#Gay #Teen

Entre Muros e Segredos cap 15

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Timberlake

Aprendemos muito mais com as situações ruim quê com as boas e Pedro começa a enteder isso.

A noite chegou, mas Igor continuava fora. Pedro limpou toda a cozinha, tirando o pó das embalagens nos armários e lavando as panelas expostas à poeira. Em seguida, saiu para comprar pão fresco, queijo e leite. Depois de organizar a cozinha, subiu para o quarto.
Ao chegar, sentiu curiosidade em ver o que Igor havia comprado e guardado debaixo da cama. Aproximou-se da sacola e a abriu. Havia de tudo, exceto frios e alimentos perecíveis. Aquilo o irritou. O garoto conseguia se virar muito bem com tão pouco, enquanto ele próprio não era capaz nem de cozinhar uma salsicha. Sua reflexão, no entanto, foi interrompida ao ouvir chamarem-no no portão. Só ao descer e se aproximar conseguiu enxergar a visita naquela escuridão.
— Tati?
— Oi, Pedrinho, tudo bem?
— O que faz por aqui? — perguntou enquanto abria o portão.
— Vim te fazer uma visitinha.
A garota entrou e o selou nos lábios. Pedro sorriu, mas era um sorriso fingido. A cada dia que passava, sentia mais necessidade de tempo para si mesmo. Afinal, acabara de perceber que não se sentia tão atraído por mulheres como sempre imaginou. Precisava rever seus conceitos, entender seu corpo e aprender a viver em um mundo acostumado a odiar aquilo que ele próprio começava a aceitar. Mas Tatiana não conhecia esse novo mundo — nem imaginava que Pedro fazia parte dele.
Ela entrou no casarão e subiu as escadas sem que trocassem mais nenhuma palavra.
Já passava das vinte e duas horas quando um táxi deixou Igor na porta do casarão. Ele entrou, seguiu para a cozinha, tomou um copo de água e decidiu subir. No entanto, ao passar a mão distraidamente sobre a mesa, notou que estava limpa. Estranhou. Acendeu a luz e se surpreendeu ao ver tudo organizado, sem nenhum vestígio de poeira ou cimento velho.
"Será que ele finalmente percebeu que não tem mais a mamãe para fazer as coisas por ele?"
Igor gostou da surpresa, ainda que não tivesse a intenção de dar uma lição em seu rival.
O casarão estava em silêncio. Pedro já deveria estar dormindo. Com cuidado, Igor subiu as escadas, evitando fazer barulho. Mas, ao entrar no quarto, acidentalmente chutou um copo de vidro, que se quebrou. Pedro se levantou num sobressalto, pronto para se defender, mas antes que pudesse atacar, Igor acendeu a luz.
— Ah, é você? — perguntou, ainda assustado.
— O que houve? — indagou Tatiana, enrolada no lençol.
— Oi, Tati.
Igor se abaixou para recolher os cacos de vidro. Pedro, sem saber se se cobria ou se ajudava, também se inclinou.
— Deixa, Igor, eu cato.
— Não, eu quebrei.
— Mas eu que deixei o copo aí.
— Mas eu que o chutei, acordando vocês.
— Mas a culpa foi minha.
— Mas eu já estou recolhendo, e você está descalço. Vai se cortar.
Pedro ficou observando Igor, sentindo-se culpado por vê-lo fazer aquele trabalho.
— Igor tem razão, Pedrinho. Melhor você voltar pra cama, senão vai se cortar. Deixa que ele cuida disso pra gente — disse Tatiana.
— Se bem me lembro, foi você quem deixou esse copo aí. Então, você é quem deveria estar no chão catando esses cacos — disparou Pedro.
— Ah… desculpa, não foi minha intenção.
— Mas de boas intenções...
— Ai!
Igor se cortou com um dos cacos. O sangue logo começou a pingar no chão.
— Você se machucou? — perguntou Pedro.
— Nada demais.
— Como assim "nada demais"? Olha o sangue já formando uma poça no chão!
— Não exagere!
— Deixa eu ver…
— Não, eu só vou até o quintal jogar esses vidros fora.
Igor desceu as escadas na escuridão. Pedro e Tatiana continuaram no quarto.
— É melhor você se vestir e ir embora, Tatiana.
— Está com raiva de mim, Pedrinho?
— Não. Só estou um pouco assustado com o jeito que o Igor chegou. Só isso.
— Tudo bem, vou me vestir.
Pedro calçou uma sandália e procurou a cueca para descer e ajudar Igor com o corte. Quando chegou à cozinha, encontrou-a vazia e viu a porta dos fundos aberta.
— Igor, onde você está? — gritou.
— Aqui no quintal!
— No quintal? Menino, cuidado! A fossa está aberta!
A fossa tinha mais de dois metros de profundidade.
Pedro não podia imaginar que sua irresponsabilidade pudesse ter grandes consequências. Afinal, nunca estivera acostumado a viver por si próprio. Vivia para si, mas nunca geriu sua vida sozinho. Agora, precisava aprender a assumir suas atitudes. Ele precisava assumir!
Ia percebendo isso aos poucos, mas o mundo não pararia para esperá-lo. Pedro gostava de sua irresponsabilidade — e não se sentia culpado por isso. Pelo menos, até aqueles dias no casarão. Foi ali que sua masculinidade começou a ser testada.
Ele correu para o quintal. Na imensidão negra da noite, tentou enxergar Igor.
— Igor, onde você está? — gritou.
— Já estou voltando.
— Mas onde…?
Então, um barulho oco ecoou pelo quintal, seguido de um silêncio absoluto. Pedro, espantado, ficou imóvel, tentando captar o som dos passos de Igor. Mas eles não vinham.
"Não pode ser!"
Insistiu em ficar calado, mas os segundos se passaram, e Igor continuava sem dar sinal de vida.
— Igor? Igor, onde você está?
— PEDRO! — gritou.
Foi o suficiente para que Pedro entrasse em pânico e começasse a se mover em direção ao buraco. O grande problema era que ele não podia se apressar, pois também corria o risco de cair. Quando sentiu que estava perto, sentou-se na borda da fossa, com os pés para dentro.
— Igor, consegue se levantar?
— Pedro... eu acho que quebrei alguma coisa...
— O quê?
— O ombro.
— O ombro?
— Meu braço direito está doendo... De onde surgiu esse buraco?
— Consegue ficar de pé?
Igor estava deitado sobre o braço direito, que na verdade havia sido quebrado — e não o ombro, como suspeitava. Seu rosto estava arranhado e encostado no barro úmido. Ele não conseguia se levantar, pois não tinha como se apoiar para ganhar impulso.
— Tatiana, traga um celular! — gritou Pedro. — Igor, calma, eu vou ligar para uma ambulância.
— Não, não preciso de ambulância.
— Mas você pode ter se machucado muito, e eu não posso te tirar daí sozinho. Pode ser perigoso.
— Pedro, se eu quebrei alguma coisa, foi o ombro ou algo assim. Minhas pernas e minha coluna estão inteiras. Eu posso me mexer, só não consigo levantar.
— Mesmo assim... Tatiana? Tatiana, traga um celular!
Tatiana apareceu na porta dos fundos.
— Que gritaria! O que houve?
— Cadê o celular? — perguntou Pedro.
— Eu não trouxe...
— Mas eu não pedi pra você trazer? Anda, faça alguma coisa útil e traga o celular!
A garota revirou os olhos e subiu as escadas para procurar o telefone. Antes disso, Igor, que ouviu toda a impaciência de Pedro, começou a rir. Mas a terra entrava em sua boca, impedindo-o de rir mais alto.
— Você está achando engraçado?
— Coitada da Tati.
— Coitada? Ela é uma idiota! Agora me diz, você está mesmo bem?
— Estou, estou... Só o braço que dói como nunca senti na vida.
— E por que você está tão calmo?
— Pedro, o que você quer que eu faça? Que eu fique berrando, chamando as fadas para me tirarem daqui enquanto choro?
— Cadê essa menina com o celular?
A noite estava escura, e Pedro não conseguia enxergar o fundo da fossa, tamanha era a ineficiência da luz da lua naquela noite. Já Igor conseguia ver bem as estrelas e um pouco da luz da rua, mas evitava abrir muito os olhos para que a terra não entrasse.
Quando Tatiana voltou, Pedro a instruiu a ficar onde estava, para que não corresse o risco de se machucar ou até mesmo cair no buraco. Ele foi até a porta, pegou o celular e voltou para a beira da fossa, iluminando o fundo com a luz do aparelho. Notou que havia um grande espaço entre as pernas de Igor e não pensou duas vezes: largou o celular no chão e se jogou para dentro da fossa, caindo de pé naquele pequeno espaço.
— Igor, consegue levantar o braço?
— Só o esquerdo.
— E consegue se agarrar em mim com ele?
— Cadê? — Igor tateou o corpo de Pedro. — Mas você está pelado!
— Não, estou de cueca.
— É a mesma coisa! Como vou me agarrar em você? Vista uma camisa, pelo menos.
— Tatiana, me traz uma camisa...
— De manga! — lembrou Igor.
— Uma camisa de manga!
Tatiana voltou para o quarto, enquanto Pedro tentava entender a posição em que Igor estava.
— Continua com a mão no meu joelho. Aqui é sua cabeça?
— Sim.
— E esse é o braço que...?
— Ai, é, é, é sim! Não toca!
— Tá, desculpa.
— De onde surgiu esse buraco?
— É a nova fossa.
— E por que deixaram aberta?
— Melhor você não se mexer muito.
— Aqui está a camisa! — gritou Tatiana da porta.
— Está vendo a luz do telefone?
— Sim.
— Pode vir até ele?
— Tá bem.
Tatiana caminhou lentamente até onde o celular iluminava e parou.
— E agora?
— Joga a camisa... Pronto, peguei. Agora volte!
— Querem que eu faça mais alguma coisa?
— Não, não precisa. Só volte para o casarão.
— Pedro, Tatiana ainda está aí?
— Tati? — chamou Pedro.
— Sim.
— Espere um pouco.
— Tati, pega meu cartão do plano de saúde, por favor.
— Onde está?
— Tem uma mala verde ao lado da minha cama. Procura minha carteira, está em um dos bolsos externos.
— Certo!
Pedro começou a vestir a camisa e voltou a se agachar. Pegou a mão de Igor novamente e a colocou sobre seu joelho.
— Igor, eu tenho medo de te puxar e piorar a situação.
— Não seja bobo, Pedro. Eu já disse que só quebrei o ombro.
— E você acha isso pouco? É melhor chamarmos uma ambulância.
— Não, Pedro. Pega minha mão e coloca na sua camisa. Assim, eu me puxo e me apoio em você.
Pedro então o puxou pelo pulso e o posicionou sobre seu peito. Quando Igor se sentiu seguro, agarrou-o com os dedos e começou a se impulsionar para cima.
— Pedro, puxa o meu antebraço.
— Espera, calma!
Quando todo o quadril de Igor já estava erguido, Pedro o segurou pelo pescoço e o colocou de pé. Agora estavam um de frente para o outro, mas não conseguiam perceber exatamente a distância entre si.
— Você está na minha frente, certo?
— Certo.
— Vire de costas, e eu vou me agarrar ao seu pescoço. Depois, você escala o buraco.
— Entendi.
— Você consegue me segurar com o meu peso, não é?
— Claro que sim, Igor.
— Então vira.
Pedro girou o corpo, e Igor se agarrou ao seu pescoço pela gola da camisa.
— Agora você precisa ser muito forte...
— Igor, eu sou forte!
— Eu vou me pendurar no seu pescoço e tirar meus pés do chão. Quando isso acontecer, você precisa encaixar meu quadril nas suas costas.
— Como assim?
— Tipo "Briga de galo", sabe?
— Sei.
— É a mesma coisa, só que eu não posso mover um dos braços.
— E justo o direito...
— É, cala a boca e presta atenção, porque eu vou me pendurar no seu pescoço.
Quando Igor impulsionou o corpo para cima, Pedro sentiu uma forte pressão na garganta, sufocando-o. Era o momento certo para ele se curvar, segurar as coxas de Igor e encaixá-lo em seu quadril. Foram apenas alguns segundos, mas se demorasse mais, Pedro não aguentaria e deixaria Igor cair novamente no fundo da fossa. Com o garoto finalmente em suas costas, Pedro começou a parte mais difícil: escalar o buraco carregando o peso de Igor.
O que facilitou a subida foi sua estatura, que lhe permitia alcançar facilmente a borda do buraco. Com um esforço máximo, usou toda a força dos braços, costas e abdômen para se puxar para cima. Assim que conseguiu tirar os pés do chão, apoiou-os nas paredes do buraco e, após alguns segundos, metade de seu corpo já estava fora. Ele então continuou engatinhando até que Igor pudesse ficar de pé.
— Pronto, Igor, pode descer das minhas costas.
— Pedro... eu não consigo.
— Como assim?
— Minhas pernas... eu não as sinto direito.
— O quê?!
— Elas doem, mas não respondem aos meus comandos. Estou tentando descer, mas não consigo mover os pés.
— Igor, não brinca com isso!
— E você acha que eu brincaria com uma coisa dessas?
— O que eu faço?
— Ainda estou segurando no seu pescoço. Tenta ficar de pé, e aí eu me solto. Se eu conseguir me manter em pé, então está tudo bem.
— Igor, bem que eu disse que devíamos chamar uma ambulância...
— Mas não chamamos, e agora é tarde. Vai, Pedro, fica de pé.
Pedro se afastou da fossa, para evitar que Igor caísse de volta, e começou a ficar de pé lentamente. No momento certo, segurou Igor pela cintura, enquanto os pés do garoto tocavam o chão. Ainda estava de costas para ele.
— Pode soltar, Pedro.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Igor...
— Solta, Pedro, eu já consigo ficar de pé.
Pedro foi até a cômoda e tirou um maço de cédulas da carteira.
— Toma, isso deve dar.
— Tem certeza, Pedrinho?
— Tenho sim. É melhor você ir. Se meu pai descobre que o Igor caiu enquanto eu estava ocupado, ele me mata.
— Ué, mas você não é a babá do Igor.
— Eu sei, mas, para o meu pai, eu sou.
— Não entendi.
— O Igor não é esse menino bonitinho e legal que você imagina. Ele é traiçoeiro e venenoso. Ele colocou meu pai contra mim.
— Sério?
— Sim. Então é melhor você ir, porque já temos problemas suficientes para uma noite.
— Tudo bem, eu vou.
Pedro a beijou rapidamente e desceu as escadas às pressas. Tatiana foi embora sem se despedir de Igor e chamou um táxi.
— Essa é a carteira?
— Veja se o meu cartão do plano de saúde está dentro...
— Está!
— Ótimo. Então, pode me levar a um hospital? — perguntou Igor, gemendo.
— Claro que sim!
Pedro não entendeu o motivo daquela pergunta. Sentiu-se até ofendido. Afinal, a culpa de Igor estar naquele estado era dele; obviamente, o levaria. Mas não se ocupou com isso. Segurou Igor pela cintura e o ajudou a caminhar até o jardim. Quando finalmente puderam ser iluminados, Pedro viu o estrago que causara. O antebraço do menino estava deformado, fazendo uma curva. Por sorte, a fratura não havia sido exposta, mas ainda assim ele não escapava de uma hemorragia interna. Entraram na van e seguiram para o hospital mais próximo.
— O hospital do centro não atende emergências, eu acho.
— Não sei também. Por via das dúvidas, vamos para a parte alta da cidade.
— Você não quer ligar para o seu pai?
— Não. Amanhã eu ligo.
— Por quê?
— Porque sim, Pedro. Agora dirija mais devagar, porque eu não posso usar o cinto de segurança.
— Meu pai vai me matar quando souber.
— Te matar por quê?
— Porque vai.
— Por acaso foi você quem deixou a fossa descoberta? Não. Então pronto.
— Na verdade... Bem...
— Não acredito, Pedro! Não acredito!
— Mas foi sem querer...
— Cala a boca agora. Não quero mais ouvir nada!
— Me perdoa.
— Fecha a boca, Pedro. Dirige!
Alguns segundos depois, Igor olhou para o seu braço com dificuldade, pois as lágrimas não lhe permitiam enxergar direito. Mas, com a cabeça baixa, ele percebeu algo muito estranho.
— Pedro, você está de cueca?
— Hã? Ah, não acredito...
— Eu é que não acredito, Pedro, seu burro!
Voltaram para o casarão, e Pedro entrou apressado para pegar uma bermuda. Seguiram o trajeto de volta e chegaram ao hospital. Enquanto Igor era preparado para receber o gesso, Pedro decidiu ignorar as ordens do garoto e ligou para o seu pai. Em seguida, telefonou para Silveira e o chamou, mas em nenhuma das vezes disse o motivo da quebra do braço de Igor. Breno e Silveira chegaram quase juntos, mas se encontraram na recepção. Pedro os esperava em um dos corredores e os indicou para o quarto. Enquanto eles entravam, o rapaz ficou ali, amargando uma enorme culpa em seu peito e um desejo imenso de se encher de socos.
— Pai? – exclamou Igor, ainda com o braço imobilizado para receber o gesso.
— Eu nem acredito que você quebrou o braço!
— Mas quebrei.
— Você é um irresponsável!
— Espera, Breno, ele não teve culpa.
— Eu duvido muito.
— Como assim? Por que alguém provocaria a quebra do próprio braço?
— Para não entrar para o exército, por exemplo.
— Grande, você fez isso?
— Óbvio que não. Mas não seria má ideia.
— Menino, quando você tirar o braço da tipóia, eu mesmo vou quebrá-lo de raiva!
— Calma, Breno. Não se esquente com isso. Agora me diz, Igor, como foi que isso aconteceu?
Igor olhou para o tio e para o pai e começou a sorrir estranhamente.
— Essa história é divertida, vocês vão adorar saber por que eu quebrei o braço!
Silveira saiu do quarto de Igor com uma cara amarrada e um sentimento de impotência irreconhecível. Por que aquele homem simplesmente odiava a maneira como Breno conduzia a educação de seu filho? Igor parecia ser um garoto amável – e era de fato – o filho perfeito. Era o filho que Silveira não tinha. Em compensação, Pedro era um erro de criação.
Enquanto seu filho se recuperava do susto na sala de espera, Silveira caminhou até ele, como se fosse tirar satisfações. Pedro tomou o último gole de água e temeu o que viria. “Igor contou!” Ele então se aproximou e puxou Pedro pelo braço.
— Vamos, Pedro! – disse grosseiramente.
— Mas o que houve? Igor está bem?
— Está, Pedro. Eu não quero falar sobre isso. Vamos embora.
— Mas ele volta com o pai?
Silveira então parou de puxá-lo e o olhou nos olhos.
— Eu queria ser o pai perfeito, Pedro. Mas, infelizmente, eu não sou.
— Mas o que você está dizendo?
— Pedro, você quer ficar? Fique. Até amanhã.
— Pai...
— Eu quero dormir, Pedro.
— O que o Igor te contou?
— Como assim?
— Ele disse como quebrou o braço?
— Disse.
— E então?
— Eu não sei, Pedro. Talvez essa ideia de pôr vocês no casarão não tenha sido das melhores.
— Mas eu não entendo...
— É um risco que vocês correm, todos os dias.
— É, a obra acontecendo enquanto a gente mora lá...
— Obra? Não, Pedro. Estou falando do ladrão.
Pedro então franziu a testa e se deu por convencido de que já não entendia o que o pai queria dizer. Decidiu, então, apenas ouvir.
— Do ladrão?
— Pedro, você está me fazendo de palhaço?
— Não, eu só não estou entendendo o que o ladrão tem a ver com isso.
— E por que o Igor quebrou o braço? Você também não sabe?
— Não... na verdade, ele não me disse... – mentiu.
— Ah, então por que você não disse antes? Ele disse que estava no quintal e viu um vulto. Achou que fosse o ladrão, então correu. Tropeçou em alguma coisa e um saco de cimento caiu em cima do braço dele.
— Ah...
— Mas como é que você não sabe disso, se ele contou que foi você quem tirou o saco de cima dele?
— Bem... é que eu não sabia da história do vulto.
— Sei. Bom, eu quero ir embora agora. Você fica?
— É isso o que quero saber. Ele volta com o pai?
— É, acho que hoje ele volta para casa. Tchau!
— Tchau...
Igor não contou. Isso era bom. Ou pelo menos deveria ser. Pedro, como se fosse possível, se sentiu ainda mais culpado pela quebra do braço, pois agora só ele e Igor saberiam. Logo, Pedro não poderia ser punido pelo seu erro. E não há nada que acentue mais a culpa do que a falta de punição. Sem saber o que fazer, resolveu esperar pelos próximos acontecimentos. Caminhou até o quarto de Igor e, ao chegar à porta, ele já estava devidamente engessado e sentado em cima da maca. Seu pai estava na frente do filho, impedindo que Pedro o visse. Mas o que Pedro viu foi muito pior.
Breno, sem piedade do estado do filho, levantou a palma da mão aberta e a lançou em cima do rosto de Igor, provocando um grande estalo. Pedro ficou absurdamente impressionado com aquela agressão e se escondeu antes de ser visto. Continuou próximo à porta e ouviu o discurso de Breno:
— Você sabia muito bem que iria entrar no exército esse ano, não sabia? Não me venha com essa história de que tudo isso foi sem querer, que foi acidente. Eu conheço você, Igor, eu sei que foi você quem provocou isso. Você é bem capaz. Estava tudo certo, seu alistamento já estava todo arranjado. E agora o que eu faço com você? Você já está crescendo e eu não consigo transformar você em homem. E o pior de tudo é que eu e sua mãe não estamos conseguindo ter outro filho... Porque eu tenho certeza de que com o próximo eu não vou errar. Mas que merda, Igor, por que você não é como o Pedro?
Os olhos de Pedro estavam arregalados e o peito pulsava por completo, não apenas o coração. O pior de tudo era que Pedro se identificava com Breno. Pedro se sentia tão agressivo quanto aquele pai. Afinal, aquilo era diferente de uma ameaça de morte? A única diferença é que Breno não tinha medo de ser quem era, enquanto Pedro escondia de todos a sua grosseria. Há dias, Pedro encontrou um Igor que lhe sorria e estava disposto a acompanhá-lo para qualquer lugar. E o que ele fez? O encostou na parede e o enforcou com todo o peso de seu corpo. Não, Pedro não era diferente de Breno, a diferença é que um deles dois era mais covarde que o outro. Só não se sabia quem. Pedro não era, definitivamente, diferente de Breno. Era apenas mais sensível. Só!
O rapaz então voltou para a sala de espera e tomou mais dois copos de água. Decidiu que esperaria por Igor e o levaria para o casarão. Quando eles saíram do quarto, Breno sorriu para Pedro.
— Ficou esperando a gente?
Igor estava com o rosto tingido de vermelho, brilhando de suor e lágrimas. Mas estava de cabeça baixa e pouco se podia ver de seu drama.
— É. Na verdade, esperei pelo Igor, afinal, vamos voltar juntos, não é?
— Na verdade, vamos voltar para casa hoje. Você não tem medo de dormir sozinho, não é, Pedro? Você é homem.
— Não se trata disso, Breno...
— Claro que não. Eu te conheço, somos iguaizinhos. Não teríamos medo disso, eu só estava brincando.
— Igor, você não vai precisar de alguma coisa do casarão para a aula amanhã?
— Ele não vai para a aula amanhã. Vamos, Igor!
Breno começou a andar, mas Igor ficou parado.
— Eu vou dormir no casarão hoje.
— Mas sua mãe quer ver você.
— Diga a ela que estou bem, que eu janto com ela amanhã, mas essa noite eu durmo no casarão.
— Igor, não seja teimoso. O que eu digo para sua mãe?
— Diz o que eu acabei de dizer.
Breno ficou constrangido com aquela discussão na frente de Pedro e então decidiu realizar o desejo do filho.
— Tudo bem. Mas amanhã você vai cedo para casa, almoça e janta lá. Eu vi indo. Tchau, Pedro.
— Tchau.
Igor continuou parado e de cabeça baixa. Pedro, sem saber como reagir, continuou calado. Ele olhava para o garoto e sentia uma pena profunda, ao mesmo tempo em que não conseguia parar de pensar em Silveira e nas palavras estranhas que saíram de sua boca. Como ele poderia ser um pai ruim se havia Breno no páreo por esse título? Sua pena se dissipou e ele pensou em como era sortudo pelo pai que tinha. E pior, sentia que não merecia esse pai, mas Igor sim.
— Vamos?
— Sim.
Caminharam até o estacionamento, entraram na van e ganharam a rua.
— Pedro, pare em uma farmácia, preciso comprar uns remédios.
— Claro. – minutos depois... – Não quer que eu desça e compre?
— Não.
Pedro ficou na janela olhando Igor agitando o papel da receita médica para os vendedores. Pensou, então, no motivo que levou Igor a mentir. Se não tivesse mentido, talvez Breno não o achasse culpado pela quebra do próprio braço. Mas não, preferiu manter a história falsa e receber em troca o tão familiar carinho do pai.
— Podemos ir? Comprou o que precisava?
— Sim.
— Então vamos. – minutos depois... – Meu pai me disse como você quebrou o braço. Mentiu mais uma vez?
— Eu preferi assim.
— Por quê? Poderia ter dito a verdade e seu pai não ficaria tão zangado.
— O que você sabe do meu pai?
— Sei que ele não ficou muito feliz... Meu pai que contou.
— Pedro, nos conhecemos muito pouco, não é? Mas você já me viu fazer algo sem segundas intenções?
— Como assim?
— Eu não tenho mais medo do meu pai. Qualquer dia desses eu sumo, não vou mais precisar dele. Mas eu, desde muito cedo, sou desprendido do meu pai. Você não. Aliás, você é preso a tudo: seu pai, sua mãe, sua irmã, seu carro, suas roupas, suas namoradas... Mas principalmente seu pai.
— E onde você quer chegar com isso?
— Eu não ligo pra você, Pedro. Como já te disse mil vezes, na primeira oportunidade eu deixo o casarão e você ficará sozinho com ele. Não se preocupe...
— Não estou preocupado com nada. Só quero saber onde você quer chegar com tudo isso.
— Na próxima venda dos pisos, você vai só. E mais, você vai vendê-los custe o que custar!
Era muito justo. Afinal, Igor efetuou as duas últimas vendas e não era sua obrigação, pois nada tinha a ver com esse negócio. A distribuidora Silveira era pertencente à família de Pedro, e não de Igor. Era Pedro o herdeiro (ou seria, se não estivesse falindo) e não Igor. Foi a primeira ameaça de Igor que Pedro não se sentiu agredido. Era justo. Era mais que justo!
Chegaram ao lar. O casarão já se parecia mais com um lar. Igor não amava mais a sua casa e Pedro só sentia falta da sua pelo fato de poder ser um irresponsável nela sem que houvesse problemas. Mas esse sentimento já começava a se dissolver, pois já percebia que não poderia ser o mesmo Pedro por muito tempo. Até porque, já não era o Pedro que sempre pensou ser. Subiram as escadas, Igor ia na frente, quando parou um pouco e se sentou em um dos degraus.
— Tudo bem?
— Minha perna... Está doendo muito. Acho que foi a queda.
— Deixa que eu te levo.
— Não precisa.
— Vem, Igor.
— Não... Eu...
Pedro o pegou nos braços e o carregou até a cama. Sentou-o na borda e se afastou.
— Quer alguma coisa?
— Não.
— Tem certeza?
— Sim.
Igor ainda tinha o rosto marcado pelas lágrimas e, desajeitado, tentava enxugá-las com a mão esquerda. Olhou para os próprios joelhos e viu-os arranhados. Seu braço também estava machucado e o rosto tinha uma leve ferida no queixo. O cabelo estava sujo de barro e as unhas estavam pretas por dentro. Pensou então em tomar banho, mas como faria isso? Começou a procurar com os olhos por alguma sacola plástica, mas não a encontrava.
— O que você quer, Igor?
— Um saco.
— Para quê?
— Para proteger o gesso da água.
— Você vai tomar banho?
— Vou.
— Não é melhor deixar isso para amanhã?
— Eu não posso dormir assim tão sujo. Eu não conseguiria.
— Eu vou na cozinha pegar um.
— Então me traga também um banco, para eu sentar enquanto me lavo.
Pedro agora tinha a sua primeira responsabilidade como homem: cuidar de Igor. Agora ninguém precisava pedir, pois ele sentia que devia isso. Quando ele subiu as escadas, antes de entrar no quarto, ouviu o choro de Igor, que ecoava baixinho entre as paredes do casarão. Pedro sentiu um aperto em seu peito; o ar não circulava direito em seu corpo. Ficou ali, por um tempo, ouvindo a tristeza do menino e se sentiu invadido por ela também. “Eu sou muito mais idiota do que suponho. Sou muito mais fraco também!” O corredor que terminava no quarto dos dois estava iluminado por um pequeno feixe de luz que vinha da porta. Pedro estava no escuro, e Igor, no claro.
Finalmente, ele voltou ao quarto e encontrou Igor ainda mais avermelhado pelo choro e ainda mais iluminado pelo suor. Sua camisa estava um pouco suja de sangue, e todas as suas feridas ardiam, seja pela terra, pelas lágrimas ou pelo suor. Igor parecia uma criança abandonada. Quando percebeu que não estava mais só, levantou o rosto e, sem vergonha de seu choro, seguiu em direção a Pedro. Começou a se despir com dificuldade.
Começou pela bermuda, que puxava para baixo com apenas uma das mãos. Pedro ficou assistindo à cena. Quando Igor já estava de cueca, foi possível ver melhor o que a queda tinha feito com seu corpo. Havia hematomas por toda parte das pernas, inclusive nas coxas. Ainda com a mão esquerda, puxou a cueca e só lhe restava a camisa. Como a retiraria? Começou a fazer um esforço com o cotovelo esquerdo, forçando a borda da camisa, mas não conseguia com apenas um braço. Seria impossível para ele, ainda mais estando tão machucado. Então, em um momento de impulso, Pedro se aproximou e foi tentar ajudá-lo.
— Deixa que eu...
— NÃO ENCOSTA EM MIM!
O susto daquele grito fez com que Pedro desse dois passos para trás. As lágrimas de Igor se desprendiam com uma facilidade impressionante de seus olhos. Ele chorava de dor e de revolta.
— Não encosta em mim nunca mais.
— Mas eu só estava tentando ajudar.
— Ajudar? Você nunca me ajudou, Pedro. Nunca! Você nunca pensou no meu bem, você nem sabe o que é isso. Se você soubesse, você não faria o que fez.
— Mas foi sem querer...
— Foi sem querer que você me enforcou em Pernambuco? Foi sem querer que você apertou a minha garganta e, olhando nos meus olhos, disse que preferia a minha morte ao ter feito aquilo? Foi sem querer?
Pedro não poderia responder.
— Você sabia, Pedro, que aquela foi a minha primeira vez? Sabia? Sabia que você foi o segundo cara que eu já beijei na vida? Você sabia que eu, idiota, cogitei a ideia de te pedir em namoro depois que transamos? Como eu fui idiota, burro, burro, muito burro.
— Igor, eu...
— Você o quê? O que você vai dizer? Como você justifica tudo o que fez? Você nem me conhecia, mas já me odiava.
— Eu nem sabia que eu era... Que eu...
— Não interessa, Pedro. Sua condição, revelada ou não... Isso não justifica o monstro que você é. Não justifica o que você fez. Não justifica. Agora, por favor, eu te peço que não me toque nunca mais, porque toda vez que eu sinto que você se aproxima do meu corpo, eu acho que você vai me matar.
— Eu nunca faria isso, Igor!
— Não foi o que você me prometeu? Agora, por favor, não me toca nunca mais. É por sua culpa também que eu estou desse jeito.
No coração de Pedro, Igor estava certo e tinha todo o direito de reagir daquela forma. Ele mesmo se considerava culpado por tudo aquilo ter chegado aonde chegou. Só se lamentou que, com isso, não poderia ajudá-lo a tirar a roupa, pois todo o resto ele tentaria esquecer. E deveria esquecer, pois, se não o fizesse, carregaria uma culpa que pertencia de fato a ele. Igor sofria, e seu sofrimento era genuíno. De um lado, um pai autoritário e machista, que sempre controlou sua vida; do outro, Pedro, que poderia ter evitado tudo aquilo, mas preferiu salvar sua imagem e honra ao invés de se deixar convencer de que era homossexual. E Igor? O que restou para ele? Pedro pode ser infantil, mas sua idade não lhe permite mais tantos erros. E o que um homem de verdade faz?
Assume!
Naquela mesma noite, após voltar para casa Silveira deduziu o que havia acontecido e foi até o casarão para ver como seu sobrinho do coração estava. Como conhecia bem o filho, Silveira logo entendeu que Pedro não havia coberto a fossa como ele havia pedido. Sentiu-se culpado pelo acidente de Igor, mesmo sabendo que a responsabilidade era do filho irresponsável.
Ao chegar, Pedro abriu o portão e Silveira foi logo perguntando:
— Como ele está, Pedro?
— Bem, mas o braço foi engessado.
— Ele já está dormindo?
— Não.
— Vou vê-lo, e depois a gente conversa.
Ao entrar no quarto, Silveira se aproximou de Igor.
— Oi, grande, como você está?
— Já tive dias melhores, tio.
— Me desculpe, grande, isso é culpa do Pedro, mas ele vai assumir a responsabilidade.
— Vai, tio, ele vai assumir.
— Vou lá fora conversar com o Pedro. Qualquer coisa que precisar, me liga ou liga para a Melissa.
— Pode deixar, tio.
Silveira saiu e foi conversar seriamente com o filho.
— Pai, eu sint...
Nesse momento, Silveira deu um tapa em Pedro. O som do tapa foi tão forte que ressoou pelo casarão. Fazia muito tempo que Silveira não levantava a mão para Pedro; foi apenas uma única vez quando ele era criança. Mas, para Pedro, a dor do tapa não era nada comparada à dor da culpa, pois sabia que tudo de ruim que aconteceu com Igor era sua responsabilidade.
— Eu só pedi para você cuidar dele, e você me faz isso?
— Me desculpa, pai.
— Desculpa, pai, nada, Pedro. Você não cobriu a fossa. Faz ideia do que poderia ter acontecido de pior?
— Sim.
— Pedro, você tem 20 anos e ainda age como uma criança de 8. Meu filho, o que eu faço com você? A partir de agora, você vai se virar, mas vai procurar se dar bem com ele, está me ouvindo? Amanhã volto para conversar melhor com ele.
Silveira foi embora e Pedro ficou com uma forte agonia no peito e um sentimento de culpa, e na sua mente tudo que fez de ruim para Igor passava em câmera lenta, fazendo de seus olhos escorrerem lágrimas

Continua....

Comentários (7)

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  • Marcos: Já tô ficando viciado na leitura rsrsrs muito bom!!!!

    Responder↴ • uid:3ynzgfs5t0c3
  • PA22: Esse capítulo foi indiscutivelmente o melhor até o momento, todos mostrando quem são de verdade e o começo de uma vida diferente, de aceitações, de crescimento. Sou a favor de 20 capítulos por dia! kkkk

    Responder↴ • uid:2ql4b6xij2
  • Papo Reto: Conto perfeito! Quer dizer, será perfeito se no fim, Pedro e Igor acabarem juntos. Eles precisam um do outro e espero que seja isso que aconteça. Muito amor e o final feliz, afinal de contas de tristeza já basta a vida real.

    Responder↴ • uid:h2835vb16q9k
  • Viciado em ler: Estou viciado em casa capítulo, por favor posta o próximo o mais rápido possível pq não tô aguentando minha ansiedade haha

    Responder↴ • uid:1de1ngammg5m1
    • Timberlake: Calma os capítulos 16 e 17, já foram enviados para o site fazer a liberação, no máximo creio que domingo pela manhã já vai estar disponível...

      • uid:ona23e76iji
  • LsP: Cada vez melhor, já aguardando o próximo capítulo

    Responder↴ • uid:mt9yw6zra0
    • Timberlake: Os capítulos 16 e 17, já estão no site aguardando a publicação...

      • uid:ona23e76iji