Entre Muros e Segredos Cap 23
Quando o amor é mais forte que o medo.
Para Igor, todas as palavras de Pedro eram inadmissíveis. De fato, ele teve mais tempo para se descobrir como gay, o que lhe permitiu conhecer melhor o preconceito em todas as suas formas – inclusive o preconceito velado e imperceptível. Igor sabia que, embora ninguém percebesse, ele era efeminado. Ao menos, sentia isso em seu íntimo, e não havia mal nenhum nisso.
Igor se sentiu alvo de Pedro, mesmo que não fosse a intenção dele atacar. Com a decepção que o invadia, decidiu dar aquela discussão por encerrada e subiu as escadas. Ao chegar ao quarto, não notou que havia deixado a luz acesa e que, agora, ela estava apagada. Não se importou. Seguiu no escuro até a cômoda, onde colocou o prato e o copo, e voltou para o interruptor. Com a luz acesa, pôde enxergar melhor. Enxergou até mesmo o que não queria.
Da varanda, surgiu um homem que caminhava calmamente em sua direção, apontando-lhe um revólver. Foi algo tão surreal que todos os seus movimentos se tornaram rígidos, assim como seu braço. O oxigênio simplesmente parou de circular em seu cérebro, e todas as articulações de seu corpo paralisaram. Isso também se devia ao tipo de abordagem do invasor, que não surgiu de surpresa nem fez qualquer movimento brusco. Ele vestia uma bermuda e uma camiseta azul-marinho. Na cabeça, usava uma meia-calça velha, que distorcia a visão de seu rosto. Continuou mudo, caminhando em direção a Igor, com a arma levantada.
— Venha aqui, venha — sussurrou o invasor.
— Moço, por favor...
— Shhh! Não quero ouvir um pio. Anda, vem.
Igor caminhou em sua direção e, quando estava próximo, o invasor o virou de costas e o abraçou por trás, pressionando o cano da arma contra o lado direito de sua cabeça.
— O seu amiguinho está lá embaixo?
— Não tem mais ninguém aqui...
— Igor, você acha que eu sou burro?
Eles sussurravam enquanto discutiam. Igor não conseguia raciocinar, mas foi rápido em elaborar uma resposta que protegesse Pedro. O que o surpreendeu foi ouvir seu próprio nome saindo da boca do sequestrador.
— Não, não...
— Shhh! Você não quer que eu estoure sua cabeça, quer?
— Não, por favor...
— Então não brinque, viadinho. Me diga se o outro está lá embaixo.
— Está, mas ele não vai subir. Ele já está de saída.
— E por que a chave do carro está ali em cima da cadeira? Você está pedindo para morrer, não é? Bem, nós vamos esperar por ele. Enquanto isso, aproveite o meu pau aqui roçando por trás. Você não gosta disso, viadinho? Hein?
Pedro, ainda no térreo, digeria todas aquelas palavras sem imaginar como sua vida acabara de se tornar ainda mais complexa. Aceitar-se como gay não era nada comparado a imergir em um mundo cheio de regras, conceitos e preconceitos. E ele sabia que não poderia tropeçar, pois cairia em sua própria cova. Ele também era gay — e alvo de seus próprios ataques. Ainda mais porque tinha um vigilante bem próximo, de quem não queria se afastar tão cedo.
Depois de se certificar de que seu corpo poderia subir os degraus com segurança, Pedro fortaleceu os joelhos e começou a subir. Enquanto se aproximava do quarto, imaginava as palavras que diria. Uma coisa tinha em mente: queria ser entendido. Não poderia simplesmente ter seu “amadorismo” ignorado. "Que Igor ao menos considere o meu esforço!" Sua missão agora era abrir aquela porta e tentar contornar a situação.
Era fato que Pedro estava mudando — e em muito pouco tempo. Ele conseguia se imaginar iniciando diálogos como o que teria há pouco e pedindo desculpas. Principalmente para Igor! Já não havia tanto orgulho nele, pois sua mente e seu corpo precisavam de carinho. Sabia que tinha muitos preconceitos, mas acreditava que poderia compensá-los da forma que Igor desejasse. "Eu posso não mudar muito meu jeito, mas posso ser um bom companheiro. Eu sei que posso. Vamos lá, Pedro, você está muito perto!"
Esses pensamentos o ocupavam quando abriu a porta. Ao erguer o pescoço, uma sombra estranha chamou sua atenção. Estava no meio do quarto, entre as duas camas. Por mais que Pedro tentasse enxergar com nitidez, a escuridão não permitia. Precisou acender a lâmpada.
Em um clique, todos os seus pensamentos se evaporaram, restando apenas o susto. Ainda não conseguia sentir medo. Precisava digerir o que seus olhos captavam e perceber que aquilo se tratava de uma situação perigosa. Mas o invasor não esperaria que ele reagisse.
— Finalmente o filhinho de papai marrentinho chegou! Anda, desce as escadas, ou eu atiro na cara do seu namoradinho.
— Solta... solta ele...
— Desce, bonequinho, desce. E não tente fazer graça, ou adeus, Igor.
Pedro não teve muito tempo para olhar para Igor, mas percebeu que ele chorava em silêncio. Não havia tempo para nada. Não se discute com um revólver. Pedro seguiu descendo as escadas na frente, enquanto o invasor e Igor o acompanhavam logo atrás. Ao fim da escada, Pedro se virou para eles, sem saber para onde ir, pois ainda não tinha recebido ordens.
— Ei, virou por quê?
— Para onde...
— Cozinha, anda, cozinha. E não tente gracinhas, hein? Não estou para brincadeira.
Pedro continuou caminhando em direção à cozinha, ainda incapaz de raciocinar sobre a situação. Pensava em Igor e na arma naquela mão trêmula. Sentia pequenas e finas agulhas lhe penetrando o peito enquanto caminhava. Encontrava-se em um estado de tensão tão intenso que podia sentir pequenos choques nas articulações dos dedos dos pés.
Quando chegaram à cozinha, o invasor não esperou que Pedro se virasse novamente.
— Anda, lá para fora. Abre a porta. Para o quintal, vamos!
— Mas está chovendo muito!
— Não estou nem aí, playboy. Abre a porta ou eu vou começar a brincar de verdade. Abre!
— Mas o gesso dele...
— É melhor você abrir e sair, senão quem vai precisar de gesso é você — mas na cabeça. Anda!
A chuva caía com tanta força que, ao pisarem no barro lá fora, podiam sentir a água na altura dos calcanhares. Não demorou para que os três ficassem completamente encharcados. Mas esse não era o maior problema: a água escorria tão rápido por seus rostos que eles mal conseguiam enxergar o quintal. A visão embaçada dificultava seus passos.
— Ande até a fossa! — gritou o invasor.
— O quê? — Pedro gritou de volta.
— A fossa, vamos. Vá até lá e abra a tampa.
Pedro não queria acreditar no que sua mente previa, mas não podia discutir com o invasor. Torceu para que não fosse o que estava imaginando e seguiu até o buraco. Com cuidado, agachou-se e arrastou a tampa de madeira para o lado direito. Assim que terminou, levantou-se e virou-se para os dois. Seus olhos expressavam um medo que ele jamais sentira, mas, no escuro e sob a intensa chuva, pouco de sua expressão era visível. De fato, sua mente não mentira: o invasor o obrigaria a fazer o que ele tanto temia.
— Entre no buraco!
— Não.
— Entre, caralho! Quer morrer? — berrou ainda mais alto.
Sem saída, Pedro se agachou e, apoiando-se com a mão direita, projetou-se para dentro da fossa, caindo de pé sem se machucar. Ali dentro, só conseguia ver um pequeno feixe de luz. Quando olhou para cima, sentiu os olhos invadidos pela água e pela lama, que começava a escorrer para dentro do buraco. Em poucos segundos, seus tornozelos já estavam cobertos de lama, muito mais pastosa do que a da superfície. Era como estar numa piscina vazia, profunda e estreita. Ele já não conseguia ver Igor e o sequestrador, mas seu coração disparava à medida que o medo dominava sua mente.
Na superfície, o invasor soltou Igor e se afastou.
— Agora é sua vez!
— Mas como eu vou pular assim? — perguntou Igor, chorando.
— Vai, porra! Quer morrer? — gritou impaciente.
Quando Igor começou a descer, Pedro se adiantou:
— Vem, Igor, eu te seguro!
— Pedro, eu estou com medo…
— Venha, não tenha medo. Eu seguro você.
Tremendo, Igor se agachou e tentou sentar-se na borda da fossa. Com as pernas já dentro do buraco, Pedro tocou seus joelhos, sinalizando que ele poderia se projetar para baixo. Aos poucos, segurou-o pela cintura e o ajudou a pousar no solo. A lama já chegava às panturrilhas, mas essa não era a maior preocupação. Eles olharam para o céu, que não dava trégua com a chuva, e pensaram no que viria a seguir.
De repente, tudo escureceu por completo. A tampa havia sido colocada sobre a fossa.
A partir daquele momento, eles já não sabiam o que fazer. Igor abraçou-se a Pedro e escondeu o rosto. Ele simplesmente não conseguia parar de chorar — e temia pela própria vida.
— Calma, Igor, calma… Tudo vai ficar bem.
— E se ele voltar só pra atirar na gente? Depois que roubar tudo o que quiser, ele pode voltar e nos matar. Não vamos conseguir fugir, Pedro! Eu estou com medo… Eu não quero morrer!
— Não vamos morrer. Fique calmo, meu amor, fique calmo!
A lama já não escorria tanto quanto antes, então não deveria ser a maior preocupação. Mas Pedro sabia que o medo de Igor tinha fundamento. Estavam realmente em perigo.
— Preste atenção. Eu vou tentar levantar a tampa e sair daqui.
— Como? Você não vai conseguir se erguer! A lama não vai deixar.
— Você vai ter que me ajudar.
— Como, com o braço quebrado?!
— Você vai ter que deixar eu pisar no seu colo. No seu joelho.
— O quê?!
— Finja que está sentado numa cadeira. Eu vou pisar no seu joelho e me impulsionar para cima. Será rápido, não vai doer.
— Meu medo não é esse… Meu medo é você conseguir subir, mas não ter força pra continuar. Se você escorregar, vai cair aqui dentro de novo e me machucar.
— Mas a gente tem que tentar! Tente se espremer ao máximo no canto. Eu vou pular e ver se ele colocou alguma coisa sobre a tampa.
Com um pequeno salto e as mãos erguidas, Pedro constatou que bastava empurrar a tampa para removê-la. O problema, de fato, era sair do buraco. Com mais alguns pulos, conseguiu tirá-la completamente, e logo a água voltou a invadir o espaço. Em pouco tempo, a lama já atingia seus joelhos.
— Consegui! — disse Pedro, otimista.
Mas, ao se virar para Igor, percebeu que ele ainda estava encolhido no canto, abraçando os próprios braços. Pedro o puxou com delicadeza e o envolveu em um abraço apertado. Finalmente, ele conseguia cumprir seu papel: proteger o garoto.
— Eu não vou deixar que nada aconteça com a gente. Ouviu? Confie em mim. Eu vou voltar e te tirar daqui. Me prometa que você vai continuar sendo aquele Igor chato que me tira o sossego. Prometa!
— Pedro…
— Não chore… Não chore. Me prometa. Me prometa que você vai continuar sendo o mesmo cara por quem eu me apaixonei. Prometa!
— Prometo…
— Eu não ouvi.
— Prometo!
Ainda abraçados, após a promessa, Pedro beijou a testa de Igor e o afastou para o canto mais uma vez.
— Me dê apoio. Ponha o joelho.
Igor se encostou no canto e abaixou o corpo, ficando quase agachado. A lama que escorria de cima para baixo tomou-lhe todo o peito e a cabeça. O barro úmido descia por seu cabelo, passava pelo pescoço e escorria pelo peito. O gesso do braço já podia ser considerado inutilizável naquele momento. Pedro colocou o pé sobre o joelho de Igor, mas não forçou a subida.
— Quando eu subir, você imediatamente fica de pé e se afasta o máximo que puder, para que, se eu cair, não caia em cima de você. Entendeu?
— Sim!
— No três: um, dois, três...
Pedro conseguiu emergir até a altura do peito, mas não havia nada em que se agarrar na superfície. Tentou fincar os dedos no barro, mas a chuva que escorria para dentro do buraco o impedia de manter a força nas mãos. Foram apenas seis segundos antes de seu corpo despencar. Inevitavelmente, ele esbarrou em Igor, imprensando-o e machucando-o.
— Você está bem? — berrou ao se virar de frente para ele.
— Estou — mentiu Igor. — Você precisa tentar de novo, mas com mais força.
— Eu sei. Vamos, ponha o joelho de novo!
Pedro se apoiou na perna de Igor e, após a contagem, se ergueu para fora mais uma vez. Dessa vez, fincou os dedos no barro, movendo os punhos como se estivesse nadando. Ele alternava as mãos, cravando primeiro uma, depois a outra, e avançando aos poucos. Com essa tática, conseguiu pôr o quadril para fora da fossa e, finalmente, se levantou.
— Igor, segura as pontas!
Pedro saiu em disparada até a porta da cozinha, de onde vieram, mas ela estava trancada. Correu então em busca de outra porta ou janela.
Igor, sujo, amedrontado e sofrendo com dores, continuou na fossa, com a chuva forte lavando seu corpo e impedindo-o de enxergar o céu. Seu medo o impedia de perceber que, desde que a tampa fora aberta, a lama ao seu redor já subira até a metade de suas coxas. Quanto tempo Pedro demoraria para voltar?
— Pedro! Você está aí? Ponha a tampa... Pedro?
Ele se preocupava mais com o braço e o frio insuportável do que com o nível da lama, que continuava a subir gradativamente. As dores eram diversas: desde a pancada que sofrera quando Pedro caiu sobre ele até a posição errada do braço fraturado, que agora doía mais do que nunca. Além disso, o temor de que o invasor voltasse e atirasse nele o consumia. Olhar para cima era um tormento que espremia sua alma. O medo cresceu tanto que o ar lhe faltou; suas pernas fraquejaram, fazendo-o afundar ainda mais no líquido barrento. Mesmo assim, ele conseguiu manter a racionalidade e se obrigou a respirar devagar, controlando o pânico.
Já Pedro, que procurava uma maneira de entrar no casarão para pedir socorro, tentava não fazer barulho. Ao perceber que a porta da cozinha estava trancada, não insistiu. Precisava de uma janela aberta.
"Maldita hora que tranquei essas janelas!"
Pensou em sair para a rua e usar o telefone público mais próximo, mas temia ser visto atravessando o jardim. Seria um alvo fácil para o invasor, que provavelmente estava no quarto, o único cômodo onde guardavam objetos de valor. Se fosse visto da varanda, poderia ser ferido ou morto.
"Que merda! Não posso gritar por ajuda, não posso sair do casarão... O que eu faço?"
Sair para a rua era a solução mais segura, mas também a mais arriscada. Tudo estava invertido. Confrontar o invasor era perigoso, mas, para Pedro, não havia outra escolha.
Seguindo seus instintos, ele continuou procurando uma entrada. Todas as portas e janelas estavam trancadas. Ao dar a volta no casarão, chegou à porta principal, logo abaixo da varanda de seu quarto. Girou a maçaneta.
"Claro! Foi a única que eu ainda não tinha fechado!"
Com passos leves, caminhou até a despensa atrás da cozinha, onde algumas ferramentas dos operários eram guardadas. Contra um revólver, Pedro se armou com um pé-de-cabra e subiu a escada.
O barulho denunciava que o criminoso estava no quarto. Aparentemente, revirava as gavetas. Naquele momento, Pedro não sentia nada — dor, medo, nervosismo ou qualquer outra reação humana natural. Seu objetivo era claro: precisava abater o invasor.
Esperou na porta do quarto, segurando a barra de metal acima da cabeça. Foi só nesse momento, quando parou, que sentiu seu corpo tremer. Seu coração batia tão forte que parecia ecoar no corredor.
Mas ele não teria tempo para sentir medo. Logo uma sombra atravessou a porta.
Pedro não precisou se esforçar. Bastou descer os braços com força e acertou as costas do criminoso. O homem, que segurava uma mochila — a de Igor —, caiu ao chão. Pelo ruído, Pedro percebeu que ela estava cheia de objetos. Mas o invasor ainda estava consciente. Caiu apoiado nas mãos e nos joelhos, tentando se levantar. Pedro não esperou. Chutou-lhe o rosto, jogando-o no chão de vez.
Agora de frente para o invasor, notou um volume no bolso da bermuda. Não restavam dúvidas: era o revólver.
Pedro se inclinou e tomou-lhe a arma. O criminoso estava rendido.
Seu corpo, então, foi tomado por uma onda de medo avassaladora. Seus ombros se enrijeceram, a respiração se tornou intensa e o ar queimava suas narinas. Foi preciso começar a respirar pela boca. Tudo isso aconteceu em segundos.
Agora precisava telefonar.
Com o pé direito, puxou a mochila para perto. Em nenhum momento deixou de apontar o revólver para o corpo desacordado à sua frente.
Segurando a arma com a mão esquerda, se agachou e abriu o zíper da mochila, procurando um telefone celular. Era óbvio que o invasor o havia levado.
Lá dentro, encontrou o computador, um par de tênis e algumas roupas.
"Achei!"
Levantou-se e discou o número da polícia.
— Minha casa foi invadida...
Pedro derramava lágrimas de desespero, e sua mão esquerda tremia sob o peso do revólver.
— Alô, pai?
— Pedro...
Foi indescritível. Ouvir a voz de seu pai, o grande amor de sua vida, fez Pedro chorar ainda mais. As palavras tornaram-se difíceis, e se expressar parecia um desafio ainda maior.
— Pai... Pai... Eu...
— Pedro, o que houve? — perguntou, nervoso.
— Fomos assaltados. Tem um homem aqui no chão... Eu acho que matei ele.
— Pedro... O quê?
— Eu matei!
— Pedro, estou indo para aí. Você precisa de alguma coisa? Quer que eu leve alguma coisa? Cadê o Igor?
— O Igor? Porra, o Igor!
— O que aconteceu com o Igor?
— Eu preciso tirar ele de lá. Tchau!
Pedro então enfiou o telefone dentro da cueca e desceu os degraus às pressas. Atravessou a cozinha e abriu a porta.
Durante todo esse tempo em que Pedro esteve fora da fossa, Igor sentiu o maior medo de sua vida. Cerca de cinco minutos após a partida do amigo, a lama já alcançava sua cintura. A chuva simplesmente não parava e nem diminuía de intensidade. Só então ele percebeu que poderia morrer de outra forma. Olhar para cima era insuportável, mas olhar para baixo tornou-se ainda pior. A espessura da lama o impedia de se movimentar com facilidade. Se o nível continuasse subindo, como ele poderia flutuar, se o líquido era pastoso e seu braço direito estava imobilizado?
Para piorar a situação, Igor não teve coragem de gritar por socorro, pois poderia chamar a atenção do invasor, revelando a presença de Pedro.
Mais alguns minutos se passaram, e o frio congelava sua alma. O desespero tomava conta de sua razão enquanto a lama se acumulava cada vez mais. Embora já estivesse encharcado, a água suja que o envolvia poderia penetrar no gesso e infeccionar os cortes que havia por baixo. Igor se esforçou para manter o braço erguido. Era um movimento nada recomendado, mas não havia escolha. Uma dor aguda atacou seu ombro direito, e suas lágrimas já não tinham forças para aquecê-lo.
Ele estava completamente perdido, esperando apenas o momento em que pudesse gritar.
Foi então que, junto com a lama que caía da superfície, um galho seco de algum arbusto deslizou para dentro da fossa. Ele atingiu o ombro direito de Igor, o mesmo que estava erguido. Sem querer, Igor berrou de dor. O galho continuou a incomodá-lo, e a ferida recém-causada ardia com as fortes gotas de chuva.
Agora, a lama já lhe chegava ao peito. Não havia mais opções. Ou chamava ajuda, ou seria esquecido ali.
— SOCORRO, ALGUÉM! ALGUÉM, POR FAVOR! PEDRO, PEDRO, PEDRO... EU VOU MORRER!
Mas no momento em que gritou, Pedro ainda telefonava para a polícia. O nível da lama subia e seu choro tornava-se cada vez mais desesperador. Igor já não sentia dor, frio, nem conseguia refletir sobre qualquer coisa ou agir racionalmente. Suas pernas agitavam-se no fundo, e sua mão esquerda tentava se fincar na superfície, mas era inútil. Ele não suportaria seu próprio peso apenas com uma mão. Quanto tempo mais Pedro demoraria?
— EU NÃO QUERO MORRER! EU NÃO QUERO MORRER! EU NÃO QUERO, NÃO QUERO...
Finalmente, Pedro abriu a porta que dava acesso ao quintal. Correu pela chuva até alcançar a fossa. A lama já cobria os ombros de Igor, e Pedro percebeu que, por muito pouco, ele não havia morrido afogado.
— Igor! Consegue me ver? — gritou, agachando-se e colocando o revólver sobre a tampa da fossa.
— PEDRO, ME TIRA DAQUI! ME TIRA DAQUI! EU NÃO QUERO MORRER, EU NÃO QUERO!
— Calma, eu vou te tirar...
— ME TIRA, ME TIRA!
— Fica calmo! Vamos, agarra minha mão! — disse Pedro, esticando o braço direito. — Isso, segure firme.
— Eu não vou conseguir. Não tenho força...
— Segura minha mão!
Ao sentir toda a palma da mão de Igor, Pedro se esticou um pouco mais e agarrou seu pulso. Em um só movimento, puxou Igor para cima. O peso do corpo dele aumentou devido ao barro molhado, e a dor no braço fraturado se intensificou, mas não havia alternativa. Nunca Igor havia passado por algo tão traumático.
Aos poucos, seu corpo foi sendo retirado do buraco, e ele voltou a sentir as demais dores: o ombro, o frio, os pés dormentes e tantos outros sintomas. À medida que Pedro puxava, esticava ainda mais o braço e o segurava em diferentes pontos — no antebraço, na gola da camisa — até que, finalmente, Igor estava salvo.
Pedro o sentou no chão. Igor estava esgotado, sem forças, sem ânimo, sem espírito para reagir.
— Você precisa se levantar, Igor... Igor, me ouve?
Ele emitia apenas alguns ruídos com a boca, mas não conseguia formar palavras.
— Eu preciso subir e trazer o ladrão para baixo. Não sei se ele morreu. A gente precisa vigiá-lo até alguém chegar. Eu vou entrar.
Igor continuou sentado na lama, sob a chuva, enquanto Pedro correu de volta para dentro do casarão.
Subiu a escada e encontrou o invasor ainda caído. Mas ele já estava acordado. O coração de Pedro disparou ao perceber dois pequenos brilhos na escuridão. Eram os olhos do criminoso.
Agachou-se e agarrou os pulsos dele, arrastando-o pelo corredor e descendo os degraus. Não teve pena! As costas e as pernas do invasor batiam com força contra cada degrau, e Pedro não diminuía o ritmo. Quando finalmente chegou ao térreo, arrastou-o ainda mais rápido pelo chão plano, soltando-o com força no chão da cozinha. A cabeça do ladrão bateu com um baque surdo.
Lá fora, Igor permanecia desorientado, sentado na lama, enquanto a chuva fria continuava a cair sobre ele.
— Igor, o que você está fazendo aí? Venha, não fique assim... Venha, venha!
Pedro enfiou as mãos por baixo das axilas de Igor e o puxou para cima. Com um pouco de esforço, colocou o braço esquerdo dele sobre seu próprio pescoço e o segurou pela cintura.
"Droga, deixei a arma perto da fossa!"
— Igor, fique aqui, me espere!
Ele correu até o buraco e pegou a arma, colocando-a novamente dentro da cueca, deixando apenas o cano visível. Voltou-se para Igor, que, ao vê-lo se aproximar, reagiu com um gesto irracional e infantil. Com os braços abertos, abraçou Pedro.
— Me tira daqui, Pedro, por favor, me tira daqui... Eu não aguento mais esse frio.
As palavras de Igor eram quase um sussurro, misturadas às lágrimas que escorriam por seu rosto, formando a mais triste súplica. Pedro nunca se sentiu tão impotente quanto naquele momento. Fingindo abraçá-lo, segurou-o pela cintura e o arrastou cuidadosamente até a cozinha, onde o sentou em um dos bancos e encostou sua cabeça na borda da pia.
Naquele instante, as sirenes da polícia já despertavam toda a vizinhança. Pedro respirou aliviado, mas ainda precisava abrir o portão para as viaturas. Ele se agachou diante de Igor e fez um pedido:
— Você vai ter que fazer um esforço agora, Igor. Tome, segure.
— Um revólver?
— Segure firme. Eu vou até o portão antes que eles o arrombem.
— O que eu faço?
— Segure e vigie o ladrão.
— Mas e se ele acordar?
— Atire!
— Pedro...
— Segure firme e não tenha medo.
Pedro saiu em disparada para o jardim, enquanto Igor observava o corpo caído no chão da cozinha. O invasor, porém, estava acordado, apenas esperando o momento certo para fugir. E a oportunidade surgiu.
Com a saída de Pedro, o homem se ergueu do chão com dificuldade. A pancada nas costas e o sangue que escorria de seu nariz o faziam engasgar, mas ele não podia perder aquela chance. Igor se assustou, mas sequer teve forças para reagir.
— Fique aí... Eu atiro! Eu atiro de verdade!
— Se houver balas, pode atirar o quanto quiser.
O homem ficou agachado por alguns segundos, depois apoiou as mãos sobre os joelhos e reuniu forças para se erguer. Caminhou até a porta da cozinha. Igor apertou o gatilho, mas os cliques confirmaram que a arma estava descarregada.
O invasor fugiu pelo quintal e desapareceu.
"A polícia está bem aí, vão pegá-lo... Vão pegá-lo!" Mas não pegaram.
Pedro, em agonia, abriu a porta principal do casarão com pressa e correu até o portão. Os policiais, no entanto, desconfiaram de sua atitude e apontaram-lhe as armas. Dois deles gritavam ordens para que ele parasse, obrigando-o a erguer as mãos.
— Fui eu que liguei para vocês! Eu que liguei!
— Tem mais alguém com você?
— Tem, tem...
Quando Pedro atravessava o salão principal, Breno apareceu. Com um olhar preocupado e um guarda-chuva na mão, abordou o rapaz:
— O que aconteceu aqui? Seu pai me ligou...
— Um ladrão invadiu a casa. Vou subir para pegar um cobertor para o Igor.
— Onde ele está?
— Na cozinha.
— E o marginal? Pegaram ele?
— Fugiu. Eu deixei o Igor com ele, mas o cara escapou.
— Você deixou Igor com ele? Como assim?
— Eu bati no ladrão, ele desmaiou. Deixei o Igor com a pistola para abrir o portão para os policiais. Mas o cara fugiu... Preciso buscar um cobertor!
Os dois policiais que entraram no casarão começaram a vasculhar o quintal, que era extenso e mal iluminado. Enquanto isso, Igor continuava sozinho na cozinha, enquanto Pedro procurava uma toalha e um cobertor.
Breno, por sua vez, apressou os passos para ver o filho e o encontrou chorando, sentado em um banco.
— Igor?
— Pai? Pai... Me ajuda!
— Ajudar em quê?
— Estou com frio.
— Você está todo sujo. Onde você estava?
— No quintal. Eu...
— Fazendo o quê?
— Fiquei dentro da fossa... O ladrão me jogou lá.
— Não precisa mais chorar, Igor. Tudo acabou.
— Meu braço dói...
— Igor, tudo já acabou. Estamos todos tensos, não fique tentando chamar atenção!
— Mas meu braço dói...
— Ninguém vai se importar com seu braço agora. Há coisas mais importantes para nos preocuparmos. Aliás, por que você deixou o bandido fugir? Por que não atirou nele?
— Não tinha bala.
— Mas o Pedro não bateu nele? Por que você não fez o mesmo?
— Como eu faria isso? Eu estava com frio!
— E desde quando frio impede alguém de reagir? O cara estava todo arrebentado e você só estava um pouco sujo de lama!
— Eu quase morri afogado...
— Afogado onde?
— Na fossa... Eu... Eu estava na fossa.
— Mas você é muito mole mesmo, hein, Igor? Agora o ladrão fugiu por sua culpa! Puta que pariu!
— Eu não tive culpa...
— Teve sim! Você ficou aí, se borrando de medo, colocando a culpa no frio! Pedro bateu no cara, e você? Fez o quê?
Pedro voltava para a cozinha com uma toalha e um cobertor, enquanto Breno ainda repreendia Igor pela fuga do criminoso.
— O prejuízo que aquele filho da puta nos deu... Você sabe bem disso e deixa o corno fugir. Por que você não agarrou ele, Igor? Por quê? Você não faz nada que preste, também. É todo desastrado. Por que você não é como o Pedro? Por quê?
— Cala a boca, Breno! – berrou Pedro. – Pare de me comparar com o Igor, pois nós somos iguais!
Pedro já não suportava se sentir inferior a Igor. Mas a verdade é que ele próprio se inferiorizava. A questão é que Igor conseguia, apesar de tudo o que poderia sofrer, se doar à vida plena, se permitir sentir a si próprio e deixar que o mundo o invadisse. Pedro sabia que nada do que ele fizesse (ou fez no passado) seria tão corajoso quanto os passos de Igor dados para lugar algum, mas com destinos certos. Mas muito mais angustiante que isso era ver Igor sendo inferiorizado. Tudo isso se explica por uma simples afirmação: Igor era o ídolo de Pedro. Não há nada pior para um fã do que ver seu ídolo sendo subjugado. Igor, de fato, era “Grande”, como Silveira costumava dizer, e Pedro gostava disso e desejava que ele continuasse assim. Sabia Pedro que dessa maneira cresceria junto com ele.
— Cala a boca, Breno! – berrou Pedro. – Pare de me comparar com o Igor, pois nós somos iguais! Você sabe que seu filho quase morreu soterrado de lama? Você não está vendo que ele está quase morrendo de frio?
Pedro atravessou a cozinha, passando por Breno, e se ajoelhou diante de Igor. Ele pôs o cobertor em cima da pia e começou a secar aquele corpo frio com a toalha. Começou pelos dedos dos pés, que estavam duros e roxos, assim como os dedos das mãos. Com delicadeza, Pedro foi passando a toalha até chegar ao rosto de Igor, onde demorou mais tempo, secando e limpando seus lábios.
— Como está o braço?
— Não sei...
— Está sentindo alguma coisa?
— Frio, Pedro...
Breno assistia a tudo calado e não entendia como pôde não ver a gravidade da situação. Arrependeu-se um pouco pela forma com que tratou o filho, mas, dando um pouco mais de atenção àquela situação, enxergou algo além. Ele ainda não tinha entendido o que Pedro queria dizer com “nós somos iguais!”, mas com o tempo ele começava a apreender aquela afirmação, embora fosse tão absurda que ele não acreditasse com confiança em si mesmo. Naquele momento, mais dois policiais adentraram a cozinha e perguntaram a Breno onde estavam os seus companheiros.
— Estão lá no quintal.
Pedro levantou Igor do banco e o envolveu com o cobertor, abraçando-o no final para aquecê-lo. Deram alguns passos, mas Igor tinha dificuldade para andar.
— Vamos, Igor...
— É melhor eu descansar um pouco.
— Quer que eu te carregue?
Mas um dos policiais o interrompeu para averiguar a história que seria contada sobre a situação, enquanto o outro agente seguiu para o quintal.
— Não, agora vocês têm que falar o que aconteceu...
— Agora não!
— Como agora não?
— O senhor não está vendo que ele está passando mal?
— Eu estou vendo, ainda não fiquei cego. – respondeu o policial com rispidez.
— Pois então... Agora não!
— Ele só quer saber o que aconteceu para poder investigar melhor. – respondeu Breno irritado.
— Investigar melhor o quê? Um cara entrou aqui, nos ameaçou com uma arma e fugiu. O que mais você quer saber?
— Olhe, rapaz, você precisa colaborar e precisa respeitar a autoridade!
— Eu não preciso respeitar nada. Respeite o senhor, antes de tudo. Estamos exaustos e quase morremos. Um cara entrou aqui com uma arma para roubar e conseguiu fugir. Ao invés de estar aqui perdendo tempo, vá caçar o bandido. Não é por isso que o senhor é pago?
— Eu já disse para você me respeitar e colaborar, não preciso que você me ensine a trabalhar. Desacato é crime!
— Me leve preso e me interrogue o quanto quiser. Mas agora não! Você quer posar de bom policial? Então vamos ver o que você vai dizer quando chegarem repórteres e eu disser para eles que, antes do malandro fugir, vocês se confundiram duas vezes sobre quem era o bandido e deixaram ele escapar. Eu vou subir com ele e vamos nos limpar, depois vamos ao hospital ver esse gesso e só depois eu procuro a polícia.
Pedro se inclinou um pouco e tomou impulso para pôr Igor em seus braços.
— Pedro, meu braço...
— Desculpe, amor!
O policial olhou para os dois, franziu a testa e soltou uma leve risada.
— Entendi tudo já. Não se preocupe não. Somos machos, vamos atrás do malandro!
E saiu para o quintal. Sozinhos, Pedro olhou para Breno um instante e, com fúria, o provocou.
— Tudo vem em primeiro lugar, menos o Igor.
— Vocês são iguais, então?
— Somos gays, se é isso o que você quer dizer.
— Meu filho não é gay!
— É tão gay quanto eu. No fim, seu filho é como eu sou, como você sempre quis. Não era isso o que você dizia enquanto batia nele? “Por que você não é como o Pedro?”. Ele é, e é ainda mais homem do que eu.
— Então esse tempo todo vocês estavam aqui fazendo a sujeira toda que faziam? Eu devia saber que você era bicha, Pedro. Eu devia saber. Mas Igor não, Igor é meu filho! Eu o criei bem!
— Pedro... Meu braço dói... Me põe no chão... – disse Igor com lágrimas nos olhos.
Sem demora, Pedro o pôs de pé e o segurou pelos ombros.
— Você consegue subir as escadas?
— Deixe que eu levo o meu filho... — disse Breno se aproximando.
Quando o pai de Igor se esticou para puxá-lo, Pedro o repeliu com um tapa em seu antebraço.
— NÃO!
— Olhe aqui, Pedro, não vou deixar você nem mais um segundo perto dele...
— Eu é que não vou deixar você com ele, seu filho da puta. Você está pensando o que? Você bate nele e agora quer vir posar de bom pai? Aqui não, Breno... Aqui não.
— Cale a boca, Pedro, você não tem moral para falar nada. Você não me conhece, você é só um moleque e ainda é viado. Cale a boca, senão eu mesmo calo.
— Você vai me bater também, Breno? Então bata, bata mesmo, eu quero só ver!
Porém, uma outra voz se intrometeu naquela discussão e instantaneamente os parou.
— Você vai bater no meu filho, Breno?
Silveira estava na porta da cozinha, com a parcimônia que lhe era natural, mas com uma voz autoritária nunca imaginada para aquele homem. Breno e Pedro o olharam imediatamente, assim que o ouviram. Breno inflou-se de oxigênio e preparou uma resposta.
— Eu não bateria se não fosse preciso, mas ele está agarrado ao Igor e eu não quero isso.
— Você vai bater no meu filho, Breno?
— Seu filho é gay. Você sabia disso?
Silveira olhou para o filho imediatamente. Pedro, pela primeira vez, sentiu medo desde que aquela discussão se iniciou. Ele olhou para o pai e seu pulmão murchou. Em compensação, sua boca se encheu de saliva e seus olhos tremularam. Silveira, por sua vez, olhou para o filho e sentiu uma agonia. Olhou para Igor, que escondia seu rosto no peito de Pedro e, depois, voltou seus olhos para o rosto do filho. Naquele momento, ele apreendeu toda a situação e, apesar de reagir muito melhor que Breno, Silveira também parecia decepcionado. Foi um instante e, embora o golpe tivesse sido intenso, Silveira não perdeu o foco da discussão.
— Não sabia e não interessa. No meu filho você não bate. No meu filho ninguém bate!
— Mas do meu filho cuido eu. Vem Igor. Venha aqui. — disse esticando o braço mais uma vez.
— Não, Breno! — respondeu Pedro, que abraçou Igor com mais força.
— Pedro, solte o meu filho!
— O Igor fica, Breno. Quem sai é você! — disse Silveira ainda parado no mesmo lugar.
— Cuide do seu filho e eu cuido do meu.
Silveira caminhou até Pedro e tocou Igor no ombro.
— Igor, é o seu tio. Você está me ouvindo?
Ainda com o rosto escondido no peito de Pedro, Igor agitou a cabeça positivamente, com trejeitos infantilizados.
— Você quer ir com seu pai? — agitou a cabeça mais uma vez. — Viu? Ele não quer e você não vai obrigá-lo. Agora saia, pois essa casa é minha!
Nada conseguiria descrever a fúria que se instalava no peito de Breno. Ele olhou para o filho mais uma vez e, instintivamente, respirava fundo para se manter controlado. Não sabia quem odiava mais: se a Pedro, Silveira ou Igor.
— Sua mãe vai morrer de tristeza quando souber, Igor.
— Breno, saia. Eu já mandei, saia da minha casa agora!
Naquele momento, Breno sentiu vergonha de si mesmo e se retirou com passos rápidos. Pedro continuou de cabeça baixa e abraçado a Igor. Faltou-lhe coragem para encarar o pai, então continuou calado.
— Pedro, suba com ele e se limpem. Daqui a pouco nós vamos embora.
— Precisamos ver um médico. — disse Pedro ainda de cabeça baixa.
— Ele fez alguma coisa com vocês? — perguntou Silveira espantado.
— Não. Mas o gesso...
— Ah, sim, sim, entendi. Vá, suba, eu cuido do resto.
Os joelhos de Pedro congelaram e não havia mais forças em seus músculos para caminhar. Tudo fruto do medo. Mas lembrou-se de Igor, quando este, ainda com jeito infantil, abraçou-se mais a Pedro e confessou.
— Pedro, estou com frio... Me ajuda...
— Suba, Pedro. Cuide dele!
Com cuidado, Pedro abraçou Igor pela cintura e juntos saíram da cozinha. No quarto, Pedro despiu Igor por completo e terminou de enxugá-lo, o vestiu em uma roupa de inverno — calça de moletom e camisa de tecido espesso — pôs meias e o deitou na cama. Nada diziam, não havia força neles para isso. Se olhavam às vezes. Mas não seria necessário dizer nada, pois já tinham ouvido coisas demais naquela noite. Agora com muita rapidez, Pedro vestiu uma calça, uma camisa e calçou tênis. Não soube precisar se deveriam descer a escada, por isso continuou no quarto. Já vestido, ele se aproximou de Igor e se sentou na cama em que ele estava deitado. Igor dormia um sono leve e parecia mais calmo. Pedro se sentiu invadido por aquela calmaria e, em seu coração, percebeu que as coisas agora de fato mudariam. Não sabia o que aconteceria, mas teve certeza que não lhe faltaria amor. Embora triste, se sentiu tão seguro de que seus próximos dias seriam melhores, que se deixou levar pelo ar que saía do nariz de Igor. Ele então resolveu acariciar o cabelo ainda úmido dele, “tudo vai ficar bem, não tenha mais medo. Eu vou te proteger agora!” Igor abriu os olhos e sorriu para Pedro.
— Chegou a hora...
— Hora? De quê?
— De você cumprir a sua obrigação.
Pedro estava sentado à beira da cama, enquanto Igor, deitado e com o rosto um pouco escondido pelo travesseiro, parecia feliz como nunca antes.
— Que obrigação?
— Eu estou cansado de ser forte, Pedro. Eu quero ser fraco.
— Você quer ser fraco? — Pedro riu um pouco. — Mas você não pode ser. Você é o “Grande”, lembra?
— Mas já está na hora de seu pai começar a chamar você de grande e não eu.
— Não sei, Igor... — Pedro desfez o sorriso e abaixou a cabeça. — Meu pai deve estar zangado agora.
— Vamos combinar. Você é o Grande agora.
— Por que isso?
— Porque o tempo de eu ser forte por mim mesmo já passou. Estou cansado. Agora eu tenho você. Será que eu estaria sendo egoísta se eu te pedisse para ser forte por mim? É que eu sempre quis, desde que me apaixonei por você, me sentir protegido enquanto me abraço ao seu peito e sinto um aperto forte em minhas costas, quando você pressiona os seus braços contra mim.
— Você quer que eu te proteja?
— Eu aposto que era isso o que você estava pensando enquanto me olhava cochilar, não era?
Pedro sentiu seus pulmões inflarem com o ar, seu peito subiu e sua boca se abriu.
— Sim, eu estava mesmo pensando nisso. Mas como você descobriu?
— Não sei... — disse Igor sorrindo.
Igor voltou a fechar os olhos e se espremeu contra o travesseiro.
— Continua me fazendo cafuné. Estava tão bom.
Pedro continuou espantado com as palavras dele. Como ele conseguiu descobrir seus pensamentos? Bem, não importava. Pedro continuou a fazer-lhe afagos e vigiou o sono de Igor. Em poucos minutos, Silveira subiu os degraus e chegou ao quarto. Quando Pedro percebeu que o pai estava na porta, se assustou. Instintivamente pensou em parar de acariciar o cabelo de Igor, mas, não soube por quê, ele não parou. Silveira se aproximou deles e olhou para Igor.
— Como ele está?
— Parece bem. Dormiu...
— Ele reclamou do braço?
— Não mais.
— Igor tem sido muito corajoso.
— Como assim?
— Nada...
— Pai, eu não queria que o senhor pensasse que eu...
— Eu não vou pensar nada, Pedro. E você também não dirá nada agora! — disse com extrema rigidez.
— E quando direi?
— Depois. Agora não. Venha, pegue-o no braço e vamos ao hospital.
— E o casarão vai ficar aberto, com esse monte de gente lá embaixo?
— Seu tio chegou. Está com os policiais. Eles pegaram o cara, mas eu ainda não o vi. Mas também não me importa isso agora. Vamos, pegue o Igor... Ah, mas antes... Você sabe onde está o cartão do plano de saúde dele?
— Sei.
— Então pegue-o e vamos!
No carro, Silveira não olhava para o filho pelo retrovisor. Evitou-o ao máximo. No banco de trás, Pedro continuava a fazer carinho em Igor, enquanto sentia-se triste pela atitude do pai. Ele não entendia como Silveira podia ser tão compreensivo com Igor e tão apático com ele. Foram para um hospital de emergência, e Igor teve apenas que trocar o gesso, pois nada de mais grave lhe havia acontecido. Depois, voltaram para casa. Pedro ainda cuidava de Igor, ajudou-o a tomar banho e a se vestir com uma de suas roupas. Mas ele já estava melhor, sua aparência denunciava que ainda havia forças e ele já conseguia sorrir. Paula lhe servia uma sopa, quando Silveira entrou na cozinha e encontrou todos sentados à mesa. Seus olhos estavam vermelhos, como se tivesse chorado. Ainda sem olhar para o filho, pois não tinha essa coragem, o chamou para finalmente conversarem.
— Pedro, venha para o jardim.
Silveira nem mesmo o esperou e se adiantou. Pedro se levantou da mesa e seguiu para fora. Atravessou a sala de estar e abriu a porta. No jardim, seu pai estava de costas, com as duas mãos para trás, enquanto parecia observar o céu, ainda acinzentado. Pedro não soube como chamar sua atenção. Temia os segundos e parecia não querer ouvir o pai. Não conseguia se imaginar dizendo aquelas palavras. “Pai, sou gay” parecia algo em outro idioma. Silveira se virou, e seus olhos brilhavam com tantas lágrimas. Todo o medo de Pedro se dissipou, pois percebeu que o choro não era de ódio, mas sim de compaixão. Silveira abriu os braços e, com as mãos, chamou o filho para um abraço. Pedro foi tomado por aquele ato e, como em um sonho, flutuou até os braços do pai, onde fez como Igor, quando este o abraçou. Deixou-se levar por aquele aperto e também chorou. Não conseguia imaginar um dia mais perfeito, em que a felicidade pôde finalmente ser palpável. Mas Silveira logo tratou de quebrar o sonho e trazê-lo de volta à realidade. Ainda abraçados, ele disse:
— Me perdoe, filho. Me perdoe, por favor. A culpa de você ser assim é toda minha!
Foi como um sopro forte, derrubando um castelo de cartas. Silveira parecia não entender que o filho não era “assim”, ele só era gay. Pedro sentiu-se sufocado por aquele abraço e, pela primeira vez, se decepcionou com o pai pequeno que tinha.
Continua....
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Comentários (6)
José Júnior: Olha voltou a surpreender. Este capítulo foi muito bem criado, tem 3(três) dias que comecei a ler e espero amanhã chegar ao seu " último" capítulo enviado,e espero que vc tenha pique para dar um bom final, mas não tem de ser agora, espero ver o casal dirigindo o hotel e mostrando que a verdade pode ser dura mas é muito reconfortante superar esses momentos.
Responder↴ • uid:1e0wg5mz28anMarcos: Ansioso pelo próximo capítulo 😀
Responder↴ • uid:3ynzgfs5t0cPA22: Poxa, esperava uma reviravolta na hora do assalto, com Igor ajudando com alguma ideia inteligente. E o Silveira me decepcionou, esperava mais dele!
Responder↴ • uid:2ql4b6xijParteenJ: Mas o "assim" não necessariamente tem a ver com ser gay, mas pode tbm ser relacionado a ter sido tão preconceituoso...vamos aguardar os próximos capítulos
• uid:2s7bo5h7tz4PA22: Quando li, não pensei que fosse, mas o pensamento do Pedro me induziu a achar isso, mas espero que estejamos errados, pq ele parece ser um bom pai e uma boa pessoa!
• uid:2ql4b6xijParteenJ: Por isso q qdo se trata de contos ou estórias, não me precipito, p n ter antecipação errada kkkkkk
• uid:2s7bo5h7tz4