O Diário das Sombras (Fragmentos de um Segredo)
Esta história não é ficção; tudo o que aqui está registrado é a mais pura verdade, transcrita palavra por palavra do diário de meu avô.
Meu avô, Alberto, faleceu há três meses. Após o enterro, fomos organizar seus pertences e encontrei um baú com cadernos de couro — os seus diários. Ao começar a ler, fiquei chocado com o que descobri. Ele guardava segredos que nunca imaginei. Algumas passagens são difíceis de entender, mas para contextualizar, sugiro que leiam o outro conto que escrevi.
Abaixo, segue um trecho de um dos diários de meu avô.
1 - Roma
01 de junho de 1968 - Roma
É curioso como o destino age de maneiras inesperadas, e, naquele verão de 1967, ele se manifestou sob uma forma que eu jamais poderia ter antecipado. Eu estava em Paris, naqueles dias nublados de uma cidade que nunca parece descansar, mas que também nunca se entrega completamente. Eu já estava casado há quatro anos com Martha, e tínhamos dois filhos, mas não era disso que eu pensava naquele momento. Estava em Paris a trabalho, como sempre, envolvido em negociações que exigiam mais de mim do que qualquer coisa relacionada à minha vida pessoal. As responsabilidades familiares estavam distantes, como uma fotografia emoldurada que permanece guardada em um canto, sem que realmente olhemos para ela.
Foi naquele dia, enquanto me dirigia ao meu hotel, que o vi pela primeira vez. Ele estava parado em uma pequena praça, de costas para mim, olhando para a movimentação da rua. Uma imagem quase cinematográfica. Quando ele se virou, o mundo ao redor pareceu desaparecer por um instante. Bruno Gidé. Um francês, como ficou claro mais tarde. Mas havia algo nele que transcendia qualquer definição simplista.
Ele tinha cerca de 1,80m de altura, o que o tornava imponente, mas não de forma exagerada. Seu cabelo, castanho e ligeiramente ondulado, caía com um leve movimento sobre a testa, como se tivesse sido moldado para ser assim. Era um contraste perfeito com a intensidade de seus olhos. Os olhos de Bruno eram de um azul profundo, quase hipnóticos. Como se tivessem o poder de olhar através de qualquer alma, sem qualquer esforço. Seu rosto tinha traços marcantes: um nariz reto e bem definido, e um queixo firme que parecia sempre pronto para desafiar qualquer coisa à sua frente. Suas roupas, simples, mas impecavelmente ajustadas ao corpo, pareciam refletir a confiança silenciosa que ele exalava. Ele não precisava se esforçar para chamar atenção — sua presença era algo inevitável.
Eu me aproximei hesitante, sem entender exatamente o que me atraía tanto, mas algo me dizia que era mais do que a mera atração física. Eu estava com Martha, mas ela, como sempre, não era o centro dos meus pensamentos naquele momento. Eu, que sempre me considerei um homem seguro, nunca imaginei que me veria completamente absorvido por alguém. Mas ali estava ele, e algo em sua energia me puxava para mais perto, como um ímã imbatível.
— Bonjour, monsieur — ele disse com um sorriso ligeiramente irônico, ao perceber minha aproximação. A voz, grave, com um sotaque francês encantador, parecia carregar um mistério em cada palavra.
— Bonjour — respondi, tentando disfarçar o turbilhão interno.
Ele me olhou, com os olhos fixos nos meus, e por um momento, não houve mais nada. O movimento frenético da cidade, os carros, as pessoas, tudo isso parecia desaparecer. Nós dois éramos apenas aqueles dois estranhos, naquele instante, e nada mais importava.
Bruno e eu compartilhávamos, silenciosamente, os mesmos desejos obscuros. Uma compreensão que não necessitava de palavras. Era como se estivéssemos imersos em uma conexão invisível que não poderia ser ignorada. Não demorou muito para que começássemos a nos ver com frequência. O que começou como uma amizade casual logo se transformou em algo muito mais profundo. Mais forte. Nossos encontros se tornaram uma necessidade. Em Paris, ao contrário de qualquer coisa que eu tivesse experimentado antes, descobri um novo tipo de desejo, um que me tornava quase vulnerável, e, ao mesmo tempo, poderosamente vivo.
Ele tinha algo dentro dele, uma chama que nunca se apagava, e foi isso que me atraiu. Bruno era, sem dúvida, o oposto de tudo que eu havia sido até então. Ele não se preocupava com as convenções, com a moralidade, com as regras. Ele existia em um espaço onde o que importava era a experiência, o momento. E ele sabia como me guiar para esse espaço. Eu, que já era casado com Martha, que tinha filhos, uma vida "perfeita", me vi, de forma irrevogável, afundando nos braços de Bruno. Ele sabia o que eu queria, e ele estava disposto a me dar, com a mesma intensidade com que o desejava.
Passamos a nos encontrar secretamente, e à medida que o tempo passava, minha vida se tornava mais dividida. Por um lado, havia a vida que eu compartilhava com Martha, com os filhos. Por outro, havia Bruno, com seus olhos penetrantes e o magnetismo que emanava de cada palavra, de cada movimento. Ele não me fazia perguntas sobre minha vida familiar, sobre Martha. Ele sabia que isso era irrelevante. O que importava para ele era o que eu podia oferecer naquele momento, e o que ele me oferecia em troca era um desejo que eu nunca havia conhecido, mas que não conseguia mais viver sem.
Eu nunca soube se essa relação com Bruno era algo que duraria, ou se, como todas as coisas na vida, tinha um tempo certo para terminar. Mas enquanto durasse, era a única coisa que importava. Ele se tornou, de certa forma, uma parte de mim, uma parte que eu não sabia como, ou sequer se poderia, apagar.
Agora, sentado em Roma, em silêncio, com a memória do ano passado ainda fresca na minha mente, vejo como tudo se entrelaçou. Como tudo em minha vida foi conduzido até aquele ponto, até aquele momento, até Bruno. Eu não sabia como fugir, ou mesmo se eu queria. Só sabia que, agora, ele era parte de algo muito maior, e que eu, talvez, estivesse mais perdido do que nunca.
2 - Roma II
03 de junho de 1968 - Roma
Roma, com sua beleza descomunal e seu caos irresistível, continua a me seduzir. A cidade parece estar em constante ebulição, mas há algo nela que me acalma, algo que faz com que eu perca a noção do tempo. Mas o que realmente ocupava minha mente nas últimas horas não era a cidade, mas o que aconteceu dois dias atrás.
Bruno e eu estamos em um hotel modesto, algo afastado do centro turístico. É um local tranquilo, mas com uma atmosfera que, se bem observada, poderia ser percebida como carregada de uma tensão própria. Ele não disse uma palavra, mas o simples olhar que trocamos no momento em que entramos no quarto já falava por si. O que começara como um deslizar tranquilo da noite, logo se transformou em algo mais urgente, mais voraz.
Desta vez, não estávamos sozinhos. Bruno trouxe um jovem — um rapaz que conheceu em um café local. Seu nome era Fabio, um italiano de aparência comum, mas com uma fragilidade no olhar que me intrigou de imediato. Ele tinha cerca de quinze anos, cabelo castanho claro e uma pele suave, como a de alguém que ainda não havia sido marcado pelo peso da vida. Mas havia algo em sua expressão, uma inocência que logo se desfaria sob o peso de nossos desejos.
Bruno me olhou com aquela confiança silenciosa, como se soubesse exatamente o que eu queria, e, ao mesmo tempo, me desafiava a ir mais fundo. Fabio, apesar de tímido, parecia ansioso. Seus olhos grandes me encaravam com uma mistura de receio e curiosidade, como se estivesse prestes a cometer um erro do qual não conseguiria voltar. Ele sabia o que queria, mas temia o que poderia encontrar.
A interação foi lenta no começo, quase cuidadosa. Mas logo, a tensão que se acumulava no ar foi quebrada. Bruno e eu começamos a nos aproximar de Fabio, alternando os olhares e toques. O jovem parecia desconcertado, mas também, algo em seus gestos revelava que ele não sabia como parar aquilo que já estava em movimento.
Bruno, como sempre, parecia tão seguro de si, seu toque sutil, mas firme, envolvia Fabio com a mesma precisão com que ele sempre lidava com as situações. O corpo de Bruno se movia com uma elegância quase cruel, controlando o ritmo sem pressa, permitindo que o jovem fosse conduzido por ele, pelo que queríamos, sem que ele tivesse a real chance de recuar.
Eu, por minha vez, me deixei levar. A intensidade de tudo aquilo era palpável, uma espécie de torvelinho que nos envolvia a todos. Mas, ao mesmo tempo, havia uma frieza, uma distância que vinha de Bruno. Ele estava no controle, e eu me encontrava à mercê dele, como sempre.
Fabio, embora perdido em suas emoções e sentimentos contraditórios, não conseguia esconder a exaustão que o tomava conforme a noite avançava. A sua fragilidade se tornava mais evidente, como uma marionete sendo manipulada por fios invisíveis. E nós éramos os fios. Bruno, mais uma vez, sabia exatamente como e quando puxar.
Quando o jovem se afastou, visivelmente abalado, mas com uma estranha satisfação nos olhos, Bruno e eu compartilhamos um olhar silencioso. Não precisava de palavras. Eu sabia o que ele estava pensando. Eu estava imerso, de maneira tão profunda, naquele ciclo que começara muito antes de tudo isso, e ao qual não parecia haver fim.
Roma, com sua história imortal e suas ruas repletas de ecos do passado, assistia silenciosa ao que acontecia ali, naquele quarto. Algo havia mudado, e, ao mesmo tempo, nada mudara. Tudo parecia continuar de forma inevitável, como um destino que nos arrastava em direção a algo desconhecido, mas irresistível.
3 - Rio de Janeiro
08 de agosto de 1968 - Rio de Janeiro
Ao retornar para casa, fui recebido por Martha com o carinho habitual. Ela me acolheu como sempre, com a ternura de quem não sabe o que se passa em minha mente. O calor da sua presença, a suavidade de seus gestos e o conforto de saber que estou em meu lar me acalmam, ainda que por breves momentos. Ela não percebe o que se passa em minha alma, mas isso não importa. Martha sempre soube lidar com o homem que sou — o que sou para ela, pelo menos. Sinto a paz ao seu lado, mas não é o tipo de paz que me preenche por completo. Há uma inquietação que me acompanha, que não posso esconder.
A verdade é que sinto falta de Paris, de Bruno. Ele está lá, e a distância entre nós só faz a saudade crescer. Há algo em mim que não se satisfaz mais apenas com o convívio de Martha. Eu preciso de mais, algo que ela não pode me dar. A ausência de Bruno me atormenta, e mesmo entre os gestos simples de carinho de Martha, o pensamento me foge para ele, para os momentos intensos que compartilhamos.
A última vez que estive com Bruno foi em Paris. Ele me trouxe um jovem londrino, alguém que encontramos em um café escondido, distante dos turistas e das expectativas do mundo. Ele era, como diria, uma daquelas figuras que você nota imediatamente — sua juventude e seu olhar ainda ingênuo, algo que só aumentava a tensão daquela noite. Tinha cerca de 14 anos, cabelos castanhos claros e um corpo magro, mas bem moldado. Os olhos eram de um azul profundo, como o céu de verão, e algo em seu olhar me fez querer descobrir mais sobre ele, ver até onde ele se permitiria ir.
Bruno, como sempre, estava em perfeita sintonia com o momento. Ele sabia o que queria, sabia o que eu queria, e não havia palavras que precisássemos trocar. O jovem parecia nervoso, mas ao mesmo tempo atraído pela aura de poder que Bruno emanava. A tensão era palpável, e, como era de se esperar, o rapaz se entregou rapidamente, sem uma única palavra. Bruno o tocou com aquela calma que só ele sabe transmitir, uma habilidade que sempre me deixou em um estado de excitação impossível de ignorar. Eu observava, absorvia cada movimento com atenção, esperando que o momento se desenrolasse à sua maneira.
O quarto estava com pouca luz, a penumbra criando sombras que se misturavam com os nossos corpos. Os movimentos eram lentos, meticulosamente calculados. O jovem se entregava à pressão, ao ritmo, àquilo que Bruno comandava com maestria. Eu, ao lado, me deixava absorver pela cena, observando os detalhes: o modo como o corpo de Bruno se movia com perfeição, como ele tomava o controle, e o jovem, completamente à mercê de nossa vontade, respondia com uma entrega quase desesperada.
Era quase um jogo de sedução, um enredo em que a culpa e o prazer se confundiam. A suavidade do toque de Bruno se mesclava com uma força implícita, que fazia o jovem se desarmar completamente. Ele estava perdido, mas, ao mesmo tempo, imerso em um prazer que ele sequer compreendia por completo. Os sons da noite, o calor do quarto, e a intensidade do momento faziam com que eu me sentisse como se fosse parte de algo maior, algo que não podia ser dito, apenas vivido.
A experiência foi... como sempre, arrebatadora. O jovem, ao final, estava exausto, mas com um sorriso discreto, como se soubesse que algo estava irrevogavelmente mudado em sua vida. Bruno me olhou então, seus olhos carregados de uma satisfação silenciosa, e sem palavras, pude ver que para ele não havia nada mais a ser dito. Ele sabia exatamente o que fazia, e eu, mais uma vez, fui arrastado por esse turbilhão de sensações que ele tão habilmente cria. O prazer, o poder, e a vergonha que se misturam nesse jogo contínuo que não parece ter fim.
Agora, de volta ao Rio, a casa parece estranha. Martha está ao meu lado, mas a saudade de Bruno não me deixa. A noite cai, e o vazio da ausência dele se torna mais forte. Sei que logo estarei novamente em Paris, e esse ciclo nunca vai cessar. Eu preciso dele.
4 - Paris
Meu avô faleceu há três meses e alguns dias. Após o enterro, reunimo-nos na casa onde ele viveu seus últimos anos para organizar seus pertences—alguns seriam doados, outros divididos entre os filhos e netos, e os mais valiosos guardados como lembranças. Seu nome era Alberto, e ele morreu aos 87 anos. Eu o amava. Sempre o admirei por suas histórias, pelas viagens que fez ao redor do mundo, pela forma como parecia ter vivido tantas vidas dentro de uma só.
Mas nada poderia ter me preparado para o que descobri naquele dia.
No fundo de um velho armário, dentro de um baú de madeira já desgastado pelo tempo, encontrei dezenas de cadernos de couro, empilhados com um cuidado quase cerimonial. Eram seus diários. A princípio, folheei as páginas com curiosidade, esperando relatos de suas aventuras, descrições de cidades distantes, pensamentos dispersos de um homem que viu o mundo mudar diante de seus olhos.
Mas conforme lia, a fascinação deu lugar ao espanto. À perplexidade. À dúvida se aquilo que eu tinha em mãos era real ou fruto da mente de um homem que, por décadas, escondeu de todos sua verdadeira natureza.
Havia segredos ali que ninguém jamais imaginaria. Um outro Alberto, um estranho, cujas experiências contradiziam completamente o avô que eu conhecia. Relações proibidas, encontros envoltos em mistério, uma vida paralela que ele jamais permitiu que viesse à tona. Cada página era um golpe, uma revelação que me fazia questionar tudo o que pensava saber sobre ele.
Se devo compartilhar isso? Não sei. Talvez eu devesse deixar esses cadernos onde os encontrei, permitir que seus segredos morram com ele. Mas agora que sei, agora que li, como posso simplesmente ignorar?
Abaixo, um trecho de um dos seus diários.
15 de dezembro de 1968, Paris.
Estou em Paris, novamente. Não só por causa do trabalho, claro. A cidade, com suas ruas agitadas e sua melancolia única, tem sempre algo a mais a oferecer, algo que me arrasta de volta, como uma força invisível. E, mais uma vez, estou aqui para reencontrar Bruno. Ele sempre me espera com o mesmo olhar penetrante, com a promessa de uma noite que vai além do desejo. Ele está no banho agora, a água correndo, e posso imaginar seu corpo esguio, coberto por gotas que refletem a luz suave do banheiro. Um cheiro de sabonete e de algo mais me chega, enquanto escrevo, e sei que logo ele virá, com sua presença silenciosa, mas inconfundível.
A tarde foi marcada por algo que, confesso, me deixa inquieto até agora. Um rapaz parisiense, chamado Éric, apareceu em nosso quarto após um breve encontro em um parque. Ele tinha o tipo de beleza que se faz sentir mesmo no meio da multidão, como se cada movimento seu fosse um convite, uma promessa. Seus olhos, de um verde intenso e fundo, pareciam desmentir sua idade. Ele tinha apenas 16 anos, mas sua postura era de alguém muito mais velho. A pele, clara e macia, quase como seda, contrastava com os cabelos escuros que caíam com desordem sobre sua testa. Seu corpo era ágil e forte, mas havia algo de vulnerável nele também, como se uma leve brisa pudesse quebrar a sua exterioridade calma.
Quando entrou no quarto, a luz dourada da tarde que entrava pela janela iluminou suas feições com uma suavidade que me fez respirar mais fundo. Ele parecia um quadro em movimento, como uma pintura que toma forma diante dos nossos olhos, trazendo consigo uma intensidade silenciosa. O jeito que se despojou das roupas, com uma elegância natural, parecia um convite a algo mais, mas, ao mesmo tempo, havia uma timidez que transparecia em seus gestos. Ele parecia não querer se entregar totalmente, mas também não conseguia se conter diante de Bruno e de mim.
Bruno me olhou como se soubesse o que eu sentia, como se soubesse que aquele rapaz tinha algo que não podíamos deixar escapar. Seus olhos brilharam, e ele se aproximou com a mesma calma de sempre, tocando levemente o corpo de Éric, como se o conhecesse há muito tempo. Eu observei, em silêncio, como sempre, sentindo o calor no ar crescer, a tensão se formar entre nós. Bruno e Éric trocaram palavras baixas, o tipo de conversa que se perde na suavidade do som, mas que carrega um peso. A forma como Bruno conduzia e penetrava o jovem, com a mesma firmeza com que me guia, fez meu corpo arder de desejo. Éric, no entanto, parecia ser mais volúvel, mais fácil de ser moldado, o que tornava o momento ainda mais... intenso.
Eu estava ali, observando, sentindo uma espécie de prazer melancólico ao ver o jovem se entregar e ser dominado. Ele não parecia ter pressa, mas também não podia resistir à força magnética que Bruno exerce sobre qualquer um. Os toques eram suaves no início, mas carregados de uma urgência silenciosa. Éric se entregou ao que Bruno lhe ofereceu, e sua respiração se tornou mais profunda, seus movimentos mais soltos, como se estivesse se desprendendo de algo. A cena se desenrolou sem pressa, com a mesma tensão que sempre permeia nossos encontros, mas havia algo diferente, algo mais tangível no ar daquela tarde.
Agora, ele já se foi. A porta se fechou atrás de Éric com uma leveza quase indetectável, e o silêncio tomou conta do quarto. Bruno ainda está no banho, a água fazendo o som suave de fundo. Eu posso sentir sua presença mesmo à distância, como uma sombra que me acompanha. É curioso como ele nunca se apressa. Sempre há tempo. Tempo para observar, para saborear cada momento, como se nada fosse mais importante. Eu também estou agora à espera dele, com o corpo ainda quente da presença de Éric e a mente cheia de imagens que se entrelaçam em uma dança silenciosa. Logo, Bruno estará aqui, e eu, como sempre, me entregarei a ele.
5 - Nova York - Woodstock
OBS.: Ele me contou, certa vez, que esteve no Festival de Woodstock. O que eu não sabia era que estava acompanhado do enigmático Bruno Gidé. Cada página de seus diários me reserva uma nova surpresa. E, embora só tenha descoberto sua vida dupla após sua morte, preciso admitir: meu avô foi um homem extraordinário.
17 de agosto de 1969, Bethel, Nova York
Eu não deveria estar aqui. Nenhum de nós deveria. Mas o acaso, essa força invisível que me conduz a caminhos improváveis, nos trouxe a este campo enlameado, cercado por uma massa disforme de corpos suados e eufóricos. Woodstock. O nome já circulava há meses entre aqueles que se deixavam seduzir por sonhos impossíveis, mas eu não tinha interesse em ver de perto a utopia ingênua dessa geração que insiste em pregar o amor livre, como se fosse uma verdade absoluta, sem sombras, sem malícia.
Bruno está ao meu lado, observando tudo com aquele meio sorriso, irônico, divertido. Sua camisa de linho está aberta, os cabelos desgrenhados pelo vento úmido da noite. Ele parece se encaixar aqui melhor do que eu, ou talvez apenas se divirta mais com o espetáculo humano ao nosso redor. Um mar de jovens dançando sem pudor, sob efeitos de álcool, de drogas, da própria febre coletiva que transforma este lugar em uma miragem.
— Você não acha fascinante? — ele murmura, inclinando-se para falar em meu ouvido. Sua voz se mistura ao som estridente da guitarra vinda do palco.
— Fascinante? Não sei se essa é a palavra. É… caótico. Desesperador, até. Olhe para eles. Parece que não sabem para onde vão, só seguem o fluxo.
Bruno ri.
— E você sabe para onde vai, mon cher?
Não respondo. A verdade é que nunca soube. Apenas sigo os caminhos que me são oferecidos, como este. Estávamos em Nova York, um encontro de negócios, um jantar entediante cercado por homens de ternos bem cortados e mulheres impecáveis. Depois, um convite inesperado, um carro cheio de desconhecidos e, antes que pudesse recusar, eu estava aqui, pisando na lama, cercado por corpos seminuos, o cheiro de maconha e suor impregnando o ar.
No palco, alguém canta sobre liberdade, sobre paz. Palavras ocas para mim. Eles falam de um amor que desconheço, que jamais experimentei. Amor sem posse, sem dor, sem culpa. Eu sei o que é o desejo verdadeiro. Sei do peso que ele carrega, do perigo que esconde.
Bruno me observa com aqueles olhos insolentes e, por um momento, sinto que ele pode ler meus pensamentos. Ele estende a mão, toca de leve meu pulso, um gesto quase imperceptível, mas que me atravessa como um choque. Há algo de primitivo nisso, algo de nosso, que esses jovens despreocupados jamais compreenderiam.
A multidão vibra quando uma nova banda sobe ao palco. Alguém ao nosso lado nos oferece uma garrafa, um cigarro. Recuso com um gesto de cabeça. Bruno aceita, como sempre, brincando com os limites que ele sabe que eu jamais ultrapassaria.
— Você está tenso, querido — ele sussurra. — Talvez devesse relaxar. Quem sabe se misturar um pouco?
Olho para ele, para a multidão ao nosso redor. Jovens que acreditam estar mudando o mundo, sem perceber que em poucos anos serão como seus pais, acomodados, resignados, esquecidos. Bruno está se divertindo, mas eu, eu só quero sair daqui.
— Vamos embora — digo, e ele ergue uma sobrancelha.
— Tão cedo? Mas a noite está apenas começando…
Sim, a noite sempre está apenas começando para Bruno. Para mim, ela nunca termina.
6 - Uma Carta
OBS.: Não é um fragmento do diário, mas algo ainda mais íntimo. Entre as páginas gastas de um dos cadernos, encontrei uma carta. O papel, amarelado pelo tempo, estava dobrado com cuidado, como se tivesse sido lido e guardado inúmeras vezes. A caligrafia elegante e inclinada denunciava sua origem: Bruno Gidé. Traduzo abaixo o que estava escrito.
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Tradução para o português:
Paris, 2 de fevereiro de 1973
Meu caro Alberto,
Os dias passam, mas sua ausência não se torna mais branda. Ela é uma lâmina fina e gelada que se crava lentamente, a cada manhã, no meu peito. Paris, sem você, é uma cidade de mármore e sombras. Caminho por suas ruas, demoro-me nos cafés que amávamos, olho para o Sena como se ele pudesse me devolver um reflexo seu, mas nada preenche o vazio que você deixou.
Sinto sua falta, Alberto, de um jeito que não tem nome nem medida. Não é apenas do seu corpo, é da sua voz, do seu riso discreto, da sua maneira de observar o mundo com essa reserva que o tornava único. Você era meu refúgio e meu tormento, meu segredo mais ardente e mais doce.
Sabíamos que vivíamos em um mundo que nunca nos permitiria ser mais do que uma história clandestina. Mas não era exatamente isso que tornava cada instante mais intenso? A certeza de que cada olhar roubado, cada noite arrancada ao tempo era uma vitória sobre tudo o que queria nos reduzir ao silêncio?
Escreva-me, eu te imploro. Diga-me que ainda pensa em mim, que ainda sonha com as noites de Madri, de Roma, de Paris... de nós. Diga-me que, apesar de tudo, apesar do peso dos dias e da sombra das obrigações, ainda há uma parte de você que me pertence.
Seu, sempre,
Bruno
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DiarioPevertido: Obrigado, Nelson! Publico muitos contos aqui, explorando diversos temas, estilos e pseudônimos. Sei que a maioria do público busca algo mais explícito, e esses contos costumam ter maior alcance e visualizações, mas, às vezes, me canso de escrever cenas eróticas excessivamente vulgares e gosto de variar um pouco. Ainda assim, meu foco é sempre escrever bem, de forma clara e envolvente, para que o leitor compreenda e aproveite a leitura. Também faço questão de manter a correção gramatical e explorar diferentes formas de linguagem, sempre priorizando a clareza e a experiência do leitor. Não quero desmerecer o trabalho de ninguém, mas vejo muitos contos com grande potencial que acabam difíceis de ler e compreender por causa de erros de português. Isso prejudica a imersão e o prazer da leitura, e é algo que busco ao máximo evitar.
Responder↴ • uid:8d5ez4ozrjoDiarioPevertido: *Naldo.
• uid:8d5ez4ozrjoDiarioPevertido: Ops... *Nelson. Kkkkkk
• uid:8d5ez4ozrjoContato: Deixe o seu telegram. Estou apaixonado pela história
Responder↴ • uid:1dyn27hocd1s5Nelson: Que coisa mais linda. Recordações. Sombras do passado que nos fazem reviver momentos felizes mas também podem nos sufocar de tristeza, falta e saudades. Seu texto ou do seu avô é um espetáculo, estou imprecionado com tamanha sensualidade e explosão de tesão sem cenas explícitas e mesmo assim sensacionais. Parabéns e obrigado pelo conto.
Responder↴ • uid:81rj3z1d9a3DiarioPervertido: Os contos: De Férias Com Meu Irmão e Seu Filhinho; Viadinho Incestuoso; Papai Eduardo; Meu Namorado, meu filho e eu (Desejo Proibido); Descobri que Meu Filho Abusava do Irmão Mais Novo e Gostei; O filho da minha Namorada; Filhos da Escuridão; O Diário das Sombras e Coroa do Pecado foram escritos por mim. Você pode observar que os últimos três são menos explícitos e, por isso, têm menos visualizações. E, querendo ou não, a gente quer que os outros leiam, então eu acabo deixando os contos que quero desenvolver mais as questões psicológicas, história, enredo de lado e acabo dando mais atenção aos mais explícitos.
• uid:8d5ez4ozrjo