foi quando Max, percebendo que só restava a galera mais próxima, olhou para Thiagão e anunciou:
— Então, gente, acho que a gente vai vazando.

Thiagão concordou e os dois se levantaram. Drielle também.

Eu me intrometi na hora.
— Vocês vão embora juntos? No mesmo carro?

Max me encarou com um meio-sorriso.
— Não confia em mim, é?

— Não é isso — menti, suave. — É que os pais dela acham que ela ainda tá aqui, então, tecnicamente, ainda tá sob responsabilidade da minha família. Entende?

Na real, eu não confiava. Os dois estavam claramente afim dela, e Drielle já estava alterada — dava pra perceber no jeito dela rir de tudo, meio solta.

Erick percebeu a tensão e deu um passo à frente:
— Se for o caso, eu levo ela, povo. Fica tranquilo.

Thiagão levantou as mãos, como quem se rende.
— Calma, galera. Tanto eu quanto o Max estamos de carro. Eu vou no meu. A mina vai no carro dele.

Apesar da justificativa, me mantive firme.
— Drielle, vou contigo até o carro.

Fui com ela até o portão. Max e Thiagão já iam na frente, cada um pro seu carro. Fui direto:
— Se eu souber que rolou qualquer coisa sem o consentimento dela, o tempo vai fechar pra vocês. Incluo a polícia, entendeu?

Max respondeu:
— Cara, ela está ficando comigo; não tem porquê o Thiagão entrar na jogada. Saca?

Thiagão nem pediu mais conversa — acenou seco, entrou no carro e foi embora, como quem não queria ver o que viria a seguir.

Antes de Drielle entrar no carro do Max, segurei ela de leve pelo braço e fixei o olhar.
— Me liga ou manda mensagem quando chegar em casa, tá? E me diz se foi tudo bem. Não esquece.

Ela me abraçou com seriedade.
— Tá bom, Rê. Pode relaxar! Vou avisar.

Entrou no Fox preto do Max, e eu fiquei ali parado na calçada, acompanhando os faróis até sumirem na curva.

Só voltei para dentro quando não dava mais pra ver nada. O barulho da festa ia baixando, mas a noite ainda não tinha dito sua última palavra.
Enquanto voltava para a mesa, vi meus pais quase carregando Mauro, que cambaleava entre eles, completamente trêbado.

— Esse aí exagerou… — comentei, baixinho.

Mauro tentou falar algo — um murmúrio embolado, palavras que se perderam entre a língua pesada e o fôlego curto. Não deu pra entender nada.

Meu pai suspirou, cansado, e me olhou com uma expressão séria.
— Naquele caso, ele acha que bebendo vai esquecer os problemas, Renato.

Quando meus pais voltaram para a mesa, comuniquei que eu e meus amigos iríamos para a boate. Minha mãe, sempre preocupada, não segurou:

— Mas não basta a festa aqui de casa? Já não tá tarde?

Meu pai, mais tranquilo, deu uma segurada nela:

— Deixa eles, meu amor. Eles são jovens, tá? — e virou pra gente com um meio sorriso: — Só tomem cuidado, galera.

Erick, que já estava com a chave na mão, anunciou:

— Então vou lá na em casa pra me trocar e já volto pra buscar vocês, combinado? — e saiu dirigindo, com o som já estourando um funk no carro.

Com a saída dele, a gente ainda ficou ali conversando. Minha mãe, que não para quieta, soltou:

— Achei a esposa do Naldo muito novinha pra ele, hein.

Eu e Ricardo nos entreolhamos. Meu pai, sagaz como sempre, não deixou passar:

— Tá na cara que aquela não era a esposa dele, mulher.

Minha mãe arregalou os olhos, já com a voz carregada de indignação:

— Tá me dizendo que aquela era a amante dele?

Ela olhou direto pro Ricardo — afinal, Naldo era convidado dele. Meu irmão confirmou, numa naturalidade que até me surpreendeu:

— Sim, mãe. Essa não é a mulher dele, não. É uma peguete. Naldo tem relacionamento aberto, pega geral e vive bem assim.

Fiquei olhando pro Ricardo, me perguntando se ele sabia — e fazia vista grossa — sobre o fato de Naldo também pegar homens. Mas deixei quieto.

Deixei minha mãe processando a revelação com suas falações indignadas e chamei meus amigos:

— Vamos subir, galera. Hora de se arrumar pra balada.

No meu quarto, Felipe escolheu uma camisa preta e um jeans, e Breno pediu emprestada uma camisa xadrez. Ambos cabiam mais ou menos nas minhas roupas — deu certo.

— Tomem banho que depois eu vou — falei, e enquanto Felipe ia pro chuveiro, recebi uma mensagem no celular.

Era Anderson:
“Renato, você está lindo na foto que você postou. Saudades de você. Quero muito você.”

Mostrei a mensagem pro Breno, que leu e revirou os olhos:

— Quem quer, arruma um jeito, Renato. Ele já devia ter aparecido se fosse importante.

Depois que todo mundo tomou banho e se arrumou, descemos e abrimos mais uma cerveja — a última, pelo menos por um tempo. Ficamos ali rindo, ansiosos, até que de repente, os faróis de um carro iluminaram a rua, e o som do motor se aproximou até parar bem na frente da casa. Era o Erick — mas não o mesmo que tinha saído mais cedo. Esse parecia ter saído de um editorial de moda urbana.

Ele surgiu todo produzido, super bem vestido. Usava uma camisa preta justíssima, que marcava cada linha do torso, e um jeans slim que parecia ter sido costurado nele. Na cabeça, um boné aba reta, levemente inclinado para o lado, e brincos pequenos mas que reluziam sob a luz do poste. Um cordão de prata fina balançava no pescoço, e o perfume — algo amadeirado e doce — dava para sentir a metros de distância.

— Gente, produção dessas? — comentei, abrindo a porta traseira do carro. — Vai casar, é?

Erick deu uma risada solta, confiante.
— Casar não sei, mas pelo menos um beijo e um acasalamento eu pretendo ter hoje.

Enquanto Breno se encaminhava para o banco de trás, Erick interveio rápido, abrindo a porta do passageiro.
— Breno, você vem aqui na frente comigo.

Breno me olhou, sem graça, corando ligeiramente. Felipe, já atrás, brincou:
— Vá, ou eu vou!

Em poucos segundos, Breno estava ao lado de Erick, afivelando o cinto. Erick colocou uma playlist de eletrônica, com uma batida pulsante, e acelerou rumo à boate — o som alto, a noite aberta, e a promessa de que aquela noite ainda guardava surpresas.

Quando chegamos na boate, Erick estacionou e, antes mesmo de nos dirigirmos à fila, deu um palpite estratégico:

— Felipe, Breno — chamou ele, puxando uma nota do bolso. — Peguem uma cerveja pra gente lá no bar da esquina? A gente já vai comprando o ingresso.

Os dois concordaram e saíram em direção ao bar, enquanto eu e Erick assumimos nosso lugar na fila. Mal eles se distanciaram, Erick se virou para mim, com aquele olhar esperto de quem já tinha um plano na cabeça:

— Renato, vou ser direto. Não pretendo ficar até o amanhecer aqui não.

Eu revirei os olhos, mas sorri.
—A gente nem entrou e você já quer vazar? A ideia de vir foi sua!

Ele deu de ombros, aquele sorriso maroto estampado no rosto.
—Tô é preparando o terreno. Se tudo der certo, hoje o Breno cai na minha rede.

— Quem te garante? — perguntei, rindo. — Ele já não tá quase na sua mão?

— Quase não é dentro — respondeu ele, confiante. — Mas se não rolar, parto pro Felipe. Pode ser coisa da minha cabeça, mas aquele momento no carro, quando ele quis sentar na frente… me mostrou um certo interesse, saca?

Fiquei surpreso:

—Sério? O Felipe…?

— Não tô dizendo que é certeza, mas é um palpite. E eu costumo acertar esses negócios.

Ele me cutucou.

— E você? Se não arrumar alguém hoje, vai ficar a noite inteira segurando meu copo, viu?

Erick não perdia tempo. Quando chegou nossa vez na bilheteria, ele insistiu em pagar o ingresso do Breno:

— Deixa que eu invisto”, disse, com um sorriso que não deixava dúvidas.

Antes de entrarmos na boate, ficamos bebendo a cerveja que o Erick havia mandado comprar. O Felipe, rindo, disse não entender por que Erick não tinha comprado a cerveja lá dentro. Erick respondeu em tom incrédulo:

— Lá custa o dobro. Lógico que a gente vai comprar lá também, mas já que estamos aqui, compramos a mais barata.

Antes de atravessarmos a porta da boate, sob a luz de néon, Erick me puxou pelo braço e falou sério, encarando meus olhos:

— Olha aqui. Pelo amor de Deus, proibido pensar no Anderson hoje. Esquece ele. A regra é clara: você veio pra se permitir. Senta a mente, abre o corpo e deixa a noite levar. Curte, experimenta novos corpos e sabores... E por que não começar beijando uma boca nova na pista?

Quando entramos, ficou claro que Erick era figurinha fácil naquele lugar. Cumprimentou todo mundo — desde as drags até os seguranças, o pessoal do bar e o DJ, que até parou a mixagem para cumprimentá-lo. Ele nos apresentou para geral com um “Esses são meus amigos!”, e dava para ver que ele mandava bem ali dentro.

Entre luzes e gente, fomos sendo guiados pelo Erick, que parou num local e ali ficamos, dançando em grupo, formando uma rodinha. Até tiramos uma foto, que foi direto pra rede e status.

Pouco tempo depois, Erick saiu, dizendo que ia ao banheiro. Aproveitei a deixa e comentei para o Breno:
— Cara, o Erick tá querendo você.

Ele riu e disse:
— Tô sacando!

Aí eu perguntei:
— E aí, rola?

Ele disse:
—Calma, tem muita noite pra rolar ainda.

Olhei pro Felipe e disse pro Breno: —Porque se você não pegar, ele pega.

O Felipe disse:
— Pego mesmo! Mas já tô de olho no branquinho ali — e apontou para o cara, na cara dura.

— Mas eu tenho preferência, porque ele tá afim de mim! Tô solteiro, caralho! Tô na pista! — Breno disse, rindo da situação.

— Eu também tô solteiro! Não pense você só porque tenho dois homens disponíveis que não posso dar pra outros. Tô na pista pra negócio!— Gritou Felipe dançando sem parar.

Erick voltou do banheiro com quatro latas de cerveja. Perguntei por que ele não avisou, pois ajudaria com a grana, mas ele disse que cada um pagaria uma rodada.

Voltamos a dançar, dessa vez bebendo uns goles, até que Erick se aproximou do Breno e, sem mais nem menos, tascou um beijo, que durou um bom tempo.

Eu e Felipe continuamos dançando enquanto eles se pegavam. Resolvi então olhar em volta e ver as opções que eu tinha ali. Sugeri ao Felipe:
— Vamos dar uma volta, ver os boys?

Tinha muito viado bonito, alguns já com seus parceiros, mas a gente estava ligado nos que pareciam estar sozinhos.

Resolvi ir ao bar pagar a nova rodada de cerveja. Quando voltei pra onde Breno e Erick estavam, interrompi o beijo e entreguei a cerveja:
—Desculpa atrapalhar o casal, mas tá aí a cerveja!

Eles riram, se olharam e pegaram as latas.

Voltei a dançar com o Felipe e ele perguntou se havia alguém que eu tinha ficado de olho:
— Tem sim. O cara que tá perto da porta de saída, com um grupo. Só não sei se ele tá com alguém ou não.

Ele se prontificou a ir até o cara, mas achei melhor não. Porém, eu disse: — Mas se você quiser, eu vou até o branquinho por você.

— Você faria isso? — ele perguntou, animado.

— Claro! — Confirmei, já indo em direção ao branquinho, que dançava sozinho, curtindo a noite.

Cheguei perto dele e falei:

— Opa, colega! Tudo tranquilo?

— Opa! Tudo sim. O que manda? — Perguntou ele.

Devido à música alta, tive que falar perto do seu ouvido:
— Cara, tenho um amigo que tá afim de trocar uma ideia contigo, te conhecer, de ficar. Topa conhecer?

—Quem é? — Ele perguntou.

Apontei para o Felipe, que dançava, dessa vez sem olhar pra gente.

Falei para ele que ia voltar para onde eu estava, e se ele tivesse afim, era só chegar. Ele topou.

Voltei para onde o Felipe estava, e ele, ansioso, perguntou o que o cara tinha dito. Nem foi preciso responder, porque o cara se aproximou e foi logo cumprimentando:

— Fala, gatinho! Meu nome é Walace. E o seu?

O Felipe arregalou os olhos para mim e, sorrindo, voltou-se para o garoto:

—Meu nome é Felipe. — respondeu, sem graça.

— Seu amigo falou que você tá afim.— Falou o Walace.

O Felipe, mais ousado, respondeu:
— Sim. Não tiro o olho de você desde que cheguei aqui.

O Walace nem esperou e já foi beijando o Felipe, pouco tempo depois ele pegou nas mãos do Felipe e foram para um canto.

E eu, agora ali, sozinho no meio de todo mundo, com a frase do Erick ecoando na minha cabeça como uma cobrança: ou eu arrumava alguém, ou ficaria sozinho o resto da noite.

Resolvi então aproveitar a minha própria companhia e tratei de dançar como se não houvesse amanhã. Claro, em alguns momentos, meus olhos fugiam para o moreno que eu havia me interessado, mas a coragem de chegar nele simplesmente não vinha. A sombra da rejeição, do fora, ainda me intimidava demais.

Foi quando anunciaram o show de uma drag queen. Ela simplesmente arrasou na dublagem, na dança e, sem falar, no look que estava perfeito. Saiu de cima do palco ovacionada por todo mundo.

Foi nessa hora que o Felipe apareceu com o Wallace e me entregou uma lata de cerveja.
—Toma. Já paguei a minha rodada.

Estranhei,e muito. Felipe não tinha trabalho, pelo menos não que eu soubesse.

—Tá tudo bem aí? — ele perguntou, num tom mais sério. — Vai ficar sozinho mesmo?

—Tô bem, sério. Aproveita a sua noite, porque daqui a pouco, pelo que me contaram, a gente vai embora. Nem vale a pena eu ficar com alguém agora.

— Renato… — ele falou, me encarando e sacudindo a cabeça com um sorriso. Deu uma risada e foi embora. Meus olhos os acompanharam, e para minha surpresa, ele foi direto falar com o moreno. Apontou para mim. Eu, num reflexo, dei um aceno tímido e quase me escondi atrás de alguém.

Logo depois, o Felipe saiu com o ficante, e o moreno ficou me observando de longe. Enquanto me encarava, falava alguma coisa com os amigos. Eu continuei dançando, mas agora olhando diretamente para ele.

Ficamos nesse jogo de olhares durante uma música inteira, até que ele resolveu tomar a iniciativa e veio até mim.

— Renato, né? — disse ele, se aproximando. — Seu amigo falou que você tá afim de mim. Por que não chegou junto, pô?

— Sei lá, mano. Medo de levar um fora! — admiti.

— Larga disso! Jamais daria um fora num cara como você — ele falou, e foi como se um peso saísse das minhas costas.

— Qual é o seu nome? — perguntei.

— Henrique, mas pode me chamar de Henri. O seu eu já sei.

— Sim — respondi, rindo baixo.

— Mas acho que a gente tá perdendo tempo com apresentação.

Ele me pegou pela cintura, me puxou contra o corpo dele e me beijou. A conexão foi instantânea. Ficamos ali na pista por um tempão, só nos beijando, até que, como era de praxe, ele me levou para perto de uma parede. Encostamos e ficamos bem mais à vontade. Ficamos um bom tempo ali nos curtindo. Não havia espaço para muita conversa; era o corpo que falava, e o que ele pedia era toque. Fiquei excitado, e quando notei, ele já guiava minha mão até o volume que também estava armado.

O clima esquentou de vez. Naquele cantinho, ele botou a minha mão por dentro da calça e sussurrou no meu ouvido:

— Você é muito gostoso… A gente podia ir pra um outro lugar, curtir a sós.

Perguntei se ele tinha alguma sugestão. Ele deu duas: um motel que havia do lado ou um terreno ali perto.

Eu conhecia os dois. O motel era daqueles de uma estrela, com fama de ser point de programa — barato, meio sujo e frequentado demais. O terreno era pior ainda: um descampado cheio de mato, tipo um motel a céu aberto, mas com altíssimo risco de alguém aparecer ou, pior, filmar.

Por mais que o tesão estivesse lá em cima, nenhuma das opções me agradava. Expliquei pra ele, entre um beijo e outro, mas ele insistia.

— Não acredito que a gente vai acabar a noite sem um sexo gostoso… — ele resmungou, contrariado.

Foi aí que tive uma ideia. Pedi pra ele me esperar um instante e procurei o Erick.

—Me empresta a chave do carro, man — pedi, tentando disfarçar a urgência.

Ele me deu sem pestanejar,mas soltou uma zoação:
—Tá virando a Drielle agora?

Ri da situação, peguei a chave e chamei o Henri para me acompanhar.

A intenção era, no mínimo, pagar um boquete nele sem correr riscos.

Ao sairmos da boate, a luz noturna da rua iluminou Henri de um jeito que a escuridão da pista de dança não permitia ver. Ele era realmente muito bonito. Moreno, com a pele num tom quente. Seu cabelo liso, quase negro, num corte baixo e curto, e a barba bem aparada, cheia mas curta, delineava um queixo forte que terminava em lábios carnudos e bem desenhados.

Ele usava uma camiseta cor nude, simples, que contrastava com a calça preta justa. Não era malhado, tinha o corpo normal de quem curte a vida – uma barriguinha de chopp discreta, nada que atrapalhasse, só confirmava que ele gostava de uma cerveja e de uma boa risada. Não devia ter mais 30 anos.

Mas o que mais me chamou a atenção foi seu sorriso. Quando ele riu de algo, mostrou uma fileira de dentes incrivelmente brancos e perfeitos, que pareciam de comercial de pasta de dente. Aquele sorriso, junto com os lábios carnudos, iluminou o rosto todo dele.

No caminho para estacionamento, olho o celular e vejo uma mensagem da Drielle:

“Amigo, vou demorar a chegar em casa, mas estou bem. Decidimos vir pro motel. Tá uma delícia. Quando chegar te aviso. Bjos.”

Um sorriso escapa dos meus lábios. Mal sabia ela que eu estava indo chupar um cara. Respondo rápido:

“Aproveita, miga! E me conta tudo depois… 😉”

Eu e Erick atravessamos o estacionamento até o carro do Erick. Abri a porta e convidei:
—Entra.

—O carro é seu? — ele perguntou, surpreso.

—Não, é de um amigo. Mas o que eu quero fazer com você aqui dentro dá pro gasto… É bem melhor que aquela espelunca que você queria me levar.

Ele riu, mas ainda parecia curioso.
—E o que você quer fazer aqui?

—Entra que eu te mostro — sugeri, puxando ele pra dentro.

Fechamos a porta e, ali dentro do carro, a privacidade nos deu outra liberdade. Voltei a me beijar, e agora os beijos tinham um sabor diferente, mais pesados, cheios de uma intenção clara e urgente. Deixei minhas mãos deslizarem pelo seu corpo, sentindo o tecido da camiseta, a firmeza do seu torso, até que minha palma pressionou o volume rígido que latejava através do tecido da calça. Apertei de leve, e senti um pulso claro de resposta através do pano.

Parei de beijá-lo, fitando seus olhos no escuro do carro, iluminados apenas pela luz âmbar que vinha de fora.

— É grande? — perguntei, a voz mais baixa, quase um sussurro no espaço pequeno que dividíamos.

Ele soltou um sorriso safado, dos que prometem coisas boas.

— Você só vai saber se ver. Quer ver?

Balancei a cabeça num sim lento e me aproximei mais, confidenciando como se contasse um segredo:

— É por isso que te trouxe aqui.

— Seu safado… — ele disse, e dava pra ouvir o sorriso na voz.

— Você ainda não viu nada — retruquei, provocando.

Sem perder tempo, ele levou a mão à calça, puxou o zíper para baixo e libertou o que estava escondido. Era mesmo grande, grossa e imponente, dura como pedra sob minha mão que ainda estava próxima.

— E aí, gostou? — ele falou, orgulhoso, enquanto eu olhava, quase hipnotizado.

Balancei a cabeça de novo, sem conseguir disfarçar a admiração.

Ele me puxou para mais um beijo, A outra mão dele me puxou num beijo. Senti a língua dele invadindo minha boca, o sabor característico de bala Halls no seu hálito, sua saliva se misturando com a minha. Sua barba, curta mas áspera, raspava no meu rosto, numa sensação que era ao mesmo tempo desconfortável e excitante.

Uma das mãos dele guiava a minha, me fazendo masturbar seu pau com mais força, enquanto a outra, que antes estava na minha nuca, descia pelo meu corpo. Seus dedos exploravam minhas costas, minha cintura, meu quadril através do tecido da minha roupa.

Acelerei o movimento da mão que masturbava seu pau, sentindo a pulsação ainda mais forte contra minha mão.

Ele me olhou e num tom sugestivo pediu:

— Cai de boca! Meu pau quer sentir sua boquinha.

Quando me abaixei, ele soltou minha mão, entendendo minha intenção. Olhei para cima por um instante e me deparei com seu olhar penetrante, carregado de desejo — um olhar que pedia, que puxava, que ordenava sem dizer uma palavra.

O cheiro do pau dele era intenso e masculino, um aroma que me excitava ainda mais. Abri a boca lentamente, deixando a ponta da língua tocar a cabeça já vermelha e inchada de tesão. A sensação era quente, salgada, deliciosamente real. Coloquei a cabeça dele completamente na boca e chupei com devoção, envolvendo-a com os lábios e usando a língua para circular a região mais sensível.

— Isso! Mama gostoso! Ele falava sussurrando.

O gosto era bom — suor, pele e puro prazer. Tudo aquilo me levava a um estado de êxtase, e minha experiência em chupar pau falou mais alto. Alternava entre sugar com força e deslizar os lábios até a base, fazendo ele gemer baixo, num som rouco e que saía do fundo da garganta. Minha boca trabalhava com confiança, e meus olhos se fechavam a cada momento em que eu sentia ele tremer.

E então, ele foi forçando minha cabeça para baixo, gentil no início, mas com uma pressão que deixava claro seu desejo. Engasguei por um segundo por conta da intensidade, mas devido a minha experiência, logo consegui colocar tudo na minha boca e com ele todo na boca, eu sentia os pentelhos aparados dele esfregando contra meus lábios, a textura áspera contrastando com a pele lisa e sensível do seu pau.

Ainda com a boca cheia dele, a realidade veio como um jato de água fria: Erick e os outros poderiam aparecer a qualquer momento, querendo ir embora. Num ato de prudência — ou desespero —, parei de chupá-lo, ofegante, e soltei seu pau com um pop audível.

— Preciso que você goze agora — pedi, a voz rouca e urgente. — Senão vão nos encontrar aqui.

Mas ele balançou a cabeça, os olhos escuros fixos nos meus.

— Não vou gozar assim não. — Ele falou baixo, mas firme. — Eu vou te comer. Não saio daqui sem meter nesse seu cu.

— Mas… não seria melhor a gente trocar uma ideia depois? Pegar seu WhatsApp e marcar algo com calma? — sugeri, ainda tentando ganhar tempo.

Ele riu baixo, um som grave que ecoou no carro.

— Não. Você é gostoso demais pra eu deixar passar. Quero agora.

— Meus amigos podem aparecer a qualquer momento, juro — insisti, quase suplicando.

Ele me olhou por um segundo, como se medisse minha sinceridade. Então, de repente, puxou minha cabeça de volta para o seu colo.

— Deixa eu pensar — ele ordenou, enquanto eu, quase por instinto, voltava a chupá-lo, envolvendo aquela pica dura com meus lábios outra vez.

Eu o mamava, e ele ficava ali, com a mão na minha nuca, os dedos enterrados no meu cabelo, pensando. Ou fingindo que pensava. O som da minha boca trabalhando nele era a única coisa que quebrava o silêncio.

Depois de um minuto, ele puxou meu cabelo pra trás, fazendo eu olhar para cima. Seu pau ainda estava na minha boca, e eu o encarava, lambuzado e submisso.

— Você quer me dar? — ele perguntou, direto, sem rodeios.

Sem tirar seu pau completamente da boca, eu balancei a cabeça afirmativamente, os olhos fixos nos dele. Um sim claro, mesmo com a boca ocupada.

Ele sorriu, satisfeito.

— Então eu vou dar um jeito. — Ele se ajustou, puxando a calça para cima e guardando aquela pica ainda latejante e dura, que agora marcava obscenamente o tecido.

Antes que eu pudesse responder ou me recompor, ele abriu a porta e saiu do carro, deixando-me sozinho, ofegante, com o gosto dele ainda na minha boca e a promessa — ou a ameaça — do que ainda estava por vir.

A cena que se desenrolou foi louco. Lá fora, sob a luz amarelada do poste, eu vi Henri caminhar até a guarita na entrada do estacionamento. Havia um funcionário ali, um cara mais velho com cara de quem já tinha visto de tudo. Henri gesticulou, conversou com ele, apontou na direção do carro do Erick. Vi uma negociação rápida, um aceno de cabeça, e então Henri abriu a carteira, tirou uma nota e entregou ao homem.

Quando voltou, seu rosto era uma mistura de exasperação e tesão.
—E aí, tem camisinha ou vai ser no pêlo?

—Camisinha — respondi quase num reflexo, a voz ainda um pouco rouca. — Sem camisinha não rola.

—Será que teu amigo não tem uma aí no porta-luvas?— perguntou ele.

Abri o compartimento.Revirei — nada além de um monte de papel uma flanela, um carregador de celular e um pacote de bala de hortelã.
Ele soltou um som de indignação:

— O cara tá vendendo uma camisinha por dez conto! Caraí! Coisa que no postinho de saúde é de graça.

Deu as costas, andou de volta até a guarita e, depois de mais uns segundos de conversa, voltou. Dessa vez, o ar safado estava estampado no rosto dele, em suas mão uma embalagem de camisinha.

— Seguinte — ele começou, se aproximando de mim. — Você quer me dar e eu quero te comer. O dinheiro que eu ia usar pra te levar naquele motel, usei pra pagar o cara ali. Ele vai fazer vista grossa. Aqui não tem câmera, e como você está achando que seus amigos podem aparecer a qualquer momento … então vamos ao que interessa. Porque se eles aparecerem agora, eu não vou parar de meter nesse rabo.

Eu ri, meio sem ar, imaginando a cena absurda e, ao mesmo tempo, excitado pela ousadia crua dele.

Ele abriu a porta do carro onde eu ainda estava sentado. Em pé, do lado de fora, ele desceu o zíper e ofereceu o pau novamente, já meia bomba e ansioso.

— Chupa! — ordenou, e sua voz tinha uma urgência que não dava margem para hesitação.

Nem precisei sair do carro. Inclinei-me para frente, abocanhei aquela pica com a boca, sentindo o gosto familiar dele outra vez, junto com a textura salgada e quente. Dessa vez, era rápido — eu sabia que era só um aquecimento, uma forma de deixá-lo ainda mais duro para o que viria a seguir. Minha língua trabalhou em círculos rápidos na cabeça, e meus olhos encontravam os dele enquanto eu o mamava ali, na porta aberta do carro, sob o olhar dele sobre mim.

Ele segurou meu cabelo com firmeza, puxando minha cabeça para trás com uma mistura de possessividade e desejo. O pau escorregou da minha boca com um pop úmido.

— Tira a calça e a cueca — ordenou, a voz rouca e carregada de autoridade. — Agora.

Eu me mexi rapidamente, quase tropeçando no espaço apertado do carro, abaixando a calça e a cueca até os joelhos. Quando minha bunda ficou exposta, senti o ar frio do carro contra a pele, seguido pelo calor do olhar dele.

— Caralho... — ele sussurrou, quase para si mesmo. Sua mão deslizou pela minha curva, alisando a pele com uma admiração que fez eu me arrepiar todo. — Que bunda linda.

— Vai ficar de quatro! — ele comandou, dando um tapa leve na minha nádega. — Empina gostoso pra eu entrar.

Não houve hesitação. Me posicionei de joelhos no banco do passageiro, dobrando meu corpo para frente até apoiar as mãos no banco do motorista. Arqueei as costas, empinando deliberadamente, e usei minhas próprias mãos para abrir as nádegas, me expondo completamente para ele.

— Ficar com você e não fuder essa bunda é um pecado — ele rosnou, e eu senti seu cuspe quente e molhado sendo cuspido diretamente no meu buraco. Seus dedos esfregaram a saliva, espalhando-a de forma primitiva e eficiente.

Então veio a pressão. A cabecinha do pau dele, latejante e encharcada de saliva e do seu próprio lubrificante, pressionou contra a entrada. Ele pressionou por três vezes, firme, insistente, até que na quarta a cabeça afundou, cedendo e entrando de uma vez com um gemido abafado meu.

Ele ficou parado por um instante, só a cabecinha dentro, fazendo um movimento suave e circular que me fez tremer. A necessidade era tanta que eu comecei a rebolar sozinho, implorando por mais, fazendo com que seu pau entrasse centímetro após centímetro.

— Isso, rebola, seu safado — ele encorajou, e então começou a socar forte.

Cada investida era mais profunda que a anterior. Eu mordia meu próprio braço para abafar os gritos, me controlando para não fazer barulho.

— Pode gemer — ele sussurrou, dando outro tapa na minha bunda, desta vez mais forte. — Mas geme baixo. A música lá de fora abafa.

Libertei os gemidos, sons roucos de prazer. Quando eu passava do ponto, gemendo alto demais, sua mão grande e áspera tampava minha boca com força.

— Isso — ele rosnava no meu ouvido, seu hálito quente contra meu pescoço. — Geme, seu safado. Geme enquanto eu meto no teu cu.

E eu gemi pela loucura daquela situação, enquanto ele me fodia com uma intensidade que fazia o carro inteiro balançar, seu corpo batendo contra o meu em um ritmo primal e incontrolável.

Até luz forte de uma lanterna piscou por várias vezes em nossa direção, cortando a penumbra do estacionamento e iluminando nossos corpos enlaçados num quadro de pura indecência. Era o segurança da guarita, dando um sinal que alguém estava se aproximando.

Henri parou bruscamente as estocadas, mas não tirou o pau de dentro de mim. Ficou imóvel, ainda por cima de mim, seu corpo todo suado, a calça arriada no chão. Ele estava do lado de fora, em pé, segurando minha cintura com uma das mãos, enquanto a outra se apoiava no teto do carro. Eu conseguia ouvir sua respiração ofegante, o coração batendo forte contra minhas costas, e o latejar do pau ainda enterrado em mim.

Dois homens que pareciam estar um pouco bêbados, entraram no estacionamento de mãos dadas. Pararam por um instante, olhando para a cena — o carro com as portas abertas, e Henri engatado em mim, sem camisa, com a respiração ainda pesada. Era óbvio, íntimo e brutalmente claro o que estávamos fazendo.

Um deles arregalou os olhos, mas o outro só segurou mais firme a mão do companheiro e começou a caminhar, desviando o olhar.

— O que foi? — Henri rosnou, sua voz grossa e desafiadora, sem um pingo de vergonha. — Nunca viu uma foda? Tomar no cu!

O homem que havia olhado parou e revirou os olhos, mas foi o seu acompanhante quem respondeu, num tom surpreendentemente debochado:

— Relaxa, amigo. Pode ficar tranquilo que a gente veio foder no carro também. — Ele deu uma piscada e puxou o outro pelo braço. — Vou fuder o meu puto agora mesmo.

O que estava com ele resmungou, corado:

— Pô, não precisa explanar tudo…

— Eu tô mentindo? — o primeiro retrucou, rindo, e ambos seguiram caminho, sumindo entre os carros estacionados.

Henri soltou uma risada baixa, abafada, quase um rosnado de satisfação. Sua mão deixou minha cintura e ele se afastou o suficiente para puxar o pau para fora — lento, me fazendo sentir cada centímetro da saída. Eu gemi baixo, vazio de repente.

Ouvi o som dele cuspindo na mão e batendo uma punheta rápida e molhada, os olhos fixos em mim, na minha bunda ainda empinada e aberta.

— Agora não é só você que vai levar pica não — ele disse, e sua voz tinha um tom de provocação e promessa. — Vou te foder até você não aguentar mais, até aqueles dois aí ouvirem você gemer.

E então, sem nenhuma cerimônia, ele se posicionou de novo atrás de mim e penetrou de uma vez, mais profundo e mais rápido que antes, como se a interrupção só tivesse deixado ele com mais tesão. E dessa vez, nem me avisou para gemer baixo.

Segurando minha cintura com força, ele metia sem piedade. Cada metida era mais profunda que a anterior, um ritmo brutal que alternava entre socadas rápidas e enfiadas lentas e torturantes, me fazendo gemer e suplicar por mais. Comecei a me masturbar freneticamente, sentindo o orgasmo se aproximando como uma onda incontrolável.

De repente, ele parou. Olhei para trás e vi seu sorriso satisfeito, mas foi interrompido pelos gemidos altos do outro carro — claramente, o casal não se preocupava em disfarçar. Henri não perdeu tempo: puxou-me para o banco de trás, sentou-se e me guiou para sentar de frente nele. Sua pica entrou facilmente, e eu comecei a mover-me lentamente, para cima e para baixo, sentindo cada centímetro dentro de mim enquanto nossos corpos se encontravam em um beijo molhado e desesperado.

— Tu já veio com a intenção de dar hoje? — ele perguntou, entre um gemido e outro.

— Não… vim só acompanhar meus amigos — respondi, ofegante. — E você?

— Pô, sou do tipo que não faz planos… Mas o que vier é lucro. E você… tá gostando de levar pica, não tá?

Balancei a cabeça, concordando, fechando os olhos de prazer quando ele guiou meu quadril com mais força.

— Então rebola e quica com vontade, puto.

Virei de costas para ele, apoiando-me no banco da frente, e sentei com força, rebolando conforme ele pedia. Cada movimento era um misto de dor e prazer, e eu me sentia desejado, vulgar, mas completamente entregue. Ele começou a respirar pesado, seus dedos cravando na minha cintura, e eu soube que ele estava perto de gozar. Ele gozou dentro de mim com um gemido alto e prolongado, e eu não aguentei — gozei logo em seguida, jorrando por entre os dedos ainda trêmulos.

Ficamos mais uns instantes ali, eu ainda sentado sobre ele, ofegantes, enquanto a realidade aos poucos voltava a ocupar o espaço que o tesão havia tomado. Quando me levantei, a visão foi deprimente: meus jatos de porra haviam sujado o banco e o console do carro do Erick. Ele ia falar um monte, com certeza.

Henri tirou a camisinha, amarrou rápido e jogou num canto qualquer do assoalho.
—Porra! Você não brinca em serviço, não — ele disse, enquanto me admirava e se arrumava.

—Nem você, nem ele — retruquei, olhando para o pau dele, ainda meia bomba.

Ele riu, sacudindo a cabeça, e foi logo vestindo a camisa e puxando a calça jeans antes de sair do carro. Fiz o mesmo, me sentindo meio desmontado e melado. Antes de sair do carro peguei a flanela e tratei de limpar a porra de Henri.

Decidimos voltar para a boate, mas no caminho, passamos pelo outro carro. A cena era ainda mais explícita agora: o passivo debruçado na porta aberta, o ativo metendo com força, os gemidos altos e sem vergonha. O vidro aberto deixava tudo ainda mais público.

Henri deu um sorriso largo e sacano e gritou:
—Mete tudo nesse viado! Bota ele pra chorar na pica!

Ouviu-se uma risada rouca de dentro do carro, e o ativo respondeu, sem parar o movimento:
—Pode crer, mano! — e depois, para o parceiro: — Aguenta essa tora!

Passamos pela guarita, e Henri acenou para o funcionário.

—Valeu, chefia! — disse.

O cara apenas acenou de volta com um queixo,mas antes de virarmos a esquina em direção à boate, ele olhou direto para mim e soltou:
—Disponha! Quando quiser, é só aparecer.

Sorri, sem graça, sentindo um certo constrangimento, e seguimos caminho, o som da batida da boate crescendo a cada passo, enquanto eu tentava me preparar para encarar o Erick e meus amigos de novo.

Antes de entrarmos na boate, Henri me perguntou se eu queria o número dele, para quem sabe a gente repetir a experiência no futuro. Ele passou o contato, eu salvei na hora. Ele me deu um abraço rápido e disse, num tom sincero, que tinha curtido muito. Entramos, mas antes de me reunir com Erick e Breno, resolvi passar no banheiro para urinar e dar uma olhada no espelho. Henri foi comigo.

Quando saímos do banheiro, caminhamos até onde Erick e Breno estavam. Henri deu um tapinha nas costas do Erick e anunciou:
—Tá entregue, chefia.
Se despediu com um aceno e sumiu no meio da multidão.

Erick me olhou com aquele sorriso maroto.
—Nem precisa falar que você deu pra ele, porque sua cara entrega tudo. Agora, cadê a bicha do Felipe pra gente ir embora?

— Pra mim, ele tá naquele matagal — Breno especulou.

— Será? — duvidou Erick. — Daqui a pouco ele aparece.

Breno foi ao bar e voltou com a sua rodada de cerveja. Eu estava precisando: bebi a minha de um gole só.

Poucos minutos depois, Felipe apareceu com o branquinho.

— Onde você tava? Já ia deixar você pra trás! — Erick brincou.

— A gente tava por aí — ele explicou, sem dar muitos detalhes.

— Então vamos embora! — Erick ordenou.

Ninguém reclamou. Felipe dispensou o cara com um beijo, e seguimos rumo ao estacionamento. Ao passar perto do segurança da guarita, ele me lançou aquele olhar de quem sabia de tudo. Sorri de volta, sem graça.

Quando entramos no carro, a zueira foi instantânea.
—Tá cheirando a sexo aqui dentro, gente — Erick falou, rindo.

Os meninos entraram na pilha. Assumi de cara:
—Dei, e foi gostoso! — e expliquei sobre o acordo com o homem da guarita.

Erick virou para o Felipe:
—E você, onde fez a arte?

Felipe soltou um sorriso largo, sem vergonha nenhuma.

—Fui duas vezes com o branquinho no banheiro. A primeira vez foi só um boquete, rápido mesmo. Mas na segunda... pô, na segunda a gente fez tudo. A cabine era apertada pra caralho, mas deu pra fuder gostoso mesmo assim — ele contou, orgulhoso.

— Safadinho! — eu elogiei, rindo.

— Você não viu nada. Eu não nego fogo! — E então, mirando Breno e Erick, perguntou: — E vocês?

— A gente não é desesperado por sexo, tampouco tá no cio — justificou Erick, rindo.

— Mas deixa a gente chegar na sua casa que você vai ver — Breno completou, olhando para Erick. — O que é teu, tá guardado.

— Eu gosto assim! — Erick finalizou.

Quando chegamos à casa do Erick, ele já foi nos mostrando os cômodos.

— Renato e Felipe, vocês vão ficar aqui nesse quarto de visita. Na verdade, é o quarto que montei pra minha tia vir me visitar — explicou, abrindo a porta de um cômodo compacto mas aconchegante. — Como podem ver, é pequeno, mas a cama é de casal, tem ventilador pra amenizar o calor. Travesseiros e roupa de cama estão no guarda-roupa. — Apontou para o banheiro: — Toalhas tão ali, se quiserem tomar banho. Fiquem à vontade. Na geladeira tem suco, frutas, e biscoito no armário.

E então, sem mais delongas, pegou a mão do Breno e anunciou, o dono do pedaço:
— Agora, vamos.

Eles foram em direção ao quarto, e Breno soltou um último comentário antes de fechar a porta:

— Por favor, não incomodem. Estaremos ocupados. Só apareçam se quiserem participar.

Olhei para o Felipe e disse:
— Eu não sei você, mas eu vou tomar um banho. É legal ir na boate, mas a gente sai de lá fedendo a cigarro, mesmo sem fumar. E outra, o boy me fez suar hoje.

— Vai, depois eu vou — ele respondeu. — Vou aproveitar e ver o que tem naquela geladeira. Tô com fome. Quer alguma coisa?

— Também quero. O que for fazer pra você, faça pra mim também. —Pedi.

Fui para o banheiro, tomei um banho rápido. Quando saí, estava apenas de cueca, segurando minhas roupas e a toalha molhada.

Felipe me olhou dos pés à cabeça, mas não comentou nada. Disse apenas que tinha encontrado requeijão e passou em biscoitos que deixou na mesa para eu comer — e ainda achou um suco de goiaba na geladeira.

Ele, sem pudor algum, tirou a roupa na minha frente e saiu pelado em direção ao banheiro. E tinha um corpo bonito: bunda redondinha, cintura fina, pernas firmes. Não sabia se era resultado da capoeira que praticava ou da atividade sexual frequente. Agora entendia por que quem passava por ele sempre queria mais.

Enquanto Felipe tomava banho, eu comia os biscoitos com requeijão na cozinha. Mandei mensagem para meu pai dizendo que iria dormir na casa do Erick. Foi quando ouvi gemidos. Prestei atenção: eram Erick e Breno. Pelo que dava pra perceber, Breno estava no comando.

Ouvi Erick gemer e dizer:
— Aiiiin… Vai devagar! Ainnn…

— Geme baixo, porra! Eles vão escutar, caralho! — Breno respondeu, tentando disfarçar.

— Eles que se fodam… Aí… que gostoso! Já garantiram a foda deles, agora é minha vez… — Erick retrucou, já sem filtro.

— Então toma!

Nesse momento, Felipe saiu do banheiro rindo, ainda se enxugando.
— A coisa tá boa lá dentro, hein? — disse, com um sorriso de deboche.

Terminei de comer e, ao invés de irmos para o quarto, resolvemos ficar na sala — era impossível não escutar a transa alheia.

Ficamos ali, ouvindo uma sequência de gemidos, barulhos da cama e frases soltas de putaria que deixavam claro que os dois estavam longe de economizar energia.

Felipe olhou pra mim e sussurrou:
— Pelo menos tão se divertindo. E a gente aqui, de plateia.

Sorri, abanando a cabeça.
— Melhor que TV.

E assim ficamos, no escurinho da sala, ouvindo o som de uma noite que ainda não tinha acabado — e rindo baixinho de algumas frases que ouvimos.

Escutamos o Breno soltar um urro abafado. Felipe olhou pra mim com um sorriso maroto:
— Gozaram!

E de fato, depois de alguns gemidos finais, veio um silêncio, quebrado apenas por uma conversa baixa e ofegante que durou alguns minutos — até que o apartamento ficou em completo silêncio.

— Devem ter apagado — sussurrei para o Felipe.
— Com certeza — ele concordou.

Ficamos ali na sala, mexendo no celular por um tempo, até que a porta do quarto do Erick se abriu. Breno saiu, pelado, o corpo todo brilhando de suor, com a pica ainda meia dura balançando enquanto caminhava em direção à cozinha. Ele nem nos viu — provavelmente esperava que já estivéssemos no quarto.

Minutos depois, Erick também apareceu, igualmente pelado, com o pau numa mole que mesmo assim impressionava. Diferente do Breno, ele nos enxergou ali no sofá. Levou um susto:
— Aí, que susto, porra! O que vocês ainda fazem aí?

— A gente tava sem sono — expliquei. — Viemos pra cá comer alguma coisa e queríamos ver tv mas não encontramos o controle.

Nesse momento, Breno voltou da cozinha tomando um copo d’água, com uma naturalidade total, como se ficar pelado pela casa fosse a coisa mais normal do mundo.
— Vocês estão aí? nem vi vocês. — perguntou, sem cerimônia.

— Estão, né! — respondeu Erick, já sem paciência. — Mas já vão pro quarto, palhaçada.

Reparei que o Felipe não tirava os olhos do pau do Breno.

Breno pareceu notar e ainda piscou pra gente enquanto bebia o resto d'água que havia em seu copo:

— Vai beber água, Erick! Pois já tem mais um round vindo.

— Pô, calma aí — Erick deu uma risada misturada com queixa. — Assim você acaba comigo.

Antes de ir beber água, Erick apontou pra gente:
— E vocês dois: quarto. Agora.

Levantamos e, assim que fechamos a porta do quarto de visita, o Felipe se aproximou e sussurrou, excitado:
— Cara, você viu o tamanho da pica deles? E a do Breno que não amolece nunca?

— Já tinha visto a do Breno uma vez — expliquei baixo. — Ele comeu o Dinei na casa onde morava. Mas a do Erick, mesmo meia-bomba, é grande mesmo… Agora para de pensar em pica e vamos dormir.

E tentamos. Mas não deu muito certo.

Porque logo veio do quarto ao lado a segunda rodada da pegação entre Breno e Erick ainda mais alta e intensa:
— Isso, fode gostoso! Acaba com o negão aqui… Ainnn… Ainnn…

— Agora aguenta! Você quem provocou a noite toda — era a voz de Breno, firme. — Me provocou, agora toma!

Ouviu-se um tapa forte, seguido por um gemido longo e rouco do Erick.

Felipe e eu nos olhamos no escuro, tentando não dar risada.
— Vai ser longa a noite — ele murmurou.

— Longa e barulhenta — concordei, virando de lado na cama.

Não sei quanto tempo eu e Felipe ficamos acordados ouvindo os gemidos do quarto ao lado, mas em um determinado momento, virei de lado e apaguei.

Acordo por volta das oito da manhã e a cama ao lado está vazia. Ouço vozes baixas e o som da TV vindo da sala. Decido me levantar, ver o que se passa e preparar um café reforçado — aqueles biscoitos com requeijão da madrugada não haviam sustentado muito.

Quando abro a porta do quarto, a cena na sala me faz congelar por um instante. Breno e Felipe estão no sofá, completamente entregues ao momento. Felipe está de quatro, com Breno por trás, metendo com um ritmo constante enquanto Felipe geme baixo, afundando o rosto no encosto do sofá.

Percebendo que seria melhor não interromper, recuo com cuidado e fecho a porta silenciosamente, deixando-os em sua intimidade.

Deito novamente na cama e fico mexendo no celular, tentando me distrair enquanto o tempo passa. Por um momento, me pego pensando: Cadê o Erick? Será que ainda está dormindo?

Recebo uma mensagem da minha mãe:
"Vai almoçar em aqui casa ou na casa dos amigos?"

Respondo:
”Sim mãe! Almoçarei com vocês, chego no máximo às 12h30.”

Logo depois vejo a mensagem que Drielle tinha me mandado de madrugada quando avisando que chegou em casa

Ao navegar pelas redes sociais, vejo que o Anderson curtiu uma foto em que estou com meus amigos na balada.
Sinto uma pontada de saudade misturada com aquela impotência de saber que tivemos algo real, mas que se perdeu no caminho.

Vi que havia uma mensagem na minha DM e, quando fui ver, era dele, enviada no meio da madrugada. Dizia o seguinte:

“Não sei se você vai entender o que eu vou te dizer, mas, basicamente, te ver naquela boate com seus amigos me despertou uma mistura de sentimentos. Foi bom te ver feliz, cercada pelos seus. No entanto, preciso admitir: senti raiva de mim mesmo ao perceber que fui eu quem acabou com tudo. Renato, eu te amo, cara!”

Não demora muito e a porta do quarto se abre. Felipe entra, já de banho tomado, enrolado na toalha.
— Nossa, já acordou? — pergunta, surpreso.
— Sim — respondo, sem rodeios. — E quando fui tomar café, vi você e o Breno se pegando no sofá.

Ele sorriu, sem qualquer constrangimento.
— Como eu te falei: não nego fogo.

Levanto da cama.
— Vou aproveitar que o "fogo" apagou e tomar um café… isso se tiver, né?
— Vai lá — ele diz. — Daqui a pouco eu também vou.

Na cozinha, não havia café pronto. Só o resto do suco de goiaba que eu tinha bebido na noite anterior. Comecei a procurar o pó de café no armário até encontrar um pote quase cheio. Coloquei a água para esquentar e, quando estava coando, Erick apareceu na cozinha.

— O cheiro do café tá maravilhoso — comentou, com uma voz ainda rouca de sono.

— Foi mal, Erick, tomei a liberdade de fazer…— Expliquei.

— Renato, relaxa — ele cortou, sentando à mesa. — Você tá em casa.

Coloquei a garrafa de café na mesa e sentei próximo a ele. Erick logo puxou assunto:
— Bicha… O Breno acabou comigo ontem! Pensa em duas fodas boas!

Eu ri.
— Pelo visto não acabou só com você não. O Breno é safado mesmo. Até me surpreendeu ele ter animado, ainda mais depois do término.

Erick deu uma gargalhada. Nesse momento, Felipe entrou na cozinha e se serviu de café.
— O que você viu? — perguntou Erick, com um sorriso maroto.

Antes que eu respondesse, Erick gritou em direção ao corredor:
— Breeno! Vem tomar café!

Segundos depois, Breno apareceu na porta da cozinha, descabelado, vestindo apenas uma cueca box pendurada abaixo do quadril — parte dos pelos pubianos à mostra —, com uma cara de ressaca e completamente acabado.
— Bom dia… — murmurou, Já sentando na mesa.

Olhei pra ele e não resisti:
— Pelo amor de Santo Macho, Breno! O que esses dois fizeram com você?

Ele esboçou um sorriso cansado, encostou na mesa e solou:
— Me deram surra de cu…. eu dei surra de pica. Não sei mais, só sei que tirei o atraso.

— Também, né? — Erick levantou as mãos, como quem se entrega. — Me comeu duas vezes de madrugada, aí de manhã ainda me acordou querendo boquete. Tá fácil?

Breno deu uma risada gostosa, cutucando Erick com o cotovelo:
— Proteína logo pela manhã! E você, hein? Me atiçou a noite toda na boate. Quer que eu conte pra ele que você me disse no ouvido lá boate?

— Melhor não! — Erick respondeu, corando um pouco, mas ainda sorrindo.

— Mas no fundo você adorou — Breno insistiu, piscando para mim. — E deu conta do recado direitinho. Agora, já que o assunto tá na mesa, conta o resto. O Renato não sabe tudo ainda.

— Ele já sabe — Erick encolheu os ombros.

— Sabe? — Breno virou para mim, surpreso.

— Sei sim — confirmei, rindo baixo.

Felipe, quieto no canto, só observava a conversa com um sorriso maroto.

— O que você sabe, exatamente? — Breno inclinou-se para frente, curioso.

— Eu… sem querer, flagrei você e o Felipe no sofá hoje cedo.

Breno soltou uma gargalhada, mas logo emendou, olhando para Erick:
— Mas ele não sabe tudo. Conta o resto da parada.

Erick respirou fundo, como se encenando um drama:
— Tá bem, tá bem. De madrugada, levantei para ir ao banheiro e encontrei esse aqui — apontou para Felipe — de bruços no sofá, dormindo ou fingindo que dormia. Perguntei o que ele estava fazendo ali, e ele confessou que tinha vindo para a sala para aliviar o tesão, já que ouviu eu e Breno transando e ficou excitado. Disse que não teve coragem de bater uma ao seu lado no quarto. Aí eu vi a carinha de safado dele, mordendo os lábios, e percebi a deixa. Fui lá no quarto, expliquei pro Breno, peguei uma camisinha e… bem, o resto é história. Nos pegamos ali mesmo, no escuro.

Olhei para os três, um de cada vez, todos com um sorriso contido, tentando não rir.
— Deixa eu ver se entendi: depois de ser acordado pelo Breno e fazer um boquete nele, você veio pra sala, comeu o Felipe, e aí o Breno veio e comeu ele também?

— Exatamente! — Erick confirmou, orgulhoso.

— E eu achando que eu era o ousado — comentei, balançando a cabeça.

— Pô, Renato! — Breno entrou na defesa. — Quando o Erick voltou pro quarto e me contou que tinha comido o Felipe, e ainda disse para mim acabar o serviço que o cara tava me querendo, eu não pensei duas vezes. Pedi uma camisinha e fui pra cima. Só não levei ele pro quarto porque o Felipe disse que não aguentava dois de uma vez. Senão, a gente ainda tava lá trancado.

Virei para Felipe, rindo:
— Felipe… quem te viu, quem te vê!

— Ei, me julguem não, gente — ele levantou as mãos, dramático. — Em nenhum momento eu disse que era santo.

— Santo você não é! — retruquei. — Você deu pra três caras em menos de doze horas. Isso te coloca em outra categoria, amigo.

— Mas vamos ser sinceros — Erick interveio, equilibrando o clima. — Ninguém aqui é dono da razão. Todo mundo transou nesse fim de semana. Ninguém sai reclamando.

— A noite foi maravilhosa — admiti, levantando-me. — Mas gente, minha mãe tá me esperando para o almoço. Se vocês quiserem continuar a putaria, fiquem à vontade.

— Você tá louco, Renato? — Erick respondeu, rindo. — Não aguento mais não, tá doendo até sentar. Mas faço questão de levar todo mundo pra casa.

Rimos todos, e o clima ficou leve, descontraído.

— Bom, gente — digo, olhando para o relógio. — Minha mãe realmente deve estar me esperando. Melhor eu ir me arrumando.

Levantamos todos quase que instantâneamente e fomos nos arrumar.

Lá no quarto enquanto Felipe veste sua roupa, ele se aproxima de mim e diz baixinho:
—Valeu por não fazer um escarcéu, Renato. Você é febre boa mesmo.

— Ah, para — respondo, dando um leve soco no braço dele. — isso daí é só mais um capítulo.

— Um capítulo quente — ele completa, rindo.

Alguns minutos depois, estamos todos nos arrumando — cada um com suas roupas amassadas da noite anterior, mas com um ar de satisfação estampado no rosto. Erick pega as chaves do carro, e nós o seguimos até a garagem.

O sol do meio-dia bate forte lá fora, um contraste gritante com a atmosfera noturna que havíamos deixado para trás. Enquanto entramos no carro, não pude deixar de pensar que, por mais caótica que tenha sido, aquela noite e aquela manhã — seriam lembradas com um sorriso por muito tempo.

Erick liga o carro e olha para todos pelo retrovisor.
—Prontos? A próxima parada é a casa de Renato.

Breno, no banco do passageiro, virou-se para trás com um sorriso maroto:
— E quem sabe a gente não marca uma repetição para fim de semana?

Erick deu uma risada, dirigindo com uma mão só no volante:
— É um caso a ser pensado. Mas com intervalo pra recuperação, hein?

Eu levantei a mão, fingindo seriedade:
— Olha, me descartem desse rolê. Adorei a aventura, mas não tô afim de virar marmita de amigos.

Felipe fez uma carinha de pena, mas confessou:
— Pra mim também é complicado. Além de tudo, ainda tenho o André e o Naldo pra dar conta lá na zona leste. A agenda está lotada.

— Uma pena — lamentou Breno, dramático. — Porque a putaria valeu cada minuto. — Ele então olhou para mim e acrescentou: — Quanto a você, Renato, a gente arruma um cara especial pra ti. Alguém que preste.

Olhei para ele com um olhar sarcástico e revirei os olhos:
— Meu amor, eu sou seletivo. Tem que ter um tempero especial. E paciência. Dois ingredientes que nem todo mundo tem.

Não demorou muito, e fui deixado em casa. O carro do Erick parou em frente ao meu portão, e eu desci sob o sol quente do meio-dia.

— Valeu, gente! — disse, fechando a porta. — Até a próxima, com menos surra de pica e mais café da manhã.

Erick deu uma buzininha de despedida, e eu entrei em casa.

O almoço foi surpreendentemente aconchegante. Minha mãe havia feito uma lasanha de frango com queijo derretido, acompanhada de uma salada caprese e arroz branco — aquele tipo de refeição que gruda na alma. Enquanto saboreava cada garfada, meus pais comentavam sobre o churrasco da noite anterior, falaram que de longe essa foi uma das melhores sociais que a gente já fez, falou que logo cedo Mauro veio se desculpar por ter bebido além da conta. Eu só ouvia, dando risadas e acrescentando algum detalhe aqui e ali. Porém quando me perguntaram como foi a minha balada, só disse que a gente se acabou de tanto dançar e que ficamos pouco por lá.

Depois, subi para o meu quarto e simplesmente desabei. Dormi a tarde toda, um sono pesado e reparador, e só acordei quando já estava escuro lá fora.

Decido tomar um banho daqueles que faz a gente esquecer a vida — água quente, vapor e uns dez minutos de pura terapia. Saio de lá renovado, visto meu pijama mais confortável e deito na cama com o celular na mão. Crio uma ligação em grupo e adiciono Gil e Breno.

Gil atende já bolado:
— Vocês dois me deixaram na mão! Saíram pra boate e nem me chamaram?

Breno entra na defensiva, rindo:
— Relaxa, Gil! A ideia foi do Erick, e você sabe muito bem que, mesmo se a gente tivesse te convidado, você ia dar desculpa por causa do seu macho. Afinal ele tinha jogo hoje, não tinha?

Gil admite, e então mergulhamos nos detalhes da noite. Contamos tudo — desde a dança, as conversas, os flertes, até as cenas quentes no estacionamento e na casa do Erick. Quando mencionamos que o Breno finalmente superou o Dinei, a voz do Gil muda de tom:
— Isso aí, irmão! Tudo tem seu tempo mesmo. Tava na hora de virar a página.

Mas e ao falar do Felipe — que ficou com o cara da boate, com o Erick e com o Breno — que ele quase engasga:
— A bicha deve ter nem pregas depois dessa noite!

Breno defende o peguete com um sorriso na voz:
— Pregas ele tem ! O cara é gostoso, Gil. E soube aproveitar.

Então, Gil me lança a pergunta:
— E você, Renato? Tá de boa?

— Sim, ué. Por que não estaria? — devolvo, sem dar muito espaço.

— Nada não — ele responde, e dá pra sentir o sorriso por trás da linha.

Nos despedimos e encerramos a chamada.

Pouco depois, meu pai me chama para a sala:
— Vamos pedir um pizza, Renato? Alguma sugestão de sabor. Sua mãe merece descanso hoje.

Meia portuguesa e meia calabresa com bastante cebola.

Quando a pizza foi entregue, nos instalamos no sofá da sala, com um filme leve passando na TV. Enquanto comíamos, conversamos sobre coisas simples do nossa rotina, como trabalho, nossas família, rimos muito das pegadinhas que passavam, daquelas que deixam a gente com lágrima no canto do olho. Foi um tempo gostoso, daqueles que aquece e aproxima, sem pressa ou complicação.

Quando acabamos, ajudei com o lixo, dei um abraço neles e fui para o quarto. O cansaço físico e emocional da noite anterior finalmente me alcançou por completo. Deitei na cama e adormeci quase instantaneamente — sem barulho, sem interrupções, apenas o silêncio acolhedor do meu cantinho.

Acordo na segunda-feira mais cedo que o normal — acho que a soneca que tirei no domingo à tarde foi a causa. Me arrumo e, já pronto, fico deitado na cama esperando a hora de ir trabalhar.
E então, entre um pensamento e outro, me veio à cabeça a imagem do Anderson. É algo que não controlo: ainda penso nele.
A raiva do que aconteceu entre a gente volta como uma fisgada. Até a ficada com o Henri na boate, pra ser sincero, foi mais uma tentativa de extravasar essa frustração.
Será que deu certo? Não. Mas pelo menos foi bom — o Henri sabia o que fazia.
Não sei se vou procurá-lo de novo. Pelo menos por agora, não tenho vontade de mandar mensagem. Foi aquilo: uma quentinha que esfriou rápido, e tá tudo bem.
O problema maior ainda era o Anderson.
O que será que ele fez depois da nossa última conversa? Será que tá saindo com mulheres mesmo, ou aquilo foi só uma recaída? Queria perguntar diretamente a ele, mas não vou correr atrás. Meu irmão até pode ter alguma informação, mas não quero mostrar que ainda me importo.

— Renato! O café tá pronto! — grita minha mãe lá de baixo.
Desço, tomo meu café com eles, abraço minha mãe e pego carona com meu pai até a contabilidade.

Ao chegar, a Luana já me avisa:
— O Pedro quer falar com a gente.
Pergunto se ela sabe o motivo.
— Acho que é sobre o fim de semana com o Manuel — deduzo.
Ela confirma com um olhar.

O dia foi produtivo, mas a apreensão ficou. No final da tarde, fomos chamados. Ao entrar, Luana já estava lá. Sento ao lado dela, e depois dos bons-dias, Pedro pergunta exatamente o que esperávamos:
— Como foram os dias com o Manuel por aqui?

Há um silêncio. Decido ser sincero:
— Vou falar por mim: não foi nada bom. Ele me pressionou o tempo todo, pedindo além do possível. Mesmo mostrando dados, provando que evoluímos, ele queria mais — muito além da meta que você estabeleceu.
Olho para a Luana, que confirma com um aceno discreto.
Eu insisti:

— Pedro, o Manuel não separa o pessoal do profissional. No sábado, ele me segurou depois do horário porque ficou magoado por não ser convidado para o churrasco da minha família. Dispensou todo mundo e me manteve aqui. Não sei qual a real intenção dele, respeito que é teu filho, mas toda vez que ele vim e ser assim, pra mim vai ser difícil. Aquela mudança que você esperava… eu não vi.

Pedro olha para Luana.
— É verdade, Pedro — ela diz. — O Manuel agiu assim. Saí um pouco tarde, mas o Renato ficou muito além.

Ele suspira e assume:
— Escutem, Manuel me pediu um voto de confiança. Quer provar que pode assumir a direção da empresa para que eu me aposente. Por isso vocês são meus olhos aqui. Peço que continuem me contando o que acontece. Renato, sei que é difícil, mas aguenta mais um pouco. Vou conversar com ele.

Quando Pedro mencionou a possibilidade de Manuel assumir a direção, me vi mentalmente sendo demitido na esquina.
— Sabe, Pedro, tenho um respeito enorme por você. Por isso engoli muita coisa. Mas o Manuel está afetando minha saúde mental. Nunca senti tanta vontade de faltar ao trabalho como nesses dias em que ele esteve aqui. Ele me esgota.

Pedro prometeu resolver e encerrou a conversa.
No corredor, comentei com a Luana, baixinho:
— Acho que meus dias aqui estão contados.
— O Pedro não é louco de te dispensar, Renato — ela disse, tentando acalmar.
— Mas o Manuel é — respondi, sem conseguir disfarçar a preocupação.

O silêncio da Luana depois da minha fala disse tudo: ela também enxergava aquela possibilidade, ainda que não quisesse admitir.

Voltamos às nossas funções, e quando deu o horário de ir para a faculdade, fui direto — dessa vez, sem passar pela sala do Pedro pra saber se ele precisava de algo.

Na faculdade, o trio inseparável não parava de trocar ideias. Na verdade, era tanto assunto acumulado que um dos professores nos chamou a atenção. Combinamos, então, de continuar a conversa depois da aula.

E foi numa praça perto dali que a gente se encontrou.

Erick não perdeu tempo:
— Drielle, eu trepei horrores nesse fim de semana! — e, virando para mim, completou: — Valeu, Renato, por ter me apresentado o Breno. Isso facilitou demais. Como sou versátil, me diverti à vontade. — Ele riu, discretamente. — Comecei a noite dando pro Breno , mas também comi o Felipe, pode crer.

Drielle ficou com a boca aberta:
— Eu não sei como vocês conseguem!

— Vocês nada — cortei. — Eles que transaram igual animais. Eu fiquei só com um.

Erick deu uma gargalhada:
— Ele deu pra um cara num estacionamento, Drielle! Mas olha, vou ser justo: no passado recente, você também se envolvia com dois caras ao mesmo tempo, né? O que rolou comigo foi exceção!

— E você não vem fazer cara de santa — completei, olhando para a Drielle. — Se não fosse eu ter ido com você no portão, o Thiagão teria entrado no carro do Max junto com vocês, e você teria dado lindamente pra dois. E convenhamos: ninguém vai pra motel só pela hidromassagem.

— É verdade! — Erick bateu na perna. — Conta logo! Como foi a noite com o gostoso?

Drielle soltou uma risada:
—Duvido que eu ia parar no motel com os dois! Mas o Max é um fofo. Super carinhoso, preocupa com o meu prazer… mas quando eu pedi com mais intensidade, ele mostrou que tem pegada. Foi bom! A gente tá trocando mensagem. Só que ele é muito na dele, sabe? Se eu não puxo assunto, ele some.

— A pica dele era grande? — Erick, sempre direto.

— Normal, ué! — ela riu.

— Normal quanto?

— Erick, eu não levei uma fita métrica, amor!

— Então tinha o tamanho bom que te fez gemer gostoso — ele insistiu.

— Era grossa, pelos aparados… me deu muito prazer, tá? Satisfeito?

— Pede um nude pra gente ver! — Erick sugeriu, malandro.

— Pensando bem, não é má ideia — brinquei.

— Vou pedir nada, não! Se querem tanto, pedem vocês! — ela respondeu, fingindo indignação.

— Aqui, minha filha — Erick apontou para ela, mas olhou para mim —, o puto oficial da noite foi o Felipe: deu pra um na boate, pro Breno e pra mim depois.

— Abafa, Erick! — gritei, rindo.

Drielle balançou a cabeça, mas deu um sorriso:
— Acho melhor a gente ir pra casa.

— Também acho — concordei.

Por ser muito tarde, Erick generosamente ofereceu carona para mim e para a Drielle. Deixou cada um em sua casa, e eu agradeci pela carona.

Na quarta-feira seguinte, eu estava almoçando tranquilamente quando meu celular tocou. Era o Anderson. Lembrei-me da minha decisão de manter distância e não atendi. Ele insistiu, ligando novamente, mas dessa vez rejeitei a chamada com um toque seco.
Minha determinação, porém, foi testada alguns minutos depois, quando uma notificação piscou na tela. Era uma mensagem dele:

"Vai ficar nessa até quando?"

E, em seguida, outra mais longa:

"Meu aniversário está chegando e resolvi fazer uma festa só para os mais próximos. Chego dia 07 de setembro em Volta Redonda e fico até dia 12. Gostaria muito que você não só fosse à festa, mas também me desse a chance de a gente conversar."

A mensagem vinha acompanhada de uma imagem: o convite.
Era simples, mas elegante — fundo azul-marinho com detalhes em branco. Nele, estava escrito:

Domingo, 09 de Setembro
A partir das 13h
Local: Casa de meus pais.
Traga sua bebida favorita

Observação: Convidados não podem levar acompanhantes.
Quero manter a intimidade desse dia especial.

Fiquei algum tempo olhando para a tela, com o garfo parado no ar. Setembro não estava tão longe assim. Ele queria me ver. Queria conversar.
E, apesar de toda a raiva e das dúvidas que ainda carregava, uma parte de mim — talvez a mesma que guardava as memórias boas — se perguntou se não valeria a pena ouvi-lo.

Faltavam duas semanas para a tal festa, e eu continuava sem responder.
Não tinha certeza se iria — nem quando o Ricardo, meu irmão, veio sondar disfarçadamente, claramente a mando do Anderson, deixei quieto.

Cada vez que pensava na festa, a mágoa vinha com força.
“Fala pra ele levar a tal mulher que ele pegou!” era o que eu mais tinha vontade de escrever.
Mas aí me lembrava da conversa com o Gil, quando ele disse, sem rodeios: “Você também não facilitou, Renato…” E isso me travava.

Quando chegou o feriado de 7 de setembro, eu estava em casa, vendo TV, quando o celular tocou de novo. Anderson. Deixei cair a chamada.
Minutos depois, uma mensagem:

Anderson
Acabei de chegar em Volta Redonda.

Dessa vez, respirei fundo e respondi:

Boa noite, Anderson. Espero que tenha chegado bem.

Quase instantaneamente, ele tentou outra ligação.
Meu coração acelerou. Num impulso, atendi.

— Oi.
— Oi, Renato! Que bom que você atendeu! — a voz dele soou aliviada, quase animada. — Acabei de descer na rodoviária. Meu pai tá vindo me buscar.

— Eu… vi tua mensagem.

— E aí, tá animado pro sábado? Você vai, né?— Ele perguntou curioso.

— Anderson, não sei. Pra ser sincero, nem pensei direito. Você sabe que não tô bem com você.

— Renato, por favor… — a voz dele baixou, quase suplicante. — Vai, cara. Tua presença ia ser o melhor presente.

— Não vou prometer nada. Na verdade, já marquei um rolê com meus amigos no domingo.

— É sério isso? — Demonstrou indignação.

— Sim. Mas… bom, que bom que chegou bem. Aproveita a família e a festa, certo? — Sugeri.

Ele desligou na mesma hora. Sem resposta, sem tchau.
E eu fiquei ali, com o telefone mudo na mão, sabendo que tinha mentido — e que aquela mentira doía em nós dois.

À noite, o celular vibrou de novo. Era uma mensagem dele.

”Renato, estou muito feliz por estar em VR, mas ao mesmo tempo na maior bad por saber que estamos tão longe mesmo estando tão perto. Ainda conto com a sua presença no meu aniversário.”

Respirei fundo antes de responder:

“Se eu for, vai ser como primo.”

Ele não demorou:

“Que seja como primo, como ex, seja lá como quiser ir… mas vai. Por favor.”

A teimosia dele me fez rir de frustração. Digitei rápido:

“Sabe o que eu acho engraçado? Você acha que só porque está aqui em VR as coisas vão se ajeitar como mágica.”

Ele enviou:

“Não é isso. Como eu disse, além da festa, espero mesmo ter uma conversa contigo.”

Deixei a mensagem em aberto. Não queria mais alongar.

No dia 08, ao chegar do trabalho, encontrei Ricardo em casa. Ele veio direto ao assunto, como sempre:
— E aí, vai ou não vai no aniversário do Anderson amanhã?

Olhei firme para ele:
— Por que você quer tanto saber?

— Porque eu já deixei claro que torço por vocês dois — ele falou, sério. — E você vai ver como o Anderson ainda te ama. Agora seja sincero, sobre você ir tá mais pra sim ou pra não?

— Pra não — respondi, secamente. — Ir lá é me colocar numa situação que não me faz bem. É lembrar tudo que a gente viveu, ter que encarar a Amanda… Não vou me sentir bem, Ricardo.

Ele balançou a cabeça, irritado:
— Você quem sabe.

E saiu da sala deixando o clima pesado.

Fiquei ali parado, pensando.
Será que eu estava sendo teimoso demais?
Ou será que, pela primeira vez, estava sendo justo comigo mesmo?

À noite, o celular vibrou de novo. Era ele me mandou mensagem:

“Renato, estou muito feliz por estar em VR, mas ao mesmo tempo na maior bad por saber que estamos tão longe mesmo estando tão perto. Ainda conto com a sua presença no meu aniversário.”

Respirei fundo antes de responder:

“Se eu for, vai ser como primo.”

Ele não demorou:

“Que seja como primo, como ex, seja lá como quiser ir… mas vai. Por favor.”

A teimosia dele me fez rir de frustração. Digitei rápido:

“Sabe o que eu acho engraçado? Você acha que só porque está aqui em VR as coisas vão se ajeitar como mágica.”

Dessa vez a mensagem demorou um pouco a chegar. Talvez estivesse pensando no que mandar:

“Não é isso. Como eu disse, além da festa, espero mesmo ter uma conversa contigo.”

Deixei a mensagem em aberto. Não queria mais alongar.

No dia 08, ao chegar do trabalho, encontrei Ricardo em casa. Ele veio direto ao assunto, como sempre:
— E aí, vai ou não vai no aniversário do Anderson amanhã?

Olhei firme para ele:
— Por que você quer tanto saber?

— Porque eu já deixei claro que torço por vocês dois — ele falou, sério. — E você vai ver como o Anderson ainda te ama. Mas sério, papo reto, a probabilidade de você ir está mais pra sim ou mais para não?

— Pra não — respondi, secamente. — Ir lá é me colocar numa situação que não me faz bem. É lembrar tudo que a gente viveu, ter que encarar a Amanda… Não vou me sentir bem, Ricardo.

Ele balançou a cabeça, irritado:
— Você quem sabe.

E saiu da sala deixando o clima pesado.

Resolvi subir para o meu quarto Pouco tempo depois, minha mãe entrou no meu quarto, seguida pelo meu pai. Ela vinha com aquele jeito contido, de quem tenta equilibrar preocupação e imposição.

— Filho, acho que seria melhor você ir — começou, sentando na beirada da cama. — Só para evitar um clima chato na família. Sua tia ligou hoje cedo perguntando se você apareceria. Disse que o Anderson comentou que você não quer ir, e ela lembrou que, antes de tudo, vocês são primos, se você pelo menos não podia considerar isso.

Olhei para ela, sentindo a ironia escorrer pela voz antes mesmo de eu conseguir controlar:
— Engraçado, né? Quando era pra esse mesmo povo apoiar a gente, ninguém apoiou. O Anderson teve que morar comigo e depois mudar de estado por pressão. Na época, ninguém se preocupou com o “clima familiar”. Sei que hoje está tudo resolvido entre eles, mas essa questão não é sobre a família. É sobre mim. E eu não tô com a menor vontade de ir.

Minha mãe abriu a boca para retrucar, mas meu pai, que estava encostado na porta, interveio:
— Amor, se ele não quer ir, não vamos obrigá-lo. Cada um sabe onde o calo aperta.

— Mas é a segunda vez que ele é convidado para a casa deles e não vai! — ela insistiu, levantando a voz. — O que vão pensar? Eles vieram aqui no churrasco, foram educados… Não acho certo ficar criando caso.

Meu pai olhou firme para mim, com a calma de sempre:
— Escuta, Renato. Se quiser ir, vá. Se não quiser, não vá. E fim de papo.

Minha mãe suspirou, derrotada, e saiu do quarto resmungando baixo, com meu pai atrás, fechando a porta suavemente.

Fiquei sozinho, o silêncio do quarto agora carregado de uma tensão que não era só minha — era de toda uma família que ainda tentava costurar com linha curta o que o tempo e as escolhas rasgaram.

9 de setembro

O dia amanheceu cinzento e úmido, com uma chuva fina que não parecia dar trégua. Das janelas da sala, eu via as gotas escorrerem pelo vidro, tornando o mundo lá fora embaçado e melancólicico. Era um daqueles dias em que o céu parece compartilhar seu pesar com quem o observa.

Na cozinha, minha mãe comenta enquanto passo o pão na manteiga:

— Tem previsão de chuva o dia inteiro hoje. Que pena, não é? Sua tia está tão animada pelo aniversário do Anderson.

Concordo em silêncio. Realmente era uma pena — minha tia quando resolvia fazer uma festa ela fazia com fartura, e Anderson merecia um dia bonito, rodeado de quem realmente importa. Mas, no fundo, vi naquela chuva a desculpa perfeita que eu tanto esperava.

— É… — murmurei, olhando pela janela. — Nada a ver esse tempo logo hoje. Eu já não estava querendo ir, agora que não irei mesmo.

Fui pra sala e fiquei distraído na frente da TV, tentando ignorar a ansiedade que crescia dentro de mim, quando o celular tocou. Era o Gil.
Atendi, e a sua voz veio direta, como de costume:

— O Anderson apareceu aqui no bar do Jefferson ontem à noite. Nem acredito, veio com um único propósito: pedir que eu te convencesse a ir à festa dele hoje.

Parecia que o Gil tinha comprado a ideia por completo. Questionou-me sobre os meus motivos para não ir e, quando expliquei que não via razão para estar ali, deu a sua opinião:
— Eu sei que ainda ama o Anderson, Renato. Podes disfarçar o quanto quiseres, mas te conheço bem. Ninguém supera um sentimento assim de um dia para o outro. Lembra da nossa última conversa? Acho que não custa nada dar esse passo. No teu lugar, eu iria.

Tentei argumentar que não me sentiria confortável, que a realidade entre nós era agora diferente e que aquela reconciliação não era a que eu tinha imaginado. O Gil resmungou qualquer coisa baixo, quase inaudível.
— O que foi? — perguntei.
— Nada, estava a falar com o Jefferson — respondeu, mudando de assunto. — De qualquer forma, sabes o que está fazendo.

Desliguei com um peso no peito. A minha mãe, ao me ver no corredor, tentou mais uma vez:
— Vai, filho. Não fique sozinho em casa num dia como hoje.

— Já conversámos sobre isso — respondi, firme. — A minha decisão está tomada.

Por volta do meio-dia, a movimentação em casa se intensificou. Os meus pais preparavam-se, ansiosos, enquanto a chuva batia suavemente nas janelas. O meu irmão e a Letícia iriam buscá-los de carro. A minha mãe, ainda preocupada, lembrou-me:
— Há comida na geladeira, tá bom?
— Pode ficar despreocupada, vou pedir algo — disse, evitando prolongar a despedida.

O Ricardo entrou em casa sem bater, dirigiu-se à sala e encarou o meu ar descontraído, de quem não tinha intenção de sair do sofá.
— Então não vai mesmo? — disse, abanando a cabeça. — É teimoso demais, Renato.

Não foi necessário responder. Os meus pais apareceram prontos à entrada, e eu me levantei para os acompanhar até ao portão.
— Bom churrasco! — disse, forçando um sorriso. — Divirtam-se por mim.

Fiquei à porta, a observar o carro a desaparecer na esquina, os faróis a piscarem fracamente através da cortina de chuva. Eram pouco mais de 12h30. Fechei o portão e voltei para dentro. A casa, agora silenciosa, ecoava com o som constante da chuva lá fora. O tempo parecia ter parado, envolto naquele manto cinzento que, de forma irónica, refletia perfeitamente a turbulência que eu sentia por dentro.

Subi para o meu quarto, Me enfiei no meio do edredom e travesseiros, afogando-me no episódio de uma série qualquer. A chuva batia na janela, o som abafado era o único companheiro na casa vazia. Cerca de uma hora depois que minha família saiu, ouvi um ruído lá embaixo. Parecia a porta da cozinha rangendo.

— Pai? Mãe? — chamei, baixo. — É vocês? Esqueceram alguma coisa?

Silêncio.
Atribuí à imaginação, ao vento ou à casa assombrada por memórias. Voltei à série, mas o coração disparou quando escutei passos subindo a escada. Lentos, certos.
Não é possível.

Antes que pudesse me mover, a porta do meu quarto se abriu de uma vez.

E lá estava ele.

Anderson, um pouco molhaso da chuva, cabelo grudado na testa, respiração acelerada como se tivesse corrido até ali. Seus olhos escuros me perfuraram no escuro do quarto, só iluminado pela tela da TV.

— Ué! — ele soltou, com uma risada. — Você não ia dar um rolê com os amigos? Não era esse teu compromisso hoje?

Levei um susto tão grande que quase caio da cama, o coração batendo descompassado. A série continuava rolando atrás de mim, um contraste absurdo com a cena que se desenrolava na porta do quarto.

— O que… o que você está fazendo aqui? — consegui dizer, a voz falhando, enquanto me apoiava nos travesseiros.

Ele deu um passo para dentro, e a porta se fechou atrás dele.

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Comentários (1)

Regras
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  • Leitor assíduo: O falar deste conto? Pra mim uns dos melhores des te site, se não for o melhor na categoria gay. Tudo bem, só um ponto negativo a demora do autor postar os capítulos, mas quando entrega não decepciona.

    Responder↴ • uid:1d9znablopi3