No fim do mundo (parte 4)
Permaneci segurando a arma em minhas mãos. Não poderia competir com cinco pessoas, eu sabia bem disso. Poderia abrir a porta do ônibus, pegar Henry e deixar a carnificina rolar
— Não queremos nada demais — Disse um dos homens do lado de fora, enquanto estendia os braços como um verdadeiro chefão do crime — Só queremos pegar comida, talvez roupas e qualquer coisa para sobreviver
— E mulheres! — Gritou outro homem, brincando
Os outros riram e concordaram.
— E mulheres... — Concluiu o líder (com provavelmente um sorriso por trás daquela balaclava idiota)
As pessoas voltaram a chorar. Me abaixei, ficando da altura de Henry
— Me escuta, eu vou te tirar daqui e te levar para a sua avó — Cochichei, segurando seus ombros
— Como? — Ele cochichou de volta
— Simples. Eu vou estourar a PORRA da cabeça deles.
Henry arregalou os olhos. Me escondi ao lado de uma das janelas. Um homem, talvez com a mesma idade que a minha, se aproximou de mim. Seus cabelos eram quase grisalhos, talvez por estresse (algo que esse mundo te proporciona em abundância).
— O que vai fazer? — Ele cochichou
Olhei para a arma. Para ele. Para arma de novo
— O que você acha? — Respondi
— Você ta ficando maluco, né? — Notei suas mãos se posicionando para quase tomar a arma da minha mão
— Você nem pense — Falei antes que ele fizesse alguma coisa.
— Você vai matar todo mundo, porra!
Houve um breve silêncio. O homem anunciou lá fora
— Pois bem — Eu ouvi seu riso, como se estivesse em frente a uma atração de circo — se ninguém vai colaborar, eu vou contar até dez. E quando eu chegar lá... — Ele fez uma pausa dramática e então engrossou a voz. Eu pude ouvir seu sorriso diminuir, se transformando em ódio — Eu vou estourar esse caralho de ônibus e arregaçar a cabaça de todos vocês!
Me virei para o homem ao meu lado
— ELE vai matar todo mundo — Conclui
Ele olhou para o chão frio do ônibus.
— Eu tive uma ideia — Ele disse
O monstro lá fora gritou: "UM" em plenos pulmões. Ouvi sua garganta ficar quase rouca
O homem ao meu lado respirou fundo, seus olhos fixos no chão do ônibus. Quando finalmente falou, sua voz era baixa, mas carregava uma determinação que eu não esperava.
"DOIS"
— Eu vou distrair eles — disse ele, sem desviar o olhar. — Vou sair primeiro, fingir que vou colaborar. Enquanto isso, você e o garoto saem pela porta de emergência. E as outras pessoas... — Ele fez uma pausa, o olhar ainda mais sombrio. — Vamos pedir para todos se abaixarem e se moverem para o fundo do ônibus, bem longe das janelas. A gente vai criar uma distração, e com sorte, quando eles perceberem, você já estará longe com o garoto.
"TRÊS"
Eu olhei para ele, tentando entender se ele estava realmente sugerindo isso. Estava se oferecendo como isca, praticamente uma sentença de morte, e ainda estava planejando salvar os outros passageiros. Era uma ideia suicida, mas era tudo o que tínhamos.
"QUATRO"
— E depois? — perguntei, mesmo sabendo que a resposta não mudaria nada.
Ele levantou os olhos e me encarou, o brilho em seu olhar era uma mistura de resignação e uma coragem que só vem quando não há mais escolhas.
"CINCO"
— Depois, quem puder, corre — ele disse. — Não podemos salvar todo mundo, mas podemos dar uma chance para alguns. Se eu conseguir distrair eles por tempo suficiente, talvez alguns escapem pela outra saída ou até encontrem alguma coisa para se defender.
Eu senti um peso em suas palavras, uma aceitação do que ele estava prestes a fazer. Não era apenas sobre nós dois, mas sobre as vidas dentro daquele ônibus que estavam presas no mesmo pesadelo.
"SEIS"
— Você tem certeza? — perguntei, sabendo que ele já havia decidido, mas precisando ouvir de novo.
— Tenho. — Sua voz estava firme. — Alguém precisa fazer algo. E se é para morrer, que seja tentando salvar o máximo de pessoas possível.
Engoli em seco, sentindo a gravidade do que ele estava prestes a fazer. Mas sabia que ele estava certo. Não havia outra saída.
"SETE"
Ele se virou para os outros passageiros, seus olhos passando por cada um como se estivesse se despedindo.
"OITO"
— Pessoal — ele disse em um sussurro alto o suficiente para todos ouvirem —, quando eu sair, vocês se abaixem e vão para o fundo do ônibus. Quem tiver coragem, tente correr. Quem não tiver, se esconda. Mas não façam barulho.
Houve um murmúrio de assentimento entre os passageiros, as lágrimas e o medo ainda evidentes, mas agora misturados com uma centelha de esperança, por menor que fosse. Eu me virei para Henry, apertando sua mãozinha na minha. Engatinhei novamente até o volante. Apertei o botão que abriria a porta.
"NOVE"
O homem se levantou, caminhando em direção à porta da frente, indo para a execução. Respirei fundo. Apertei a o outro botão, que abriria as portas de emergência. Algumas pessoas saíram discretamente pela porta. Outras, ficaram debaixo dos bancos enquanto rezavam.
— Vamos — sussurrei, puxando-o em direção à porta de emergência. — Agora.
Ouvi os homens conversando lá fora.
— Olha, nós vamos te ajudar, só me diz o que você quer, que a gente te entrega e você deixa a gente em paz — Disse o herói dos cabelos grisalhos
O líder riu, com a sua voz abafada por causa da balaclava. Um riso estridente e profundo.
— Mas você é burro para cacete, viu! — Ele fez outra pausa. Riu. Respirou fundo e então gritou mais alto, como nunca antes — D E Z!
Os homens começaram a disparar, e o som dos tiros se misturou aos gritos desesperados das pessoas. Peguei Henry pela mão e corremos, o mais rápido que podíamos, para longe dali, em direção à floresta. Meu coração martelava no peito, e o medo era uma sombra que nos perseguia a cada passo. Antes de desaparecer completamente entre as árvores, olhei para trás uma última vez, vendo os homens invadirem o ônibus, como predadores fechando o cerco.
A escuridão da floresta nos envolveu rapidamente, densa e sufocante, como se a própria natureza conspirasse para nos esconder. Os galhos arranhavam meu rosto e braços, me fazendo lembrar da "árvore com braços de bruxa". Eu imaginava aqueles homens atrás de nós, suas silhuetas surgindo entre as sombras, enquanto a floresta se fechava sobre nós, como um monstro faminto, esperando para nos engolir.
Eu estava sozinho agora.
Mas, ao mesmo tempo, não estava. Eu estava com Henry. E, de todas as pessoas que poderiam estar ao meu lado nesse momento, ele era a única que importava. Olhei para ele, seus olhos verdes, arregalados e assustados.
Naquele momento, eu pensei que mesmo no fim do mundo, eu conseguiria ter algo que eu nunca teria
Mas eu ainda não sabia o que era.
Comentários (5)
Admirador de Estórias: Continue, parabéns!
Responder↴ • uid:wc4k6yd3jAqueleqndevesernomeado: Por favor, continue
Responder↴ • uid:1epte039lbie5Yag: Tive que tirar a mão do pau para bater palmas
Responder↴ • uid:mrau39i2zvypUm escritor qualquer: Pqp KKKKKKKKKK boiolei com esse comentário
• uid:mpf2j3mdfynbNinguém: mais!
Responder↴ • uid:1e6hypa56q2oi