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Entre Muros e Segredos cap 2

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Timberlake

Se você está achando muita enrolação, faça um favor para você mesmo e não leia. A história de Igor e Pedro continua.

Não estava sendo fácil essa mudança repentina para eles, mas Pedro não fazia nenhuma questão de amenizar o desconforto no relacionamento com Igor. Aliás, Pedro não tinha vergonha de esconder sua antipatia. Despediu-se do pai e entrou no casarão. Já Igor, que não havia feito quase nada o dia todo, nem mesmo tomado banho, foi, do jeito que acordou, para um restaurante com Silveira. Pediram uma macarronada e aguardaram em uma mesa pela comida.
— Você está com medo de ficar no casarão?
— Não. Esses roubos não me assustam. Quando o ladrão perceber que a casa agora tem gente, não vai mais se arriscar tanto.
— Tomara, Igor, tomara. E você e o Pedro?
— O que tem?
— Vocês não se dão bem, não é?
— Não, na verdade, a gente não se conhece ainda. Creio que haja muita timidez tanto minha quanto dele. É questão de tempo.
A diplomacia e o carinho por Silveira não permitiram que Igor confirmasse o pensamento do tio de consideração. Ele achou por bem mentir, embora realmente tivesse esperança de que esse desentendimento fosse vencido com o tempo.
— Assim espero. Vocês têm que entender que, futuramente, inevitavelmente, terão um relacionamento muito próximo. O hotel vai ser o ganha-pão de vocês, e juntos deverão tocar o negócio.
— Tio, posso ser sincero? Não ajuda muito o senhor e o meu pai ficarem repetindo isso o tempo todo. Cansa demais. Pedro e eu sabemos que é para o nosso bem, para assegurar o nosso futuro. Temos ciência disso e somos muito pé no chão, pois veja só: Pedro faz Engenharia, e eu começarei Arquitetura. Nós temos sonhos com esses cursos e, se pudermos, seremos engenheiro e arquiteto. Mas sabemos que não se vive apenas de sonhos, e acho que falo pelo Pedro quando digo que nos sentimos seguros por termos uma segunda opção. Mas, se vocês continuarem insistindo em nos lembrar disso o tempo todo, acho que vamos acabar odiando tudo isso. Vamos administrar o hotel com a frustração de não termos conseguido ser engenheiro e arquiteto. Mas essa parte da frustração eu falo por mim apenas.
Silveira ouvia com atenção, como se fosse um garoto querendo aprender os segredos da vida com um ancião experiente. E, justamente por saber que Igor não era um idoso, achava-o um jovem esperto, merecedor de muito respeito e consideração. Em retribuição às palavras de Igor, Silveira sorriu, baixou a cabeça e retomou a conversa.
— É, Igor, você tem razão, eu não havia pensado nisso. Como pode você ter apenas dezoito anos e ser tão seguro dos seus desejos?
— Ah, tio, não é verdade. Não há tanta segurança assim em mim. Talvez sobre o que eu desejo, sim, mas todas as minhas escolhas são inseguras.
— Igor, não vou discutir, pois, sobre isso, eu já tenho uma opinião muito bem formada sobre você.
— Ninguém imaginaria que pudesse haver uma amizade assim entre um garoto e um...
— E outro garoto!
Era inevitável para Igor rir com Silveira. Apesar da idade tão distinta, eles conseguiam se entender muito bem e se respeitavam. A macarronada foi servida à mesa, e os dois não perderam tempo conversando. Igor estava com muita fome e repetiu o prato. Pediram a conta logo em seguida e voltaram para o casarão.
— Igor, antes que eu me esqueça, aqui estão as chaves da casa.
— Tio, tem certeza de que eu devo ficar com elas?
— São só cópias. Pedro também tem cópias.
— Sim, eu imaginei que fossem, mas, mesmo assim, será que devo ficar com elas?
— Claro que sim. Como você vai poder sair e voltar se não tiver chaves? Você vai precisar sair para estudar, comprar alguma coisa, se divertir... Não pode ficar dependendo do Pedro para voltar. Afinal, ele também precisará sair algumas vezes.
— Está certo, obrigado!
— Tchau, Grande.
Pedro assistiu à chegada de Igor pela varanda e voltou para sua cama. Igor entrou na casa visualizando o que faria nas próximas horas: ficaria deitado em sua nova cama, esperaria pelo jantar e, por fim, dormiria. Não era nada agradável para alguém que gostava de praticar sua liberdade e de conversar com as pessoas, mesmo que fosse tímido.
Ao chegar ao quarto, viu Pedro deitado na cama, com as mãos debaixo da cabeça e os olhos fixos no teto.
— Cheguei.
— Hum...
Igor ainda sorriu para Pedro, mas este não tirou os olhos do teto. Então, descalçou-se e sentou-se na própria cama. O que fariam até o fim do dia? Igor se deitou e virou as costas para Pedro para poder observar a rua, já que estava próximo da varanda. Ver o mundo era um passatempo monótono, mas sempre deixava Igor muito ocupado. Ele poderia passar horas em uma viagem de carro apenas observando as paisagens pela janela.
Pedro, por outro lado, parecia não ter a mesma paciência, então resolveu ligar a televisão. O barulho fez Igor perder um pouco da atenção na rua, mas logo ele voltou a se concentrar no que via. Minutos depois, um som dentro do quarto fez com que Igor girasse o corpo para ver do que se tratava. Era Pedro, que mudava a televisão de lugar, pois a luz do sol que entrava no ambiente atrapalhava sua visão.
— Quer ajuda, Pedro?
Mas, antes que ele pudesse responder, já havia resolvido o problema girando um pouco a TV para a direita. No entanto, ignorou o fato de que, na nova posição, era impossível para Igor ver qualquer coisa na tela.
— Se ao menos tivéssemos cortinas, poderíamos fechá-las e tudo estaria resolvido, não é?
Pedro estava decidido a não falar com Igor. Voltou para a cama, esticou as pernas, colocou as mãos debaixo da cabeça e começou a assistir a um filme. Igor, vendo sua tentativa de amizade com o companheiro de quarto falhar mais uma vez, olhou discretamente para o corpo de Pedro — que vestia apenas uma cueca —, baixou os olhos e voltou a observar a rua. Por fim, adormeceu.
Pedro continuou assistindo à televisão, mas logo se entediou com o filme e começou a trocar de canal, buscando algo mais interessante. "Porra de TV aberta!", pensou, enquanto apertava os botões do controle remoto com impaciência. Não encontrou nada melhor e, sem opção, assistiu ao filme até o fim.
Depois, estranhou o silêncio no quarto e voltou o olhar para Igor. Sim, ele realmente dormia. Observou-o por alguns segundos, notando como o garoto conseguia se encolher tanto ao dormir. Entortou a boca, seguiu até a cadeira onde estavam suas roupas, vestiu-se e desceu as escadas. Ainda era tarde, mas o sol já anunciava seus últimos raios do dia. Trancou a porta principal e saiu. O barulho do carro não foi suficiente para acordar Igor, que continuou dormindo por muito tempo.
Pedro dirigiu sem destino. Pensou em ligar para os amigos, mas preferiu ficar sozinho. Havia coisas em sua cabeça que precisava pensar, mas não sabia exatamente no quê.
— Rebeca?
— Você me ligando? Que surpresa boa!
— Se eu te pedir um favor, você atende sem perguntar o porquê?
— Depende do favor, né?
— Posso te buscar? Me faz companhia?
— Ué, está carente?
— Mais ou menos. Se você me deixar ir até aí, eu te explico pessoalmente.
— Então venha!
Rebeca, assim como algumas outras garotas, era a segunda opção de Pedro quando ele se sentia inquieto. E hoje era ainda mais grave, pois ele sequer sabia o motivo de estar assim. Algumas horas depois, no motel, deixou-a em casa e seguiu para um fast-food. Lá, jantou e pediu outro lanche para viagem. Depois, parou em um posto de gasolina, encheu o tanque da van e comprou uma garrafa de dois litros de refrigerante. Se pudesse, ainda faria uma dezena de outras coisas para evitar voltar tão cedo para sua nova casa. No entanto, a voz do pai em sua cabeça era mais persistente do que sua vontade.
Ao retornar, teve dificuldades para subir a escada por causa da escuridão. No quarto, tirou a camisa e a bermuda, descalçou-se e se deitou.
Já passava da meia-noite quando Igor acordou. Sua barriga reclamava de fome, e, em sua cabeça, só restava a opção de comer algumas fatias de pizza geladas. Mas, ao se levantar da cama e caminhar em direção à porta, percebeu uma sacola plástica sobre a cômoda.
"Aqui tem sanduíche. Na geladeira, tem refrigerante."
Igor nem precisou de muita luz para ler aquele breve recado. Pôs o papel de volta na cômoda e olhou para Pedro. Ele dormia profundamente, já todo desenrolado do lençol, de tanto se mexer durante o sono.
Estava só. Mesmo com alguém dormindo ao lado, Igor estava só. Mesmo tendo comida, não havia ninguém para quem pudesse agradecer. A escuridão da noite e o tamanho daquela casa só aumentavam seu sentimento de solidão.
A fome, no entanto, foi mais forte. Com cuidado, desceu as escadas, seguiu até a cozinha, encheu um copo descartável com refrigerante e comeu o sanduíche sozinho naquela cozinha enorme e empoeirada. Aquele lugar não parecia uma casa. Não lembrava em nada um lar.
Pensou em sua mãe, em sua cama, nos amigos do colégio, que em breve seriam esquecidos para dar lugar aos novos que viriam com a faculdade. Pensou em seu pai, mas não com saudade, e sim com um pouco de raiva.
Por fim, sua barriga estava satisfeita. Subiu de volta para o quarto, olhou para Pedro, que ainda dormia, e, ao se deitar, fitou a outra cama por um instante antes de sussurrar:
— Obrigado!
No dia seguinte, parecia que o mundo poderia desabar e, ainda assim, Igor não acordaria. E, de certa forma, o casarão também estava desmoronando. Os pedreiros chegaram cedo e começaram a trabalhar na obra. Devido à falta de materiais roubados, apenas o lado esquerdo do prédio estava em atividade, justamente onde ficava o quarto de Pedro e Igor.
— Igor, Igor, acorde!
Breno já estava furioso com o sono do filho, pois todos estavam acompanhando ou ajudando na obra, exceto ele. Aliás, na mente de Breno, todos os homens de verdade estavam lá, menos seu filho. E o relógio ainda nem marcava oito horas da manhã.
— Igor, não tem vergonha?
— Pai?
— Está todo mundo lá embaixo, e você aqui, de princesinha, dormindo.
— Que horas são?
— Já são oito!
— Pai, são sete e meia. Está cedo.
— Cedo para uma dona de casa, não para um homem!
— Ah, pai, uma dona de casa acorda muito mais cedo que qualquer pedreiro.
— Não interessa, Igor. O Pedro está na obra desde que os pedreiros chegaram.
Igor se levantou, sentou-se à beira da cama, esfregou os olhos e olhou para o pai.
— Às vezes, acho que o senhor quer criar algum tipo de competição entre Pedro e mim.
— Não inventa, Igor. E, se for o caso, está com medo de perder? Vamos, levante-se dessa cama e desça. Esta é a primeira e última vez que venho te acordar. Se amanhã isso acontecer de novo, eu te tiro daí na porrada!
Igor viu o pai sair do quarto e, quando a porta foi fechada, riu ao pensar: "Eu não teria medo de perder para o Pedro, pois já perdi para ele há muito tempo, desde que nasci!". Igor refletia sobre a masculinidade que Pedro possuía e que, segundo seu pai, faltava a ele. Inspirou fundo, olhou a luz do dia que invadia o quarto pela varanda e percebeu que deveria fazer o que sempre fazia: levantar-se e fingir que aquela conversa tinha sido apenas um verso, não uma prosa.
Espreguiçou-se e foi ao banheiro. Escovou os dentes, olhou-se no espelho e analisou o rosto para ver se estava muito marcado pelo travesseiro, se tinham surgido espinhas ou se o cabelo estava muito desarrumado—o mesmo ritual de sempre antes do banho. Mas aquele não era seu banheiro, seu quarto, sua cama... Apoiou as duas mãos na pia e olhou para o ralo. "Será muito dramático desejar escorrer por esse ralo? No que esse inferno se transformou?". Igor tinha medo de parecer jovem e infantil, embora sua idade dissesse o contrário. Mas infantil ele não era.
Abandonou a bobagem matinal de pensar sobre o último dia e foi tomar banho. Antes de começar a tirar a roupa, voltou até sua mala perto da cama e pegou o xampu, o condicionador e a saboneteira. Por um segundo, esqueceu-se de que não estava em casa.
Deixou a porta aberta.
Quase ao fim do banho, Pedro entrou no banheiro e começou a urinar no vaso. O barulho do chuveiro impediu Igor de notar sua presença. Além disso, estava de costas para o intruso. Depois de urinar, Pedro lavou as mãos e bateu forte no box do chuveiro, assustando Igor, que quase escorregou no piso molhado.
— Seu pai pediu para te chamar!
Igor não conseguiu responder. Continuou imóvel, respirando pela boca, no mesmo ritmo acelerado de seu coração. Pedro, insensível ao susto que havia causado, não percebeu o impacto do gesto. Os dois se encararam por um instante mais longo do que os anteriores. Pedro esperava uma resposta que não veio, pois as palavras tropeçavam na garganta de Igor. Supondo que o recado estava entendido, Pedro saiu. Igor acompanhou-o com o olhar até que seu corpo desaparecesse porta afora.
Ainda trêmulo, Igor se encolheu e encostou-se na parede, tentando recuperar o fôlego. Pela primeira vez, não sentiu vergonha de ser visto nu. Percebeu isso quando olhou para si mesmo e notou que não havia tentado se cobrir. Era tarde demais para se envergonhar, então optou pela raiva. Mas também era tarde demais para se enfurecer.
Enxaguou-se, saiu do banheiro, vestiu-se e desceu.
— Oi, Grande!
— Viu o meu pai?
— Está lá fora conversando com o arquiteto.
Igor, que nunca deixava de responder aos cumprimentos de seu tio, desceu os últimos degraus sem olhá-lo de novo e seguiu para o jardim. Silveira percebeu que ele não parecia confortável naquela manhã e chamou sua atenção novamente.
— Igor!
— Oi...
— Não vai me dar bom dia?
— Tio, é que... Desculpe. Bom dia.
— Acabou de acordar?
— Sim.
— E já tomou café da manhã?
— Não há tempo para isso.
— Como não? Você é tão magrinho, precisa se alimentar e...
— É, eu não sou como o Pedro.
— E nem poderia. Vocês são tão diferentes em tudo.
— Não sei se isso é bom ou ruim.
— É bom. Você é quem você é.
— É... Infelizmente. Sou o que sou, mas, se pudesse...
— Se pudesse, tomaria café antes de tudo. Vá!
Igor fez uma cara de cansaço com todo aquele vai e vem e seguiu para a cozinha.
Silveira foi até Breno e o arquiteto, enquanto Pedro saiu com a van para ajudar a mãe com as compras domésticas.
— Silveira, viu o Igor?
— Está tomando café.
— Ainda?
— Breno, o garoto acabou de acordar.
— Ah, mas ele já acordou tarde...
— Deixa o garoto comer. E depois, o que ele vai fazer aqui? Levantar parede?
— Ele não quer ser arquiteto? Bom, então tem que ver que vai dar duro!
— Ele terá quatro anos para isso.
O resto do dia, que Igor achava que seria divertido, pois conheceria o arquiteto da obra e veria o dia a dia do profissional, foi um tédio. A noite não foi diferente, já que ele e Pedro nem mesmo ousavam se olhar. Sim, Igor, após o susto no banheiro, também passou a ignorar Pedro, e assim foram dormir.
Na manhã seguinte, Igor acordou às cinco da manhã, tomou calmamente banho — agora com a porta trancada — e se vestiu dentro do banheiro. Desceu e preparou o café da manhã. A cozinha agora tinha micro-ondas, mas ainda permanecia suja. Após se alimentar, decidiu limpá-la, mas a faxina durou muito tempo. Os pedreiros chegaram às seis horas e Igor ainda passava a vassoura. Às oito, ainda limpava as pias quando seu pai chegou.
— Resolveu acordar cedo?
— Bom dia para o senhor também.
— Mas está lustrando a cozinha? Por que não deixa isso para outra pessoa fazer?
— Quem vai fazer? Não há mais ninguém nessa casa senão Pedro e eu. Sinto muito, mas não acho agradável comer nesse lixo.
— Aposto como o Pedro não se importa.
— Pouco me importa. Eu me importo. Não vou comer em cima de uma mesa com tijolos e restos de cimento velho. Se você não se incomoda, venha o senhor para cá dormir e comer nessa podridão, e eu volto para casa.
— Igor, você me respeite!
— Eu respeito, mas, poxa, me deixa limpar isso aqui. Alguém tem que fazer. Estou morando aqui, e não está fácil. Não fico reclamando, estou fazendo de tudo para me habituar, então ao menos me deixe limpar a cozinha. O mínimo exigido é um pouco de higiene.
— Acabe logo com isso e venha para fora. O arquiteto já chegou.
Poderia Igor sair dali correndo? Não. Igor detestava fugir. Isso porque era tudo o que ele mais queria, mas desde muito cedo soube que não poderia ter o que queria e se punia quando teimava nisso. Pedro entrou na cozinha, agora limpa, foi até a geladeira e tirou uma fatia de pizza para esquentar no micro-ondas. Igor terminava de limpar a última pia, enquanto Pedro olhava ao redor. Saiu com a pizza na mão e nem sequer comentou a ação de Igor.
Ao fim do dia, Silveira chamou o filho e o sobrinho para uma conversa no quarto.
— O que é de tão sério, pai?
— Hoje recebi uma ligação que pode ser a solução para me livrar do estoque de cerâmica. Um restaurante de João Pessoa, que usa esse tipo de material, entrou em contato. O dono quis saber se ainda tenho algumas caixas do piso que ele usa, pois pretende fazer uma reforma.
— Isso é ótimo, tio, mas o que eu e o Pedro temos a ver com isso?
— Bom, seu pai e eu trouxemos vocês para cá porque estamos sem grana para pagar um vigilante, certo? E ainda estamos sem dinheiro. Precisamos que alguém leve algumas caixas do piso até lá.
— O que isso significa, pai?
— Que um de vocês dois fica aqui cuidando da casa, e o outro vai para João Pessoa.
— Sozinho?
Na mente de Pedro, um alívio. Na de Igor, um sufoco. Independente de quem fosse ou de quem ficasse, um ficaria sem a presença desagradável do outro. Mas os pensamentos de cada um se diferenciavam: para Igor, pouco importava quem Pedro era, o que fazia, o que achava; seu medo era por si próprio. Ficar sozinho no casarão seria um tormento sem fim, pois teria que tomar as rédeas de tudo sobre a obra e ainda suportar as implicâncias do pai machista. Porém, ir sozinho para outra cidade, com a responsabilidade de conseguir o dinheiro para a reforma e ter que se virar a quilômetros de distância de casa, parecia ainda mais angustiante.
Para Pedro, era simples: ficando, teria a casa só para si e não precisaria ver Igor por perto; partindo, ficaria sozinho por alguns dias e poderia aproveitar a cidade como bem entendesse. Já para Breno e Silveira, estava claro que enviar Igor para João Pessoa sozinho seria muito mais arriscado. A insegurança do garoto era evidente, e sua juventude aparente poderia afastar o cliente, que talvez não confiasse na compra caso visse apenas um menino negociando.
— Sozinho sim, Igor, mas não se preocupe, você fica na casa e o Pedro é quem vai para João Pessoa.
— E quando vou?
— Amanhã. Topa?
— Topo.
Uma das angústias de Igor estava sanada, pois ele não teria que se deslocar para tão longe, sozinho, numa cidade desconhecida; ou seja, um tormento para qualquer pessoa insegura. Mas o casarão pareceu aumentar duas vezes de tamanho quando Silveira anunciou quem seria a pessoa que ficaria para tomar conta. E Pedro, que não se importava com isso, já pensava no que poderia fazer durante as horas vagas nas ruas de João Pessoa. E assim jantaram, tomaram banho e dormiram. Igor, na verdade, tentou dormir, mas, por fim, o cansaço do dia acabou lhe injetando sono.
Mas antes, ainda naquele mesmo dia, Silveira explicou para o filho como seria a viagem. A ordem era tentar economizar o máximo possível, por isso o transporte usado seria a van, que, na verdade, já era o automóvel da distribuidora e fornecedora da família. A única dificuldade de Pedro agora seria acertar o caminho de ida e volta, mas não era um fator que o assustava; não era nada que um mapa ou um aparelho de GPS não o ajudasse. E esse também era um dos motivos para que Pedro fosse escolhido, pois ele tinha carteira de motorista e experiência atrás do volante.
Para Igor, restava acordar cedo, como fez no dia anterior, tomar banho e se alimentar, para esperar seu pai, tio, pedreiros e o arquiteto. E, como previsto, despertou por volta das cinco da manhã, com uma diferença: fora acordado pelo barulho que Pedro fazia ao arrumar sua mala. Ao abrir os olhos e perceber o que acontecia, continuou na cama, olhou o relógio e vigiou a arrumação do companheiro de quarto. Encolheu-se um pouco mais entre os lençóis e começou a sentir um embrulho na barriga. Algumas horas depois, Igor estaria sozinho no casarão, mas, na verdade, não teria sido Igor sozinho o tempo todo desde que lá chegou?
Malas prontas, Pedro desceu para estacionar a van mais próxima à casa e carregá-la com algumas caixas de piso cerâmico. O automóvel só possuía o conjunto de bancos da frente, mas o resto era um vão livre, onde sua mala, os pisos e um velho colchão de casal (que já se encontrava lá) seriam levados sem problemas de espaço. Com a saída de Pedro do quarto, Igor tomou coragem para se levantar, tomar um banho rápido e se esconder na cozinha até que as outras pessoas chegassem. Mas, antes mesmo de terminar o café da manhã, Silveira chegou para dar as últimas coordenadas para o filho, que o encontrou no jardim arrumando o carro.
— Acordou cedo...
— É, quis adiantar as coisas por aqui.
— Olha, acho que você precisa levar mais caixas, pelo menos mais cinco.
— Tantas assim?
— É, não podemos perder a oportunidade. Se o dono do restaurante fechar o negócio, é bom já deixá-lo com boa parte da compra.
— Mas ele não vai comprar de qualquer jeito? Poderemos enviar o que faltar depois.
— Não, ele não vai comprar de qualquer jeito.
— Mas o senhor não disse que fechou o negócio?
— Não, Pedro, você entendeu tudo errado. Ele se mostrou interessado e eu não quero perder tempo; quero me livrar logo desse estoque. Se ele decidir por comprar, já terá boa parte, senão tudo o que precisa, à mão. E ele sentirá confiança se enviarmos logo de cara.
— Mas então o que o senhor está me pedindo não é para simplesmente levar os pisos, mas vendê-los. O senhor quer que eu convença o homem a comprar?
— Isso...
Pedro não aparentava timidez e insegurança. E nem poderia. Sua aparência, seu porte, seu comportamento... Nada disso estampava um rapaz temeroso por simplesmente se relacionar com pessoas diferentes. No máximo, Pedro poderia passar uma imagem de um indivíduo fechado em si mesmo, alguém calado e de poucos amigos. Mas o que ele sabia era que não tinha carisma para vender e não tinha segurança para se apresentar como tal. A viagem logo se tornou um tormento para Pedro também. A responsabilidade em cima dele se tornou maior, talvez do tamanho do casarão aumentado duas vezes, assim como Igor imaginou.
Silveira foi até o estoque pegar mais caixas e, quando voltou, percebeu que o filho não saiu do lugar desde que conversaram sobre a viagem.
— Não vai ajudar, Pedro? Vá pegar mais caixas!
— Pai, eu não sabia que a venda não estava negociada. Eu... eu não tenho nenhuma habilidade com isso.
— Mas, Pedro, é só mostrar o material, você conhece essas cerâmicas tão bem quanto eu. Fale delas, mostre-as e fale o de sempre, que é mais vantagem para o comprador consertar algumas partes do piso do que reformá-lo por completo com outro revestimento.
— Mas tudo isso ele já sabe e aposto que ele sabe também que comprar outro piso também tem vantagens!
Silveira se surpreendeu com o nervosismo de Pedro, pois quase nunca o vira dessa forma. Seu filho sempre demonstrou segurança, e o que ele fazia não era muita novidade, exceto pelo fato de que deveria ainda convencer o cliente a comprar as peças. Mas nada que uma conversa antes não o ajudasse, e quem nunca conversou com alguém na vida?
Pedro partiria às quatorze horas, pois ainda precisaria estudar a rota e fazer algumas compras, como alimentos e demais suprimentos. Igor, que ainda se encontrava na cozinha, quis se manter afastado de qualquer coisa que se referisse à viagem. Continuou lá sentado, esperando por seu pai ou pelo arquiteto, mesmo depois de já ter tomado seu café. Os pedreiros chegaram, logo em seguida o arquiteto, com quem Igor ficou em uma conversa em um dos cantos da obra.
Às onze horas, os pedreiros começaram uma discussão sobre como se daria o almoço, pois justamente naquele dia a mãe da dona do boteco, que preparava as quentinhas para os trabalhadores, havia falecido e, portanto, ela não abriria o estabelecimento. Alguns queriam voltar para casa e almoçar, enquanto outros preferiam dar o expediente por encerrado às treze horas. Ambas as escolhas resultariam em perdas de tempo, pois os pedreiros moravam em lugares distintos; afinal, eram muitos, e parar naquela hora acumularia serviço. Breno chegou para resolver o problema, mas não encontrou solução, e o arquiteto, que não era bem quisto pelos operários, reclamava da possível preguiça deles. Igor estava ao lado do arquiteto quando seu pai chegou e tentou amenizar o calor da discussão. Em seguida, Silveira também se aproximou para ver o que acontecia, enquanto Pedro fazia as compras.
— O que está acontecendo aqui, Grande?
— Os pedreiros querem ir embora às treze, pois a dona da vendinha da outra rua não vai abrir hoje.
— É a das marmitas, não é?
— Isso. Aí eles querem ir embora, pois não têm como almoçar hoje e ficar até o fim da tarde.
— É, é um problema realmente.
— Tio, cadê o Pedro?
Um dos pedreiros pegou sua caixa de ferramentas e gritou que estava indo embora, incitando os outros a fazerem o mesmo. Foi quando, antes que Silveira respondesse à pergunta de Igor, o garoto subiu em cima de um latão de tinta e disse em voz alta:
— Esperem, eu tive uma ideia!
— Igor? Isso não é da sua conta, cale a boca!
— Espere, pai, deixe-me falar. Quanto custa uma quentinha? Cinco reais? No supermercado do centro vende uma quentinha a esse preço e é muito boa.
— E o senhor acha que a gente tem tempo e dinheiro para pegar ônibus, comer lá e voltar para cá?
— Não, não disse isso. A gente pega a van, compra as quentinhas e trazemos para cá. Daqui a pouco o Pedro volta e vamos comprar.
Silveira se adiantou e comentou:
— Na verdade, se for o mesmo supermercado que você disse, o Pedro já está lá, Igor. Eu posso ligar para ele e pedir que compre e já traga.
— E então, vocês concordam em ficar?
— É... a quentinha é cinco sim, mas vinha com um suco...
— Bom, temos água o suficiente na cozinha.
Igor estava empenhado em impressionar o pai, mas acabou deixando Silveira e o arquiteto boquiabertos. Pedro demorou um pouco mais no supermercado esperando pela encomenda das quentinhas. Quando ele finalmente chegou, os pedreiros logo abandonaram as ferramentas e fizeram uma fila próxima à porta traseira da van, resultando num silêncio instantâneo na obra. Pedro, antes de tirar suas compras, deixou o carro aberto para que cada um se servisse.
— Pai, dá uma olhada nas compras. Será que estou esquecendo alguma coisa?
— Está esquecendo sim.
— Mas o senhor nem olhou as sacolas...
— Está esquecendo o seu companheiro de viagem.
— Quem?
A solução dos problemas subiu em um latão de tinta e anunciou uma boa ideia. Quem sabe não seria também ideal para abrandar o medo de Pedro em relação à venda? Foi isso o que Silveira pensou quando Igor acalmou os ânimos dos pedreiros na obra. O carisma que faltava em Pedro, Igor tinha de sobra; só a insensibilidade poderia impedir de se enxergar isso.
— O senhor vai comigo na viagem?
— Não, Pedro, quem vai é o Igor.

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  • Pica luminosa: Ficou bom o conto e ficou melhor ainda o uso do parágrafo,o do primeiro conto ficava um pouco confuso,continua.

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