No fim do mundo (parte 3)
Continuei dirigindo, pisando fundo no acelerador. Henry se apertava ao lado do meu banco. Observei o retrovisor para encontrar aqueles pares de faróis se aproximarem. Imaginei tudo de ruim que a humanidade fez nos últimos quinze anos. Talvez aquela fosse a forma de a natureza nos punir por ser quem somos
Talvez os verdadeiros vírus tenham sido os seres Humanos.
Ouvi um som de um tiro ecoar através da noite. Quis tampar meus ouvidos, assim como todos os passageiros, mas era fazer isso e bater o ônibus, ou aceitar o zumbido infernal que perseguia os meus tímpanos.
Outro tiro.
"Eu não posso morrer"
Mais outro.
"Eu não posso morrer"
Outro
"Eu NÃO quero morrer"
Uma bala acertou o pneu do meu ônibus. Bamboleamos. Fiz tudo o que eu podia para conseguir. Deus, como eu queria que aqueles monstros estivessem ali.
Outra bala acertou o pneu.
O ônibus já não conseguia andar.
Henry me fitou com seus olhos verdes, inocentes. Levantei. Olhei para todos os passageiros, que choravam e ainda pediam misericórdia para Deus, Buda, Oxalá ou seja lá em que aquelas pessoas acreditavam
"Ninguém pode nos salvar agora"
O veículo parou logo atrás. Desceram dele um grupo de cinco pessoas. Suas balaclavas, escuras, se camuflavam perante a noite estrelada. Em suas mãos, carregavam armas de porte grande, o que me fez lembrar de outra coisa.
"Tem uma arma no ultimo banco"
Os homens se aproximavam apressadamente. Bateram no vidro do ônibus com força. Rachou. As pessoas gritaram.
Um deles dispararam a arma contra o vido, fazendo a bala atravessar e acertar um dos passageiros, bem no peito. Gritei:
— Se abaixem, todos!
Tentei caminhar até o ultimo banco para pegar a arma. O homem acertado pela bala, se contorcia no chão, levando a mão até o peito. Não parecia ser velho, apenas um homem cansado, talvez tivesse vivido o suficiente até ali.
Talvez eu fosse aquele homem.
Cerrei os punhos e continuei caminhando até o ultimo banco. Peguei uma mala escondida entre os restos de teia de aranha e poeira. Abri e ali estava o peso do meu passado, embalado em aço frio. Dentro da mala, a arma reluzia sob a luz fraca do veiculo, que entrava pelas janelas sujas.
Toquei a coronha, sentindo o gelo que parecia escorrer do metal para minha pele. Minhas mãos tremiam, não pelo medo do que estava por vir, mas pela lembrança do que eu tinha perdido. Cada centímetro daquele objeto carregava uma parte de mim, uma que eu tinha enterrado fundo, junto com todos os arrependimentos que vinham à tona agora.
O homem caído gemia, um som que ecoava como um lamento longo demais, e eu não conseguia evitar pensar em quantas vezes eu já tinha ouvido isso antes — nos sonhos, nas memórias, nos corredores vazios que me perseguiam quando eu fechava os olhos.
O mesmo som que eu ouvi quando meus pais morreram.
Talvez eu fosse aquele homem. Talvez eu já tivesse morrido quando decidi masturbar Henry. Talvez eu já tivesse morrido quando bebi a minha primeira garrafa de álcool. Talvez eu já tivesse morrido quando tive que acertar uma bala na cabeça do meu pai
Talvez, só talvez, eu já estivesse morto há muito tempo
E agora, eu estava no inferno
Mantive o dedo no gatilho, um instante de hesitação. Porque, afinal, não era apenas sobre apertar aquele gatilho — era sobre o que eu estava disposto a sacrificar para tentar corrigir o que já estava quebrado há tanto tempo.
— Jackson? — Um cochicho fino me tirou dos meus pensamentos
Era Henry. Seus cílios batiam em tamanha inocência. Sua cabeça estava inclinada. Seu biquinho entregava o medo e a vontade de chorar. Nos entreolhamos por breves segundos.
Um homem, com uma arma em suas mãos, e uma criança, esperando ser protegida
Eu tinha uma nova chance de me redimir e ela estava bem ali, na minha frente.
E seu nome era Henry Henderson
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Notas do autor: Opa pessoal, sei que dessa vez não teve nada de putaria, mas espero que vocês tenham gostado. Estou fazendo o próximo capitulo quase que de uma vez kkkkkkkkk
É isso, obrigado pela leitura, em breve sai o próximo capitulo >:3
Comentários (2)
Admirador de Estórias: Incrível! Parabéns, se fosse um livro eu leria.
Responder↴ • uid:wc4k6yd3jNinguém: Sim prefiro com, mas mesmo sem a história esta interessante.
Responder↴ • uid:1e6hypa56q2oi