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Coroa de Pecado (A Voz Do Trono)

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Théodore Messier

Tomás, príncipe sensual, acorda entre lençóis amassados. Um banho revela seu corpo esguio. A rainha o chama, e ele enfrenta o dia com tédio e ironia.

Este é o primeiro capítulo, A Voz do Trono, de Coroa de Pecado, um romance que estou escrevendo sobre Tomás, um príncipe magnético e sensual, na década de 1950. Ainda sem cenas explícitas de sexo, este início transborda erotismo sutil — dos lençóis revoltos ao corpo esguio banhado em vapor. A trama se aprofundará em intrigas palacianas, onde os deveres implacáveis da realeza e os preconceitos da época sufocam desejos proibidos. Tomás, irmão da rainha, desafia as correntes da coroa, buscando liberdade e autenticidade em um mundo de segredos, máscaras e obrigações reais.

Capítulo 1: A Voz Do Trono

O quarto era um refúgio de opulência velada, um santuário onde sombras dançavam com a luz rarefeita. As paredes, revestidas de papel de seda em um azul profundo como o crepúsculo, engoliam os raios que ousavam trespassar as frestas, criando uma aura onírica e quase intangível. Cortinas de veludo denso, em tons de meia-noite, permaneciam cerradas, sufocando o dia que lutava para invadir o recinto. No coração do aposento, uma cama de dossel majestosa dominava o espaço, seus ornamentos entalhados em madeira escura sustentando lençóis de linho branco, agora amarrotados em testemunho de uma noite inquieta. Almofadas de cetim, jogadas com descuido calculado, salpicavam a cena com um sussurro de intimidade.

Sobre o criado-mudo, uma peça esculpida em ébano com arabescos de bronze, repousavam um abajur apagado e um relógio delicado, seus ponteiros marcando onze horas. A despeito do avançar da manhã, o quarto permanecia envolto em uma penumbra aveludada, trespassada apenas por finos filetes de luz que escapavam das bordas das cortinas, como segredos relutantes.

Entre os lençóis desalinhados, jazia um jovem de vinte e quatro anos, o corpo esguio abandonado ao repouso. Seus cabelos castanhos-escuros espalhavam-se em ondas desordenadas sobre os travesseiros, emoldurando traços de uma beleza quase etérea. Deitado de bruços, o rosto parcialmente oculto por uma máscara de seda preta, suas maçãs do rosto altas projetavam sombras suaves sob a luz furtiva. Havia nele uma serenidade aparente, mas o ar carregava ainda o peso de uma noite de excessos, um perfume de decadência que pairava como névoa.

O silêncio, denso e quase palpável, foi rompido por uma batida discreta na porta, seguida por uma voz contida e reverente:

— Bom dia, Vossa Alteza. Sua Majestade está na linha.

A criada deslizou para dentro do quarto com passos leves, a postura impecável de quem fora moldada por anos de devoção ao ofício. Seu rosto, uma máscara de neutralidade, não traía emoções. Sua mera presença, porém, bastou para arrancar o jovem de sua letargia. Com um suspiro longo e carregado, ele removeu a máscara em um gesto lânguido, quase relutante.

Seus olhos castanhos, vívidos mesmo na exaustão, abriram-se lentamente, carregando uma mistura de tédio e resignação. Percorreram o quarto com vagar, como se buscassem ancorar-se à realidade. Passou os dedos pelos cabelos em desalinho, um toque que realçava a elegância aristocrática de seus traços, antes de erguer o tronco com uma graça natural, ainda que tingida pelo cansaço.

— Obrigado, Annette. Já vou atender.

A criada inclinou-se em uma reverência silenciosa e retirou-se, deixando-o sozinho com os ecos de uma noite que se recusava a dissipar-se.

Sentado na cama, ele estendeu a mão para o telefone no criado-mudo. Sua voz, grave e arrastada, ressoou como um lamento rouco contra o silêncio:

— Alô.

Do outro lado, uma resposta suave, tingida de uma familiaridade cálida:

— Alô, querido.

Tomás endireitou-se ligeiramente, um brilho de curiosidade atravessando seu semblante, embora a postura mantivesse um ar de negligência estudada.

— Alô — repetiu, agora com um fio de atenção, mas ainda envolto em um tom desinteressado, como quem cumpre um ritual inevitável.

— Ainda dormindo? — perguntou a rainha, a voz gentil carregando uma censura sutil, perceptível apenas aos que a conheciam bem.

— Não mais… — respondeu ele, arrastando as palavras com uma preguiça deliberada, o sarcasmo dançando na entonação como um desafio velado.

— Sugiro que se levante, leia os jornais e, depois, venha me ver. — O tom era calmo, mas cortante, uma ordem disfarçada de conselho.

Antes que ele pudesse tecer uma réplica mordaz, o clique seco do telefone sendo desligado cortou o ar. Tomás ficou por um instante encarando o aparelho, os olhos semicerrados como se medissem o peso daquela convocação matinal.

Com um suspiro que mesclava cansaço e desdém, largou o telefone sobre o criado-mudo e deixou-se afundar nos travesseiros, o corpo buscando um refúgio fugaz.

— Maravilhoso… — murmurou para si mesmo, a ironia escorrendo como veneno doce, os olhos fixos no teto como quem prevê um dia interminável.

Permaneceu imóvel por alguns segundos, os olhos fechados em uma vã tentativa de resgatar o sono perdido. Mas o dever, implacável, prevaleceu. Com lentidão deliberada, afastou os lençóis e deslizou para fora da cama, os pés descalços encontrando o tapete macio em um toque que parecia uma carícia fugaz.

Espreguiçou-se com uma indolência felina, os braços erguidos revelando linhas definidas sob a pele pálida. A luz tímida que se infiltrava pelas cortinas banhava o quarto em uma quietude preguiçosa. Arrastando os passos, ele caminhou até a janela e, com um gesto leve, entreabriu as cortinas de veludo. A claridade do dia invadiu o espaço, revelando vestígios da noite anterior: um terno abandonado sobre a poltrona, uma taça de vinho esquecida na escrivaninha, o cristal ainda manchado de vermelho. Ele estreitou os olhos, resistindo ao brilho que trazia consigo o fardo das horas por vir.

Caminhou até o banheiro com passos lentos, os ombros ligeiramente curvados sob o peso de uma existência que parecia puxá-lo para trás. Ao entrar, o ambiente se transformou em um oásis de mármore branco e espelhos polidos, o ar já impregnado pelo vapor que começava a se formar. Sob o chuveiro, a água quente caiu em cascatas sobre seu corpo, um fluxo que parecia despi-lo não apenas da sonolência, mas também das sombras da melancolia. A pele, de um tom alabastrino, reluzia sob o líquido que escorria em riachos, delineando cada contorno com uma sensualidade quase palpável. Os músculos das costas, firmes e sutilmente definidos, flexionavam-se enquanto ele inclinava a cabeça para trás, deixando a água deslizar por seu pescoço esguio, descendo em gotas que acariciavam o peito liso e os sulcos delicados de seu abdômen. As coxas, longas e torneadas, sustentavam-no com uma força latente, enquanto o vapor envolvia sua silhueta num véu de mistério, transformando-o em uma visão de desejo contido. Cada movimento era lento, quase ritualístico, como se ele saboreasse o calor que se infiltrava em sua carne, aliviando o cansaço e a leve pulsação nas têmporas. Contudo, nem mesmo o abraço da água podia apagar os resquícios de uma alma que carregava mais do que revelava.

Enrolou-se em um roupão de algodão imaculadamente branco, o tecido aderindo à pele ainda úmida em pontos estratégicos, destacando as linhas de seu corpo com uma promessa tácita de sensualidade. Ajustou-o com um gesto displicente, os dedos roçando o peito exposto antes de retornar ao quarto.

Parou diante do criado-mudo e tocou a campainha com um movimento preciso. Em instantes, um criado surgiu, fechando a porta com discrição e inclinando-se em uma reverência sutil:

— Bom dia, Vossa Alteza Real.

Sem encará-lo, Tomás respondeu com uma calma autoritária, a voz firme apesar do tom baixo:

— Traga o jornal de hoje e prepare meu desjejum. Quero que seja servido aqui. E diga a Leonel que venha imediatamente.

O criado assentiu com um movimento de cabeça e retirou-se. Tomás caminhou até a poltrona junto à janela e deixou-se afundar nela, os olhos perdidos em um horizonte invisível, envoltos em uma apatia quase tangível.

Minutos depois, o criado retornou com uma bandeja de prata reluzente, o desjejum disposto com uma perfeição que beirava o artístico. Colocou-a sobre a mesa próxima à janela e, com gestos fluidos, abriu as pesadas cortinas, permitindo que a luz dourada do outono inundasse o quarto em um banho de claridade. Sem uma palavra, fez uma última reverência e saiu.

Tomás ergueu-se com lentidão, aproximou-se da mesa e apanhou o jornal, ignorando por um instante o café servido em uma xícara de porcelana delicada. Seus olhos percorreram as linhas com um desinteresse inicial, até que uma manchete em letras garrafais capturou sua atenção. Franziu o cenho, revirou os olhos e deixou escapar um murmúrio carregado de irritação:

— Merda.

Lançou o jornal sobre a mesa com um gesto brusco, os dedos crispados denunciando uma impaciência mal contida. Antes que pudesse mergulhar em seus pensamentos, a porta abriu-se novamente. Leonel, seu valete pessoal, entrou com passos silenciosos, inclinando-se em uma reverência breve.

— Seja rápido — ordenou Tomás, a voz afiada como uma lâmina, enquanto se recostava na poltrona com um ar de indiferença soberana.

Leonel, sem hesitar, dirigiu-se ao imponente armário que ocupava uma das paredes. Escolheu com precisão um terno de lã cinza grafite, uma camisa branca impecavelmente engomada, um colete de desenho sutil e uma gravata de padrão geométrico elegante. Completou o conjunto com um sobretudo de lã marrom escura, perfeito para a manhã fria, e um par de sapatos pretos que brilhavam como obsidiana polida. Disposta a indumentária sobre uma chaise-longue, aguardou em silêncio, a postura irrepreensível.

Tomás ergueu-se, um sorriso irônico brincando em seus lábios, e comentou com desdém:

— Vamos lá, parece que Sua Majestade não suporta iniciar o dia sem minha ilustre companhia.

Leonel aproximou-se com a destreza de um artesão. Deslizou a camisa branca sobre os ombros do jovem, os dedos ágeis abotoando cada detalhe com precisão metódica, ajustando o colarinho com um toque final. Pegou a gravata e, com movimentos firmes, teceu um nó impecável, finalizando com uma leve puxada que a deixou perfeitamente alinhada.

— Impecável, Vossa Alteza — murmurou em voz baixa, enquanto vestia o colete e ajustava o terno com cuidado, garantindo que cada linha caísse como uma segunda pele.

Ajoelhou-se para calçar os sapatos, os gestos rápidos e seguros, e por fim ajudou-o a vestir o sobretudo, ajustando os punhos e os ombros com uma atenção quase reverente. Deu um passo atrás, examinando o resultado com um olhar discreto.

— Está pronto, Alteza.

Tomás caminhou até o espelho, analisando seu reflexo com um olhar crítico. Passou as mãos pelos cabelos ainda úmidos, penteando-os com um gesto rápido que os deixava intencionalmente desalinhados, mas perfeitos. Estava impecável, embora os olhos carregassem um cansaço que nenhuma vestimenta podia ocultar. Com um aceno sutil, dispensou o valete.

Leonel retirou-se em silêncio, deixando o príncipe envolto em sua solidão temporária. Tomás aproximou-se da cômoda, onde repousava um frasco de Creed Tabarome, seu perfume assinatura — uma fragrância rica e inconfundível, com notas de tabaco e couro que exalavam exclusividade. Aplicou-o com precisão: um toque em cada pulso, outro na base do pescoço, o aroma misturando-se ao calor de sua pele.

Ao deixar o quarto, atravessou o corredor com passos firmes, o som reverberando nos painéis de madeira polida. Retratos de ancestrais, pendurados nas paredes, pareciam segui-lo com olhos severos. Desceu a escadaria principal, uma obra de mármore em curvas majestosas, cada degrau ecoando como um prelúdio à grandeza que o aguardava.

Na entrada da mansão, o chofer o esperava ao lado de um Bentley R-Type Continental preto, suas linhas elegantes reluzindo sob a luz pálida da manhã. O veículo, um símbolo de luxo austero, parecia uma extensão natural de sua presença.

O chofer inclinou-se em saudação e abriu a porta traseira com um movimento fluido.

— Para o Palácio de Altarenza — ordenou Tomás, deslizando para o interior do carro com uma serenidade que carregava o peso de sua linhagem.

A porta fechou-se com um estalo firme, isolando-o do mundo exterior. O motor ronronou suavemente, e o Bentley partiu, cortando o caminho ladeado por árvores centenárias, rumo ao destino inevitável.

O Bentley desacelerou com suavidade ao chegar ao Palácio de Altarenza, suas rodas sussurrando contra o cascalho polido da entrada. O chofer desceu com agilidade silenciosa, abrindo a porta traseira com a reverência de um ritual. Tomás emergiu do veículo, os sapatos de couro preto brilhando ao tocar o chão, o som discreto reverberando como um prelúdio à sua presença. Subiu os amplos degraus de mármore com passos deliberados, sem urgência, a postura altiva e negligentemente graciosa em perfeita harmonia com a imponência do palácio. O silêncio ao seu redor não era apenas do ambiente — era uma extensão de sua própria aura, um manto invisível que carregava consigo.

No topo da escadaria, Alfred aguardava, a figura encarnada da disciplina real. Seus bigodes impecavelmente aparados e o semblante rígido eram um testamento de décadas servindo à coroa. Ao avistar Tomás, inclinou a cabeça em um gesto contido, os olhos baixando por um instante em deferência.

— Vossa Alteza, boa tarde. Sua Majestade o aguarda.

Tomás deixou o olhar deslizar por Alfred com a indiferença de quem observa um móvel familiar. Após uma pausa calculada, avançou dois passos, forçando o secretário a ajustar seu ritmo para segui-lo.

— Conheço o caminho, Alfred — disse, a voz saturada de ironia e um cansaço que parecia mais performático do que genuíno.

Imperturbável, Alfred manteve o silêncio, escoltando-o até a porta do gabinete. Bateu duas vezes, o som seco ecoando, antes de abri-la com um movimento fluido.

— Vossa Alteza Real, Majestade — anunciou com a formalidade de um arauto. Em seguida, retirou-se como uma sombra, deixando Tomás à soleira.

Com um revirar de olhos que destilava desdém por cada protocolo, o príncipe entrou, a reverência que ofereceu à rainha sendo pouco mais que um aceno preguiçoso. Seus olhos castanhos, carregados de exaustão e um brilho sardônico, encontraram os dela.

Isabella, a rainha, repousava em uma poltrona de veludo azul-escuro, a postura ereta como se esculpida em mármore. Seus trajes, de um cinza sóbrio adornado com discretas pérolas, refletiam uma elegância austera e uma mente que não cedia a impulsos. Observou o irmão sem trair emoção, os olhos claros fixos como lâminas.

Tomás aproximou-se, inclinando-se para depositar dois beijos rápidos em suas bochechas — um gesto mecânico, mas carregado de uma intimidade distante. Sem cerimônia, afundou-se na poltrona oposta, retirando um cigarro do bolso interno do sobretudo. Acendeu-o com a calma de quem desafia o tempo, a chama do isqueiro dançando em seus dedos antes de soprar a primeira tragada para o alto, a fumaça serpenteando em volutas preguiçosas.

— Que comece o sermão — disse, o sorriso torto traindo um deleite em provocá-la, enquanto cruzava as pernas com uma desenvoltura quase insolente.

A rainha, sem alterar o ritmo, apanhou o jornal ao seu lado, desdobrando-o com a delicadeza de quem manuseia um artefato precioso. Seus olhos percorreram as linhas, e sua voz, firme e melodiosa, cortou o ar:

— “O príncipe Tomás, célebre por suas excentricidades, foi visto em uma noite de excessos ao lado de um amante de reputação duvidosa. Nos corredores da corte, sussurram-se escândalos, enquanto sua vida privada é tida como espelho de uma conduta pública em desordem.”

Fechou o jornal com um gesto preciso, colocando-o sobre a mesa de ébano polido. Seu olhar recaiu sobre Tomás, que permanecia languidamente recostado, os olhos seguindo as espirais de fumaça como se fossem mais interessantes que as palavras da irmã.

— O que tem a dizer sobre isso? — perguntou ela, a calma na voz entremeada por uma autoridade inquestionável.

Tomás soltou uma risada baixa, seca, desprovida de alegria.

— Ora, Isabella, são as mesmas lorotas de sempre, vomitadas por jornalistas sem imaginação. Quem se alimenta de fofoca nunca compreenderá quem somos de verdade. — Apagou o cigarro no cinzeiro com um movimento despreocupado, o som abafado pontuando o silêncio que se seguiu.

Os olhos de Isabella mantiveram-se cravados nele, um lago sereno que escondia correntes profundas.

— Você é meu irmão, Tomás. Conheço suas evasivas tão bem quanto conheço o rastro que seus atos deixam. O que ainda me escapa é o seu intento. — Cruzou as mãos no colo, e pela primeira vez uma sombra de preocupação genuína atravessou seu rosto.

Inclinando-se para frente, Tomás deixou um sorriso leve e desafiador brincar em seus lábios.

— Meu intento? Não se preocupe com isso, querida irmã. Quero apenas viver — e viver como me apraz. Que os jornais inventem suas manchetes e a corte se afogue em suas intrigas.

Isabella suspirou, um som quase imperceptível que carregava uma tristeza contida.

— Não é só sobre você, Tomás. Cada passo seu ressoa na nossa família, na coroa. Isso não é simplesmente viver — é se deixar consumir.

Por um instante, o sorriso de Tomás esmoreceu. Ele se levantou com graça felina e caminhou até a janela, os olhos fixos no horizonte além dos vitrais. A luz do dia, filtrada pelas cortinas pesadas, banhava seu rosto em tons dourados, mas não alcançava a escuridão em seu olhar.

— Talvez seja exatamente isso que eu desejo — murmurou, as palavras quase perdidas no ar.

A rainha o observou em silêncio, uma mescla de compreensão e impotência atravessando seus traços delicados.

— Minha porta estará sempre aberta, Tomás. Você só precisa escolher atravessá-la.

Ele se virou, o sorriso sarcástico reacendendo como uma chama teimosa.

— E por que eu faria isso, Isabella? — retrucou, antes de deixar o gabinete, os passos ecoando como um adeus temporário.

Desceu as escadarias do palácio com a familiaridade de quem conhecia cada curva do corrimão, mas com a distância de quem se sentia um exilado em seu próprio reino. O mármore polido refletia o som de seus sapatos, um ritmo ao mesmo tempo altivo e desleixado.

No hall principal, uma figura imponente cruzou seu caminho. O príncipe Eduardo, cunhado de Tomás, era a encarnação da aristocracia clássica: alto, de cabelos loiros penteados com precisão, o porte rígido suavizado por um sorriso educado. Seus olhos azuis, porém, brilhavam com uma intensidade que traía uma mente afiada, sempre à espreita.

O aperto de mãos foi breve, um ritual cortês desprovido de calor. Eduardo inclinou a cabeça, o sorriso carregando uma curiosidade velada.

— Parece que a noite foi animada, Tomás — disse, a voz aveludada tingida de uma provocação sutil, como se testasse os limites do cunhado.

Tomás arqueou uma sobrancelha, um sorriso travesso curvando seus lábios. Seus olhos, astutos e penetrantes, mediram Eduardo por um instante antes de responder.

— Posso garantir que foi infinitamente mais divertida que a sua — rebateu, o tom leve carregado de uma ironia cortante que flertava com o desdém.

O sorriso de Eduardo permaneceu, mas uma sombra endureceu sua expressão. O brilho em seus olhos sugeria um homem pouco acostumado a ser desafiado — e menos ainda a ceder.

— Sempre tão espirituoso, cunhado — replicou, a voz mantendo a cortesia, mas ganhando um fio de frieza.

Tomás deu de ombros, o gesto quase teatral em sua indiferença, e lançou um último olhar ao príncipe antes de prosseguir. Seus passos ressoaram pelo hall, firmes e despreocupados, atravessando o espaço com uma naturalidade que desafiava sua grandiosidade.

Na entrada principal, o chofer já o aguardava, a porta do Bentley aberta em silenciosa prontidão. Tomás deslizou para o interior do carro, o clique da porta selando-o em seu refúgio de couro e silêncio.

Enquanto o veículo serpenteava pelo caminho ladeado de álamos, a neblina matinal envolvia o palácio em um véu cinzento, o contorno de Altarenza desvanecendo como uma memória distante. Recostado no assento, Tomás permitiu-se um raro instante de quietude. Seus lábios se curvaram em um sorriso sutil — não de prazer, mas de uma satisfação enigmática, como se tivesse vencido uma rodada em um jogo que apenas ele compreendia.

A névoa lá fora espelhava seus pensamentos: um turbilhão indefinível, em constante movimento, escapando de qualquer tentativa de contê-lo — exatamente como ele preferia.

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