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Entre Muros e Segredos cap 5

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Timberlake

Igor usa toda sua habilidade e simpatia para fazer negócios, e Pedro apenas fica a olhar.

Entre Muros e Segredos cap 5
Pedro não berrava, sussurrava. As palavras eram perigosas, mas entravam com suavidade nos ouvidos de Igor. Talvez por isso a ameaça fosse ainda mais grave.
— Tá ouvindo, Igor? Eu mato, e não estou brincando. Eu mato sem pensar!
Não se sabe ao certo, mas tudo indicava que a ameaça era real.
Pedro foi o mais profundo que poderia ser apenas com seus olhos. Nunca alguém esteve tão dentro de Igor como naquele momento. Ele sentiu que sua vida poderia acabar ali mesmo, pois o medo de seu agressor era real. Pedro sentia ódio de Igor, e não se podia duvidar disso. Afinal, o sexo não é uma das formas de dominação humana? Mas isso não importava. Aquela mão ainda sufocava sua garganta, mas não só isso: através do pescoço, Pedro empurrava todo o corpo de Igor contra o automóvel. Bastava imaginar que toda a força que Pedro exercia se concentrava no pescoço de Igor.
Passada a ameaça, Igor voltou a respirar com dificuldade, levando ambas as mãos à garganta, massageando-a e sugando todo o ar possível com a boca. Encolheu-se diante de tamanha força. Pedro olhou aquele corpo quase caído, o mesmo corpo que ele desejara pouco mais de duas horas atrás. Deu a volta na van e seguiu em direção ao boteco, que abria cedo para atender os caminhoneiros. Lá, encontrou aquele que o ajudaria a chegar a João Pessoa.
— Bom dia!
— Bom dia...
— Já de pé?
— Sim, não quis perder a “carona”.
— Ah, fez bem, estou saindo daqui a pouco. Quando for, eu aviso.
— Poxa, muito obrigado!
Igor continuou encostado na van, escondido, tentando recuperar o fôlego e a coragem para se reerguer. Suas pernas tremiam de medo, frio e fraqueza. No fim, era um misto de tudo isso que preenchia seu coração naquele momento, fazendo-o palpitar tão forte que podia ouvi-lo. Uma das mãos ainda massageava a garganta, enquanto a outra se apoiava no automóvel. Aos poucos, ele se levantou. Viu, então, a plantação de cana-de-açúcar e a grandiosidade daquela obra. Era imensa e não tinha fim no horizonte. As lágrimas escorriam pelo rosto. Estava só e nunca se sentira tão só em toda a sua vida. Era um lugar totalmente estranho, vazio, frio e abandonado, esquecido por todos, no meio do nada. Ali, não pensava em outra coisa senão em sua própria existência.
Pedro não se arrependeu da violência que cometeu, mas temia as consequências. Igor poderia se revoltar, prejudicá-lo, estragar a venda e tantas outras coisas que o assustavam. Focou-se então no café da manhã: uma fatia grande de bolo de milho e um copo americano de café preto. Comeu rapidamente e comprou outra fatia para Igor.
— Tem iogurte?
— Tem, em garrafa.
— Me vê uma e uns copos descartáveis.
O menino juntou forças nas pernas e conseguiu dar a volta na van. Chegou à porta traseira e a abriu. Passou pelo colchão e sentiu raiva daquele “ninho de pulgas”, chegando a cuspir sobre ele. Passou para o banco da frente e sentou-se. Esperou pela volta de Pedro, que não demorou. Ele veio andando em direção à janela de Igor, segurando uma sacola. Pediria ao garoto que baixasse o vidro, mas preferiu evitar. Deu a volta na frente do carro, abriu a porta, sentou-se e jogou a sacola sobre as pernas dele.
— É bolo e iogurte!
Igor morria de fome, mas sentia tanto ódio naquele momento...
— É bom você comer. Não vou parar em nenhum lugar.
A fome venceu. Igor pegou o bolo e mordeu. O iogurte ajudou a mastigar. Tomou mais dois copos e terminou o café da manhã.
Não demorou muito para o caminhoneiro dar sinal de que iria partir. Pedro buzinou de volta e seguiu logo atrás. Ao perceber a situação, Igor pensou: “Mas será que o Pedro é tão burro assim? Esse caminhoneiro pode levar a gente pra qualquer lugar que queira e fazer sei lá o quê. Mas quer saber? Que se dane!”. Prendeu-se com o cinto de segurança, cruzou os braços e encostou a cabeça no vidro da janela.
Igor sentia que havia sido estuprado. Afinal, estupro não é uma relação sexual sem consentimento? Se Igor soubesse o quanto Pedro era insensível e nas consequências daquele ato, não teria permitido que aquilo acontecesse. Ainda assim, era estupro devido à violência com que tudo ocorreu, mesmo que, naquele momento, Igor estivesse gostando. E era ainda estupro porque seus desejos mais íntimos haviam sido violados. Toda a dor física que Pedro provocara durante o sexo era uma vontade secreta de Igor, uma vontade que foi dessecada e abandonada. E, por fim, era estupro porque aquela havia sido a primeira vez de Igor, e ele jamais cederia a alguém que odiasse. Não poderia se sentir pior.
Já Pedro, envolto em seus pensamentos egoístas, refletia sobre a vergonha que sentiria se descobrissem. Pensou no que faria e nas consequências para sua vida. Tinha certeza de que Igor acabaria contando a alguém, e isso definitivamente não poderia acontecer. Ambos não demonstravam mais medo, embora estivessem arrasados por dentro — Igor mais do que Pedro — e desejavam, com a mesma intensidade, que nada daquilo tivesse acontecido.
O caminhoneiro não parou por nenhum motivo durante cerca de duas horas, até que uma placa de boas-vindas surgiu na estrada, saudando aqueles que chegavam a João Pessoa. Pedro suspirou de alívio, mas, para Igor, nada mais importava. O caminhão seguiu por mais alguns minutos até um posto de gasolina, onde finalmente pararam. O caminhoneiro desceu, e Pedro foi ter com ele.
— Olha aí, chegamos.
— Pois é, obrigado.
— Vocês vão ficar em um hotel?
— Não.
— Então, nesse posto, vocês podem passar a noite e tomar banho. Tem uma taxa que vocês pagam para usar o banheiro.
— Isso é bom.
— Já consegue se virar?
— Sim, agora temos que nos apressar.
— Então está certo. Boa sorte para vocês!
— Obrigado mais uma vez.
Pedro voltou para a van e se sentou. Igor olhava para a rua pelo para-brisa e não desviava o olhar.
— Tem um banheiro que podemos usar neste posto, lá atrás. Eu vou tomar banho primeiro e você vai depois. Temos tempo, mas é bom fazermos tudo depressa e procurar o endereço do restaurante.
Igor não deu a mínima para Pedro, embora o estivesse ouvindo atentamente. Pedro temeu que o garoto estivesse tramando algo, não tivesse ouvido ou que algo estranho estivesse acontecendo sem que ele entendesse.
— Igor, você me ouviu?
Igor o olhou nos olhos, sem dizer uma palavra. Pedro entendeu. Então, finalmente, Igor poderia ficar um momento sozinho, após toda aquela loucura. Mas seus pensamentos não o deixavam em paz, ainda mais com o cheiro de suor de seu agressor impregnado em tudo naquela van. Quanto mais respirava, mais sentia enjoo. Decidiu sair dali. Pegou as roupas que usaria, o sabonete, a escova de dentes, colocou tudo em uma sacola e esperou por Pedro sentado em um banco ali próximo.
Pedro demorou muito no banho. Lavava-se com vontade, como se quisesse apagar qualquer vestígio de suor — seu e de Igor. E não só suor... Pedro queria se sentir limpo. Enxugou-se e vestiu a calça ali mesmo, pois o banheiro era tão pequeno e sujo que preferiu terminar de se arrumar no carro. Quando saiu do cubículo e caminhou em direção à van, não viu Igor.
“Onde está esse moleque?”
Ficou desesperado. Algo ele havia feito ou estava prestes a fazer, algo que poderia prejudicar toda a viagem.
“Ele estava calado demais, quieto demais!”
Mas, no meio do desespero, não notou que Igor estava bem perto. Só percebeu quando o garoto passou por ele com a sacola e a toalha no ombro. Sentiu raiva por ter caído naquilo, mas entrou na van para terminar de se vestir. Enxugou os pés, vestiu as meias e calçou os sapatos.
Igor chegou ao banheiro e não conseguiu evitar o pensamento de que aquele lugar estava sujo com o corpo asqueroso de Pedro. Mas tomou banho, que durou metade do tempo do de Pedro. Vestiu-se completamente no banheiro e até se penteou.
Agora estavam prontos para o que tinham ido fazer ali. Ambos vestiam calça social e sapatos pretos; Pedro usava uma camisa azul-escura e Igor, uma cinza-clara.
Pedro já esperava Igor com um lanche, já que o encontro seria às dez horas e eles não comiam há mais de duas. Mas Igor já havia comido enquanto Pedro se banhava. Quando ele chegou e se sentou, Pedro jogou um saco de papel sobre suas pernas, mas Igor, instantaneamente, sem olhar para ele, pegou o pacote e o atirou com força nas pernas de Pedro.
— É comida, seu idiota! — gritou Pedro, jogando o pacote de volta.
Igor pegou o saco e o lançou para trás, acertando o colchão.
— Viadinho. Então morra de fome!
Irado, Pedro girou a chave na ignição e saiu em disparada pela estrada.
Tudo o que precisavam fazer agora era encontrar o restaurante, conversar com o proprietário e convencê-lo a adquirir os pisos. A última parte era a mais difícil e estava nas mãos de Igor. Já os ânimos naquela van estavam fora de controle. Pedro nunca o odiara tanto quanto naquele dia. Tudo estava diferente. Ele havia feito sexo com outro homem e ainda podia sentir isso em seu corpo. Estava na companhia de alguém que odiou desde a primeira vez que viu. E, por fim, Igor só estava ali porque Pedro era incapaz de ser sociável o bastante para efetuar uma venda. Não poderia sentir-se mais impotente.
Igor, por sua vez, só queria fazer o que tinha que fazer e se livrar daquilo. Não estava muito claro, mas ele tinha um plano de comportamento para pôr em prática a partir daquele dia. Não era um plano de vingança, mas sim de preservação. Ele se afastaria de tudo que se referisse a Pedro. Tentaria, ao menos, pois a primeira vez não se esquece. A primeira ameaça de morte jamais se esquece.
Eles tinham um endereço, alguns nomes e muita ira. Mas não sabiam por onde começar, pois não faziam ideia de onde ficava o bairro. Então Pedro seguiu para outro posto de gasolina, um mais próximo do centro, para pedir informações.
— Não que isso seja da sua conta, mas eu vou descer para perguntar onde fica esse endereço.
Pedro não esperou resposta de Igor, e nem a teria. Ao descer do carro, Igor pensou:
“Mas como é burro esse idiota!”
Ligou a cobrar para Silveira.
— Oi, grande, tudo bem por aí?
— Tudo sim. Desculpe ligar a cobrar.
— Você quer levar uns cascudos quando chegar?
— Não, não, retiro meu pedido de desculpas. Tio, o senhor sabe o número do restaurante?
— Ué, mas o Pedro tem!
— Ah, é? Bom, mas ele foi ao banheiro e eu queria adiantar a chegada lá.
— Espere um pouco... Posso dizer?
— Sim.
Igor anotava o número na palma da mão com uma caneta e sorria da desatenção de Pedro. Como ele não pensou em ligar diretamente para o restaurante e perguntar como chegar até lá?
— Pronto, tio, anotei.
— Vocês chegaram bem?
— Chegamos, mas não tenho muito tempo. Preciso desligar. Tchau!
Nem esperou pela despedida de Silveira e discou os números com rapidez.
— Restaurante Família Albuquerque...
— Oi, bom dia! Sou turista aqui em João Pessoa...
Se Igor tivesse ido à cidade apenas uma vez, talvez já soubesse encontrar o restaurante sozinho, com todas as informações que obteve naquela única ligação. Procurou um papel na van – encontrou um saco de pão – e anotou.
Enquanto tudo isso acontecia, Pedro seguiu em direção aos frentistas e perguntou pelo bairro. Estavam um pouco longe, mas não tanto. Porém, para quem não conhecia aquelas ruas, perto ou longe eram a mesma coisa. Perguntou, então, como chegar lá, mas ele tinha uma tremenda dificuldade em prestar atenção em qualquer pessoa e se perdia em seus próprios pensamentos. Suava, mesmo que não estivesse fazendo calor. Mas fazia calor, o que dobrava a quantidade de suor que escorria por sua testa. Seria uma tarefa simples para alguém sem medo de se relacionar com os outros, mas não para Pedro.
Por fim, a frentista lhe disse que, se seguisse pela orla marítima, talvez encontrasse o endereço após perguntar a algumas pessoas pelo caminho. Com aquela última dica, Pedro saiu em disparada, pois já não suportava parecer tão inseguro diante de uma estranha. E ainda por cima, uma mulher! Entrou no carro, respirou fundo e pôs o cinto de segurança. Igor o observou e, quando o motor do automóvel foi acionado, disse:
— Siga pela praia.
— O quê?
— Siga pela praia. Não é difícil, basta seguir as placas de indicação.
— O que você sabe? Por que não cala a boca?
Pedro ainda precisava sair daquelas ruas confusas e chegar à orla. Continuaram em silêncio durante aquele trajeto, mas, na cabeça do motorista, martelava a pergunta: "Como ele sabia disso?" No entanto, não perguntaria. Isso implicaria ter que falar com Igor.
Passaram por uma rua que terminava em uma imensa camada azul brilhando sob o sol nordestino: o mar. Na via seguinte, entraram na avenida que dava acesso à praia. Foi imediato: assim que viu o letreiro de um depósito de bebidas, Igor alertou:
— Entre na próxima à direita.
— Você já conhece João Pessoa como a palma da sua mão?
— Ou é isso, ou você para e pergunta. Mas atenção: é você quem vai perguntar e, se a pessoa não souber, você desce do carro e sai perguntando.
O terrorismo de Igor funcionou, mas Pedro não poderia simplesmente acatar. Precisava retrucar:
— E se não for aqui, quem desce é você!
Mas era ali mesmo. Bastou dobrar a rua para enxergarem a placa: "Restaurante Família Albuquerque". Agora, sim, Pedro estava irado de verdade. Pararam bem em frente ao estabelecimento, e Igor logo tratou de soltar o cinto de segurança. Pedro ainda não confiava naquele garoto, que agora escondia coisas e exibia mistério. Puxou com força o braço esquerdo dele e sussurrou com agressividade:
— Se você fizer alguma merda, eu vou encher essa sua cara bonitinha de socos!
Mas as ameaças de Pedro não o assustavam mais. Nada poderia ser mais intenso do que um enforcamento, especialmente depois de Igor ter sentido o fôlego ser tomado de si por Pedro... de outra forma. O menino retribuiu com um olhar de raiva, mas o ignorou.
Por fim, desceram do carro. O restaurante ainda estava fechado. Abria para o almoço e funcionava até as vinte e três horas. Atravessaram um pequeno jardim que antecedia a entrada, e Igor bateu na porta. Ninguém atendeu. Insistiu mais algumas vezes, até que alguém gritou:
— Estamos fechados!
— Eu sei, queria falar com o proprietário, por favor.
Uma jovem, que parecia fazer a limpeza, saiu por uma porta lateral estreita, espremeu os olhos por causa do sol forte e respondeu:
— Oi!
— Olá, tudo bem? O senhor Cícero se encontra?
— Ele tá, mas eu não tenho permissão para incomodá-lo...
— Diga a ele que é sobre os pisos cerâmicos. Somos da fornecedora Silveira.
Ela olhou aqueles dois jovens dos pés à cabeça e parecia pensar que incomodar o chefe não era uma boa ideia para manter o emprego. Pedro ficou impaciente com a demora, mas Igor percebeu que a menina era nova ou, no mínimo, insegura em suas funções.
— Veja... Como é mesmo seu nome?
— Amanda.
— Amanda, nós viemos falar com o senhor Cícero porque ele mesmo nos ligou. Viemos de Maceió só para isso.
— Mas vocês ligaram para ele?
— Olha, vamos fazer o seguinte: eu vou ligar para ele agora e perguntar se podemos visitá-lo. Se ele disser que sim, você chama ele, pode ser?
— Tudo bem.
— Pedro, me empresta seu celular...
Igor então ligou para o proprietário e, numa conversa curta, resolveu o problema.
— Pronto, Amanda, o Cícero autorizou.
— Bom, então eu vou chamá-lo...
Agora, Pedro entendia como Igor sabia o caminho até o restaurante, mas não queria admitir que precisava ter ligado antes para evitar parecer perdido para Cícero. No fim, tudo para ele era uma questão de aparência. Até sua insegurança ele mascarava com agressividade.
— Seu idiotinha, por que você ligou para cá e perguntou o endereço, hein?
— O quê?
— Você ligou para cá quando estávamos no posto, não foi? Ligou e perguntou como chegar até aqui.
— Sim, liguei, fingi que era um turista...
— Ah, grande bosta! Ele poderia desconfiar do mesmo jeito.
— E se desconfiar? Ele sabia que viríamos!
Amanda voltou e interrompeu a discussão entre eles. Convidou-os a entrar, e os três seguiram pelo salão do restaurante. Assim, Igor pôde ver perfeitamente como o piso cerâmico era empregado naquele lugar. Observou com atenção. Seguiram para trás do balcão do caixa e subiram por uma escada. Amanda ia na frente, seguida por Igor e Pedro. Passaram por algumas portas que, pelas caixas amontoadas no corredor, davam a entender que eram dispensas. Chegaram a uma sala onde um senhor calvo falava ao telefone. Era Cícero. Esperaram que ele terminasse a ligação. Pedro torcia para que ele falasse bastante, para que tivesse tempo de tomar coragem; mas, para isso, quantas horas seriam necessárias?
— Oi, tudo bem? — disse Igor, estendendo a mão.
— Tudo sim. O senhor é o Cícero, certo?
— Certo. Chegaram rápido, hein?
— É, na verdade, já estávamos aqui em frente, mas decidimos ligar antes para não incomodar.
— Então, podem se sentar.
— Obrigado!
Pedro, até então, não havia dito uma palavra. A sala era pequena, mas confortável o suficiente para comportar três birôs e um frigobar. Havia muitos calendários nas paredes com a logomarca do restaurante, várias fotografias de família e um pequeno ventilador de mesa.
— Então, vamos tratar de negócios? — perguntou Cícero.
Se Pedro não fosse alguém fisicamente notável, sua presença provavelmente passaria despercebida. Igor se apresentou, falou diretamente com Cícero e começou a "tratar de negócios" imediatamente. Isso não significava que o menino não desse espaço para Pedro se expressar também, mas Igor se comportava com tanta simpatia e segurança que não havia lugar para Pedro na conversa. Se ele tentasse falar, certamente acabaria quebrando a fluidez do diálogo.
— Então, Seu Cícero...
— Pode me chamar apenas de Cícero.
— Ah, desculpe. Viemos pelos pisos cerâmicos... O senhor demonstrou interesse neles...
— Bem, na verdade, eu quis saber se ainda havia desse piso, pois já faz muitos anos que temos esse modelo no salão do restaurante. Queremos trocar algumas peças porque, no centro, elas já estão com a coloração desgastada, sabe?
— Entendo. Nós, da fornecedora, ainda temos um estoque desse piso. Pelo que vi do salão, acho que é suficiente, mas precisaríamos verificar.
Pedro não tirava os olhos de Igor, analisava seu discurso palavra por palavra e se angustiava: na verdade, o estoque que ainda tinham era muito mais que suficiente para o restaurante. Pensou em interrompê-lo, mas o fluxo da conversa estava em crescente desenvolvimento. Não conseguiria falar!
— Era só uma pesquisa que quis fazer. De necessidade, necessidade mesmo, só preciso trocar os pisos do meio do salão, não precisaria trocar o restante. Mas é quase impossível achar outras peças de cor semelhante. Como eu disse, era só uma pesquisa, vocês não precisavam vir aqui. Quando falei com o Silveira, expliquei isso, mas ele insistiu em enviar um representante — explicou Cícero.
— Mas se o senhor precisa trocar por necessidade, por que está hesitando? — questionou Igor.
— Porque estou pensando em usar outra cerâmica.
— O senhor está falando em trocar todo o piso?
— Sim.
— Mas sabe que fazer um pequeno reparo e trocar todo o piso são coisas totalmente diferentes. E quem sente a diferença é o bolso!
— Sim, sei disso, claro. Já avaliei essa possibilidade.
— E então?
— Mas, se há muito tempo não fabricam mais esse piso, não seria melhor trocá-lo logo por outro? Estou considerando essa opção. Trocar tudo custaria mais que o triplo, mas, se esse problema vier a acontecer de novo, não terei dificuldades em fazer novos reparos.
— Sim, o senhor... desculpe, você está certo. Mas veja por outro lado... Há quanto tempo esse piso está no salão?
— Ixi, vai fazer mais de quarenta anos. Esse negócio é de família. Foi do meu pai e agora é meu e do meu irmão.
— Pois é, veja a durabilidade do material!
— É verdade!
Amanda voltou com uma bandeja com seis copos, três com água e três com café.
— Aceitam? — perguntou Amanda.
— Ah, sim, obrigado. Vou querer o café e a água! — respondeu Igor.
— E o senhor? — perguntou a Pedro.
— Não.
— Vou deixar a bandeja.
— Obrigado, Amanda! — disse Igor.
Igor tomou alguns goles de água para matar a sede e limpar a garganta.
Aprendeu com a mãe a tomar um pequeno copo de água antes do café, para aproveitar melhor o sabor. Pedro continuou imóvel na poltrona, enquanto Cícero tomou sua água em dois goles, amassou o copo descartável e o atirou no lixo.

— Mas, continuando... Você disse que há mais de quarenta anos tem esse piso e só agora ele precisou de um retoque, certo? — retomou Igor.
— Isso mesmo — confirmou Cícero.
— Então, veja: agora você vai apenas retocar o piso para que ele dure mais quarenta anos. Nesse processo, você gastaria, digamos, dois reais. Se decidir trocar tudo agora, gastará cinco reais e, se der sorte de encontrar um piso tão bom quanto o nosso, daqui a quarenta anos terá que gastar mais dois reais para retoques. Ou seja, mais cedo ou mais tarde, você terá que fazer um reparo. A diferença é que, se fizer agora, gastará menos.
Cícero quase se deixou convencer pela conversa de Igor. Olhou para o garoto e parou para pensar. Parecia não haver mais o que discutir. Parecia, apenas.
— É verdade, mas eu gastaria sete reais do mesmo jeito.
— Como?
— Se eu retocar agora, gasto dois, e, daqui pra lá, troco tudo e gasto cinco.
— Certo...
— Mas, se eu trocar agora, gasto cinco, e, daqui pra lá, retoco e gasto dois. Ou seja, gasto sete do mesmo jeito.
Pedro queria vender logo os pisos cerâmicos e partir, mas, involuntariamente, não pôde deixar de sentir prazer com a enrascada em que Igor se metera. No entanto, o menino ainda tinha palavras presas na garganta.
— É verdade, gasta o mesmo. Mas o valor será o mesmo daqui a quarenta anos? E outra... quantas unidades do restaurante o senhor tem aqui na cidade?
— Unidades? Filiais, você quer dizer? — Igor confirmou com a cabeça. — Só temos este negócio aqui.
— Não pensa em ampliar? O dinheiro que você economizar agora pode servir para isso. E, daqui a quarenta anos, se precisar trocar, terá o dobro do lucro que já tem para fazer isso com conforto para o seu bolso.
Cícero olhou para aquele garoto e não conseguia acreditar em sua perspicácia. Para qualquer empresário com ambição saudável, a palavra "ampliar" era um afrodisíaco para pensamentos sobre lucro. Ele riu um pouco. A sensação era como se tivesse recebido um elogio pessoal, algo como "você está muito bonito hoje".
— Olha... Veja bem... Ampliar é sempre bom, mas às vezes não é um bom negócio...
— Pode ser, mas você vai economizar um bocado agora e terá capital para fazer qualquer coisa durante quarenta anos. Seja no restaurante, na sua casa, na sua casa de praia. Pode abrir outro negócio, menor, mas ainda assim um negócio próprio. Pode comprar motos... Aliás, vocês fazem delivery?
— Não, não fazemos.
— Poderiam começar!
— É, nós já pensamos nisso...
— E poderiam investir esse dinheiro nas motos agora, com conforto...
— Quantos anos você tem, moleque?
— Eu? Vinte e um! — mentiu Igor.
— Nem parece... Tão jovem e tão espertinho.
— Ah, aposto que os seus filhos são assim “espertinhos” como eu.
— Não, não muito...
— Mas serão!
Igor se sentia mais confiante do que nunca. Pegou o copo de café, soprou e tomou um gole. Esperou que algo fosse dito, seja por Cícero ou por Pedro, mas os dois apenas observaram seus movimentos com o copo e aguardaram. Definitivamente, Igor estava no controle. Ele pousou o copo na mesa e continuou.
— Então?
— Então, Igor... Igor, é esse o seu nome, não é? Como eu disse, este negócio é meu e do meu irmão. Não posso tomar decisões assim. E, como também já falei, contatei a empresa de vocês apenas para fazer uma pesquisa. Além disso, estamos analisando outras opções e considerando o porcelanato.
Pedro sabia o que isso significava. Afinal, era um material mais caro, porém mais resistente — tão resistente quanto a cerâmica que tinham, ou até mais. Na verdade, foi justamente por causa desse material que a fornecedora começou a falir: o porcelanato custava quase o mesmo preço, mas era novidade, enquanto a cerâmica da fornecedora estava saindo de linha. Então, como competir? Aliás, será que Igor ao menos sabia o que era porcelanato?
— Porcelanato é um material muito bom. Eu usei no meu quarto... Reformei faz dois meses.
Pronto! Pedro respirou fundo e deu por encerrada toda a negociação. "Parabéns, Igor, você fez a pior merda que poderia fazer!"

Continua....

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